Jornal da USP
28/09/2020
Uma levedura proveniente da Península Antártica chamada Leucosporidium muscorum vem sendo estudada como alternativa para a produção da enzima L-asparaginase, utilizada na indústria de alimentos e que, desde a década de 1970, faz parte do tratamento de alguns tipos de cânceres de células linfoides. Segundo a pesquisadora Rominne Karla Barros Freire, a enzima tem mostrado ser importante no aumento da sobrevida (mais que 80%) de crianças e jovens diagnosticados com Leucemia Linfoblástica Aguda (LLA), um tipo de câncer muito comum entre crianças.
Buscar uma levedura que produzisse a L-asparaginase para tratamento da LLA foi o foco principal dos estudos de Rominne, que defendeu na Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP a tese de doutorado Produção de L-asparaginase pela levedura Leucosporidium muscorum CRM 1648 isolada de sedimento marinho coletado na Península Antártica.
De acordo com a pesquisadora, existem três tipos de L-asparaginases, todas de origem bacteriana: a Escherichia coli, a Erwinia chrisanthemi e uma Escherichia coli peguilhada. “Embora sejam eficientes, causam muitos efeitos colaterais, com reações de hipersensibilidade que podem resultar na interrupção do tratamento”, observa Rominne. Por isso, segundo ela, “as pesquisas relacionadas à asparaginase têm investido na busca de novas fontes dessa enzima.”
Outra característica das L-asparaginase de origem bacteriana é que elas possuem atividade glutaminásica. “Ou seja, além de metabolizar o aminoácido asparagina, também pode metabolizar a glutamina”, descreve a pesquisadora. A glutamina ou L-glutamina é o aminoácido mais abundante no corpo humano. É uma das moléculas que formam a proteína necessária para nutrir e reparar tecidos diversos, como a pele, unhas e músculos, entre outros. A atividade glutaminásica tem sido associada, segundo a pesquisadora, a efeitos neurotóxicos. “Por isso busquei uma L-asparaginase sem essa atividade”, justifica.
Do continente gelado
O Brasil não produz a L-asparaginase e depende de sua importação. De acordo com a pesquisadora, em 2013 a empresa que importava a enzima deixou de fornecê-la e os estoques dos medicamentos estavam para acabar. “Seria um risco para as chances de cura de milhares de crianças e jovens em tratamento para a leucemia linfoblástica aguda”, observa.
Por conta disso, o governo começou a incentivar pesquisas para a produção de uma asparaginase nacional. “Foi aí que optamos por analisar e avaliar leveduras provenientes da Península Antártica”, conta Rominne. As amostras de Leucosporidium muscorum estão depositadas na Central de Recursos Microbianos da Universidade Estadual Paulista (Unesp), de Rio Claro. Ela parece ser típica de regiões polares e frias. “Ela só foi reportada nas Ilhas Sul da Nova Zelândia, no arquipélago Savlbard, próximo ao Alaska, e no meu trabalho, nas Ilhas Rei George, na Antártida”, conta.
Mas Rominne não teve de ir ao continente gelado em sua busca pelas enzimas, que são encontradas nos sedimentos marinhos daquela região. Ela conta que a tarefa de coleta dos sedimentos é parte de um outro trabalho realizado pela equipe da professora Lara Durães Sette, da Unesp de Rio Claro, como parte do Programa Antártico Brasileiro (Proantar/CNPq), do governo federal. “Eu não tive acesso ao material de coleta. Recebi as culturas de leveduras já isoladas e avaliei mais de 130 amostras”, contabiliza a pesquisadora. Ela diz que nove amostras foram detectadas como possíveis produtoras de L-Asparaginase, sendo a maioria da espécie Leucosporidium muscorum.
Levedura da Antártida melhora produção de enzima usada no tratamento da leucemia
Publicação internacional
Parte do trabalho de Rominne acaba de ser veiculada no Preparative Biochemistry & Biotechnology no artigo intitulado Glutaminase-free L-asparaginase production by Leucosporidium muscorum isolated from Antarctic marine-sediment.
Além das análises e experimentos realizados até o momento, a pesquisadora informa que uma startup vem produzindo a asparaginase de Escherichia coli, a mesma já utilizada como medicamento, porém geneticamente melhorada em relação às que estão no mercado, prometendo maior estabilidade e menos efeitos colaterais. “Ela está em fase inicial de produção”, conta Rominne. A produção será da empresa BioBreyer que foi idealizada por Carlos Breyer, que realizou seu pós-doutorado em Biotecnologia na FCF da USP.
Mais informações: e-mail rkbfreire@gmail.com, Rominne Karla Barros Freire. [1]
[1] Texto de Antonio Carlos Quinto.
Como citar esta notícia: Jornal da USP. Levedura da Península Antártica é alternativa para viabilizar tratamentos de câncer infantil. Texto de Antonio Carlos Quinto. Saense. https://saense.com.br/2020/09/levedura-da-peninsula-antartica-e-alternativa-para-viabilizar-tratamentos-de-cancer-infantil/. Publicado em 28 de setembro (2020).