Marcus Eugênio Oliveira Lima
13/09/2020

Um estudo da UP Vacinas, entidade ligada à USP-Ribeirão Preto, analisou 155 publicações feitas no Facebook entre maio e julho de 2020, o foco da pesquisa era o conteúdo dos posts de grupos antivacina. Os autores observaram que os temas mais abordados referiam crenças infundadas ou teorias conspiratórias, tais como: a possibilidade de as vacinas causarem abortos ou trazerem a marca do diabo – o número 666 – (27% das postagens), de as vacinas serem perigosas e ineficazes (24%), de que alteram o DNA das pessoas (15%), ou ligam-se a interesses escusos de Bill Gates (14%), são feitas a partir de fetos abortados (8%), ou trazem um chip para controlar as pessoas (5%). Outro estudo apontou que teorias tais como essas, propagadas nas redes sociais, seriam responsáveis pela intenção manifestada por 25% dos brasileiros de não se vacinarem contra a Covid-19 [1].
As teorias conspiratórias sobre o fenômeno “Covid-19” podem ser agrupadas em três grupos: 1) o vírus foi inventado por um grupo externo poderoso (geralmente os chineses) para promover uma agenda malévola, reduzindo a população e forçando a vacinação em massa; 2) a pandemia está sendo exagerada para dar aos governos pretextos para controlar a população e 3) pelo contrário, a pandemia está sendo minimizada pelos governos e técnicos da saúde, pela subnotificação, para evitar o pânico ou para sustentar a economia [2].
A criação e proliferação de teorias conspiratórias, estimulada pelas redes sociais de comunicação, se tornou um importante fenômeno na difusão de subculturas que afetam os comportamentos das pessoas e a vida em sociedade [3]. Neste texto, procuramos entender, a partir de referenciais da psicologia social, o que são teorias conspiratórias (TC), como e para que se formam, quem e por que acredita nelas.
Há muitas definições para “teorias conspiratórias”. Elas podem ser entendidas como um plano secreto por parte de um grupo para influenciar eventos ou como alegações de que acontecimentos importantes foram causados por conspirações desconhecidas [4]. Como um subconjunto de falsas crenças sobre uma força malévola envolvida na orquestração de grandes eventos ou fornecendo informações incorretas para alcançar um objetivo sinistro [5]. Podem ser ainda tentativas de explicar as causas últimas de tramas secretas de grupos poderosos mal intencionados [6]. É importante destacar que nem sempre as teorias da conspiração são falsas, algumas podem se mostrar verdadeiras, a exemplo das teorias sobre o envolvimento do presidente Richard Nixon em um assalto na sede do Comitê Nacional Democrata dos EUA, que foi comprovada mais tarde. No entanto, toda teoria conspiratória, mesmo quando errada, é resistente à falsificação pela lógica e, geralmente, se defende contra evidências desconfirmatórias adicionando “novas camadas de conspiração” às suas crenças [3].
A primeira pesquisa sobre TC ocorreu em 1992, nos Estados Unidos. O autor, utilizando dez exemplos de teorias conspiratórias (e.g., “O vírus da AIDS foi criado em um laboratório do governo.”, “Os japoneses estão deliberadamente conspirando para destruir a economia americana.”), verificou que: i) quem acreditava em uma teoria conspiratória tendia a acreditar nas outras, ii) membros de minorias sociais eram mais susceptíveis a adotarem teorias conspiratórias, iii) os mais desconfiados, aqueles que menos confiavam nos parentes, vizinhos e nas instituições sociais, foram os mais adeptos de tais crenças. Esse estudo demonstrou ainda que o sentimento de anomia foi o mais poderoso fator explicativo da adoção dessas teorias. Ou seja, quanto mais as pessoas acreditavam que: “a situação do cidadão comum estava piorando”, “que não valia a pena trazer uma criança ao mundo de hoje” e “que a maioria dos políticos não estava interessada no cidadão comum”, mais professaram adesão em teorias conspiratórias [7].
Desde então, muitas pesquisas foram feitas para entender os fatores explicativos da adesão a crenças dessa natureza e o perfil dos que nelas acreditam. De forma geral, argumenta-se que as pessoas aderem a tais tipos de teorias porque, em contextos de insegurança e descontentamento, sentem necessidade de um inimigo tangível para externalizarem suas raivas, medos e frustrações. As teorias da conspiração permitiriam essa projeção, ajudando ainda a explicar, de forma simples, eventos complexos e incompreensíveis ao cidadão comum [7]. Em linhas gerais, pode-se destacar três tipos principais de teses sobre porque se acredita em teorias conspiratórias: as psicológicas, as cognitivas e as sócio-políticas.
As explicações psicológicas ou em termos de diferenças individuais procuram entender se fatores como narcisismo, maquiavelismo, psicopatia e pensamento mágico se associam com essas crenças. Estudos encontram que existe uma relação positiva entre os traços do narcisismo (i.e., o desejo de ser o centro das atenções) e do maquiavelismo (i.e., o desejo de explorar e manipular outras pessoas) com a adesão a teorias da conspiração. Todavia, foi a tendência ao pensamento mágico, uma característica da esquizofrenia, avaliada por questões tipo “Você já teve alguma experiência com o sobrenatural?”, que mais se relacionou com a adesão às TC [5].
