UnB
21/07/2020

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Paulo José Cunha

Não perca seu tempo lendo isto aqui porque vou apresentar uma proposta tão ousada e atrevida que não tem a menor chance de ser, ao menos, debatida nas instâncias superiores. Aposto que será chamada apenas de delirante.

Ah, você ainda está aí? Então ficou curioso. Vamos em frente. Mas vá até o final, lá tem uma surpresa.

Temos acompanhado com atenção a angústia dos dirigentes de instituições universitárias diante dos impasses criados pela pandemia. O que fazer para não paralisar as atividades acadêmicas; garantir o mínimo de avanço dos alunos em seus cursos usando as tecnologias disponíveis para a oferta remota de conteúdos; disponibilizar computadores, tablets e conexão para estudantes de baixa renda e capacitar professores e alunos, em tempo recorde, para garantir o domínio do uso das plataformas e dos aplicativos? E como fazer, também em tempo recorde, a adaptação dos conteúdos teóricos e práticos das diversas disciplinas para transmissão pelos meios disponíveis, inclusive os convencionais como canais públicos de rádio e tv?

É compreensível tal apreensão por parte dos administradores de entidades acadêmicas. O desafio da inclusão é enorme e há ainda o risco de serem criticados pelo recebimento de recursos públicos sem as aulas estarem acontecendo. Mas as próprias circunstâncias oferecem argumentos sólidos para a prudência neste momento. E o principal deles é o respeito pelo bem maior: a vida.    

Os que atuamos na área da comunicação bem sabemos das limitações dos media. Para atrair a audiência, os meios se desdobram no uso de fotografias, computação gráfica, músicas de fundo, linguagem apropriada, edição ágil e profusão de imagens. Inclusive no rádio! Dependendo da plataforma, vídeos comerciais não passam de 3 minutos de duração, sob pena de dispersão da audiência. Lives de shows musicais de famosos chegam a durar até algumas horas, mas com superproduções. E o conteúdo é puramente lúdico, não exige a concentração de uma aula teórica.

Agora imagine uma aula de Cálculo captada pela tela de um celular por um estudante numa casa onde não há espaço para isolamento nem conforto acústico e muito menos a tranquilidade essencial para a absorção do conteúdo? Por isso o ceticismo de muitos profissionais da área de educação sobre a efetividade do ensino remoto, mesmo nas disciplinas puramente teóricas. É de se reconhecer, de uma vez por todas: por mais sofisticado que seja o conteúdo, NADA substitui o presencial.

Igualmente, devem ser reconhecidas as dificuldades trazidas pela pandemia. Tudo isso justifica esta proposta radical. Que consiste basicamente em três medidas:

– que, na volta às aulas não presenciais, sejam oferecidas exclusivamente as disciplinas teóricas cujos conteúdos sejam minimamente adaptáveis ao formato de aula remota;

– que se transfiram todas as demais disciplinas, sobretudo as práticas, para os semestres seguintes, assumindo corajosamente o ônus que tal decisão acarreta. E que se faça a conversão do semestre para formatos compactados como os dos cursos de verão. [2]

[1] Imagem de Gerd Altmann por Pixabay.

[2] Paulo José Cunha é escritor, jornalista e professor da Faculdade de Comunicação (FAC) há 19 anos, onde ministra as disciplinas de Telejornalismo e de Oficina de Texto. Já foi repórter da Rede Globo, do Jornal do Brasil, de O Globo e também trabalhou na Rádio Nacional. Hoje é apresentador da TV Câmara. Publicou os livros Vermelho – um pessoal Garantido e Caprichoso – a Terra é Azul sobre a festa de Parintins; cinco edições de A Grande Enciclopédia Internacional de Piauiês; A Noite das Reformas, sobre a extinção do AI 5; Perfume de Resedá e O Salto sem Trapézio, de poesia.

Como citar este artigo: UnB. Que tal uma overdose de humanidades na pandemia? Texto de Paulo José Cunha. Saense. https://saense.com.br/2020/07/que-tal-uma-overdose-de-humanidades-na-pandemia/. Publicado em 21 de julho (2020).

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