Sabemos, no entanto, que a percentagem de pessoas da nossa sociedade que aderem às teorias conspiratórias é bem maior que a de pessoas que tiveram alguma experiência com o sobrenatural, ou das com transtornos de personalidade. No caso específico da vacina contra a Covid-19, contado no início do texto, vimos que 25% dos brasileiros aderiram, em algum grau, a alguma TC sobre vacinas. Portanto, outros fatores precisam ser invocados para explicar o fenômeno.
Uma segunda linha de explicações propõe que são fatores cognitivos os responsáveis pelo sucesso dessas crenças. Estudos mostram que a projeção psicológica, a indução de incertezas e as crenças religiosas se associam a uma maior adesão às TC. Contudo, seria um fator mental humano específico, a tendência a atribuir agência e intencionalidade às coisas, mesmo às inanimadas, o principal responsável cognitivo por tais crenças. Os participantes dos estudos assistiram a um vídeo no qual formas geométricas se moviam de modo aleatório, depois responderam a perguntas sobre as formas e o seu “comportamento” (e.g., “Você achou que o comportamento das formas era intencional?”; “Você achou que o comportamento das formas foi o resultado de decisões conscientes?”). Os autores comprovam que o antropomorfismo, ou seja, a tendência a atribuir agência e intencionalidade (no caso do estudo, às formas geométricas), foi o fator explicativo mais poderoso da adesão às teorias conspiratórias. Os autores argumentam que quando as informações são limitadas, as pessoas provavelmente atribuem intencionalidade e agência para tentar dar sentido ao que aconteceu; a tendência cognitiva (hipersensibilidade à agência) teria origens adaptativas, aumentando as chances de reação rápida e sobrevivência da espécie [6].
O nível de escolarização (instrução formal) é outro fator importante para entender a adesão às TC. Vários estudos verificam que, quanto mais baixa a escolaridade, maior adesão às teorias conspiratórias [2, 5, 6]. Tal efeito ocorre porque a escolaridade, geralmente, ajuda a desenvolver a complexidade cognitiva das pessoas, ou seja, a capacidade de pensamento analítico e crítico, o que permite um melhor filtro nos julgamentos das crenças. Outros estudos demonstram que o efeito da escolaridade sobre as TC depende de outros fenômenos relacionados, tais como a preferência em soluções simples para problemas complexos, o sentimento de impotência social e a classe social subjetiva. De forma que, quanto mais baixa a classe subjetiva, quanto maior a preferência por soluções simples e quanto maior o sentimento de impotência, menor a escolaridade e maior a adesão às teorias conspiratórias [8].
Um terceiro conjunto de fatores que explica a adesão a teorias conspiratórias são os sócio-políticos. Além da anomia, enquanto sentimento de desconexão da vida social e política ter se mostrado importante fator explicativo da adesão às TC, como já referido neste texto, o extremismo e conservadorismo políticos também explicam esse fenômeno. A ciência política nos mostra que as ideologias políticas extremas foram responsáveis por várias das maiores tragédias humanas, tanto o extremismo de esquerda, quanto o de direita. Ainda que o conteúdo ideológico dos dois extremos seja diferente, argumenta-se que ideologias extremas são baseadas em uma mesma “psicologia”: a tendência a desconfiar, muitas vezes de forma paranoica, que indivíduos e grupos que pensam diferente estão tramando contra o “regime”, ou seja, a tendência de construir teorias da conspiração [9].
Vários estudos encontram relações positivas das TC com as posições tanto de extrema esquerda quanto de extrema direita [4, 6, 7, 9]. Importante referir que tudo dependerá do tema da teoria conspiratória. Por exemplo, pessoas de esquerda acreditam mais em teorias sobre os Estados Unidos serem os autores dos ataques de 11 de setembro; ao passo que os de direita acreditam mais nas teorias conspiratórias sobre as vacinas. As pesquisas confirmam que, embora ideologias específicas conduzam a TC específicas, os dois extremos no espectro político compartilham uma mesma tendência para construir e acreditar em teorias conspiratórias [9]. No caso do Brasil, bastaria lembrarmos do caso Adélio Bispo, os de extrema esquerda e os de extrema direita provavelmente possuem teorias bastante diversas sobre o episódio envolvendo Jair Bolsonaro.
Antes de finalizarmos nossa análise psicossocial das teorias conspiratórias, é importante destacar duas características fundamentais dessas crenças. A primeira delas é a de quem acredita numa teoria conspiratória tende a acreditar em muitas outras, mostrando que a crença em conspirações é uma dimensão ideológica generalizada [2, 7]. A outra, menos intuitiva, é a de que quem acredita numa teoria conspiratória pode acreditar, simultaneamente, numa teoria que postula o oposto da primeira crença. Estudos mostram que, quanto mais as pessoas acreditam que a princesa Diana simulou a própria morte, mais elas acreditam que ela foi morta por um complô do governo britânico para evitar que se cassasse com um árabe. Da mesma forma, quanto mais se acredita que Osama Bin Laden ainda está vivo, mais se acredita que ele foi morto no ataque do governo norte-americano [3]. Como entender isso?
A explicação vem dos estudos originais de Fritz Heider (1958) sobre equilíbrio psicológico. De acordo com Heider, as nossas percepções de um fenômeno ou ator social são afetadas por nosso relacionamento com atores ligados a esses objetos da percepção. Assim, como muitas pessoas não acreditam no governo, na ciência, e em outras instituições sociais, e, mais do que isso, como se sentem anômicos e mesmo alheios aos projetos sociais, de conhecimento e políticos dessas instituições, elas tendem a perceber essas instituições como enganadoras, mal intencionadas e até malévolas, fazendo com que suas explicações para os acontecimentos sejam rechaçadas em benefício de explicações alternativas e, muitas vezes, esotéricas. Seria algo como: “Se o governo/a ciência/a mídia, etc. disse que “A” foi causado por “B”, então eu acredito que “Y” causou “A”. É por causa disso que as teorias da conspiração têm mais adeptos dentre os mais descontentes e desconectados em relação às instituições sociais e políticas [3]. Assim, o “conspiracionismo” não deriva de problemas de saúde mental ou de pensamento ilógico, ainda que se relacione a eles, mas é, principalmente, resultado de um sentimento de alienação, desconfiança e desconexão sociais [2].
Vimos que as teorias conspiratórias não são meras crenças sem consequência. Elas podem, no caso das campanhas antivacinas, pôr a vida humana em risco. Por isso, é importante entendê-las para combatê-las. A psicologia social sugere alguns elementos importantes a serem considerados para tal. O principal deles é não tratar com desprezo ou preconceito os adeptos das TC, considerando-os como neandertais, pouco inteligentes e sem escolarização. Eles, geralmente, acreditam porque desacreditam das instituições sociais, sendo sua posição mais motivada por afetos do que por cognições e razão. Além de procurar re-vincular esses indivíduos com as instituições do país, é preciso também, considerando que existe uma relação entre acesso à escolarização e adesão às TC, ampliar o acesso à formas de educação, saúde e ciência que colaborem para o desenvolvimento do pensamento analítico crítico, inclusive discutindo essas teorias nos contextos educacionais, para entender suas funções, e fazer julgamentos mais elaborados que automáticos sobre elas [6]. Pesquisas mostram que reduzir sentimentos de incerteza e aumentar a percepção controle social ajuda a combater a crença em teorias da conspiração, pois diminui a vulnerabilidade dos seus adeptos [2]. Esperamos que discussões científicas sobre as teorias conspiratórias colaborem para evitarmos que voltem a morrer crianças de sarampo e para que possamos, efetivamente, combater a atual pandemia (e outras que virão), com vacinas e com boa informação.
[1] https://www.facebook.com/pg/upvacina/posts/?ref=page_internal.
[2] Hornsey, M. J. (2020). Conspiracy Theories. In Jetten, J., Reicher, S., Haslam, A., & Cruwys, T. (2020). Together-apart: The psychology of COVID-19 (p. 52-58). Londres: SAGE.
[3] Wood, M. J., Douglas, K. M., & Sutton, R. M. (2012). Dead and Alive: Beliefs in Contradictory Conspiracy Theories. Social Psychological and Personality Science, 3(6) 767-773. doi: 10.1177/1948550611434786.
[4] Goertzel, T. (2010). Conspiracy theories in Science. EMBO reports, 11(7), 493-499.
[5] March, E. & Springer, J. (2019) Belief in conspiracy theories: The predictive role of schizotypy, Machiavellianism, and primary psychopathy. PLoS ONE 14(12): e0225964. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0225964.
[6] Douglas, K. M., Sutton, R. M., Callan, M. J, Dawtry, R. J., & Harvey, A. J. (2016). Someone is pulling the strings: hypersensitive agency detection and belief in conspiracy theories. Thinking & Reasoning, 22(1), 57-77. doi:10.1080/13546783.2015.1051586.
[7] Goertzel, T. (1994). Belief in conspiracy theories. Political Psychology, 15, 731-742.
[8] Van Prooijen, J.-W. (2017). Why Education Predicts Decreased Belief in Conspiracy Theories. Applied Cognitive Psychology, 31, 50–58. doi: 10.1002/acp.3301.
[9] van Prooijen, J.-W., Krouwel, A. P. M., & Pollet, T. V. (2015). Political Extremism Predicts Belief in Conspiracy Theories. Social Psychological and Personality Science, 6(5) 570-578.
Como citar este artigo: Marcus Eugênio Oliveira Lima. As Teorias Conspiratórias e a disposição para tomar a vacina contra a Covid-19. Saense. https://saense.com.br/2020/09/as-teorias-conspiratorias-e-a-disposicao-para-tomar-a-vacina-contra-a-covid-19/. Publicado em 13 de setembro (2020).
Muito interessante! Assunto que vejo ser pouco explorado e tão necessário!