UnB
02/10/2020

Pesquisa constatou que os benefícios da capacitação profissional se refletem também na vida pessoal de todos os estudantes entrevistados (Foto: Luis Gustavo Prado/Secom UnB)

Os impactos da formação profissional na vida de pessoas com deficiência foram registrados em um estudo realizado em 2018 por três pesquisadores da área educacional e publicados na atual edição da Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação (Qualis A2).

O artigo científico intitulado Pessoas com Deficiência (PcD) egressas de uma formação profissional: trabalho e educação aponta que tal capacitação alcança muito além da empregabilidade. O trabalho é assinado pelo trio de pesquisadores Pedro Demo, professor titular aposentado do Departamento de Sociologia e emérito da Universidade de Brasília – hoje professor voluntário do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos e Cidadania (PPGDH/Ceam/UnB) –, Renan Antônio da Silva, pesquisador colaborador júnior junto ao PPGDH e pós-doutorando supervisionado por Demo, e Maria Cecília de Souza Minayo, professora emérita da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). 

Por meio de pesquisa bibliográfica, documental e de campo, o trio verificou que os cursos profissionalizantes também proporcionaram a aquisição de novas potencialidades pelos egressos, como autonomia, independência e maior segurança na tomada de decisões. E isso foi relatado por eles mesmos, em diversos trechos transcritos na publicação.

“Hoje sabemos que estes cursos são de suma importância para o impacto social e também formativo de quem está em (ou passou por) cada um deles. Nossa juventude está desanimada por conta de ‘portas fechadas’, de negativas de emprego e tudo o mais. Mas toda formação acadêmica, profissional, tecnológica, seja ela qual for, capacita e leva dignidade para cada um de seus estudantes”, afirma Renan Antônio da Silva.

“Estes alunos, que são vistos por muitos como ‘incapazes’, dão um show quando são contratados e brilham mais e mais com o passar dos anos”, completa.

O estudo acompanhou, entre agosto e dezembro de 2018, 28 egressos de formações oferecidas pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) de São Paulo. Desses, 57% eram do sexo masculino e 46% eram jovens com idade entre 18 e 24 anos. Entre as deficiências observadas no grupo, 82% referiam-se às sensório-motoras: física, auditiva e visual.

Segundo Demo, Minayo e Silva, a contribuição da formação para além da capacitação profissional pode ser observada pela identificação de benefícios para a vida pessoal por todos os egressos entrevistados. Estes, em seus relatos, evidenciam suas concepções de autonomia, protagonismo, novas atitudes adquiridas a partir da formação recebida e constataram mudanças importantes em suas vidas.

Por exemplo, destacam que o curso possibilitou o convívio com outras pessoas com vários tipos de deficiência no mesmo ambiente de formação; que foram expostos e tiveram a oportunidade de descobrir suas capacidades e potencialidades individuais e como grupo; e, além disso, que os conhecimentos adquiridos e o reconhecimento das indústrias pela formação ofertada pelo Senai abriu portas para o mundo do trabalho e/ou deu oportunidade de efetivação no emprego.

“A educação, que aparece como elemento comum em todas as concepções de empregabilidade, é de fato fonte de substancial importância para a aquisição dos conhecimentos que o indivíduo necessita para se manter ativo no mundo do trabalho”, afirmam os docentes no artigo.

À época, quando da entrevista com os egressos, foi possível identificar que 71% deles estavam de fato empregados em suas áreas de formação profissional; 4% trabalhavam em áreas diferentes da formação, e 25% ainda estavam fora do mercado formal de trabalho após a conclusão do curso profissionalizante.

“Os dados são de 2018. Desta forma, imagino que hoje, em 2020, este número [de desempregados] esteja ainda maior. Nossa avaliação como pesquisadores foi a de que fizemos um bom trabalho, mas estamos mostrando tristes números para pessoas que precisam de espaço, vez e voz”, analisa Silva.

EDUCAÇÃO INCLUSIVA – Os autores do artigo ressaltam que embora existam no Brasil instrumentos legais disponíveis para facilitar o acesso e a permanência das pessoas com deficiência na escola e no trabalho, por si só não são suficientes para eliminar as barreiras impostas a este público.

“Faz-se necessário o aprofundamento e a disseminação de práticas que, de fato, viabilizem as experiências de inclusão na educação e no trabalho para as PcD [pessoas com deficiência]. Por meio desta pesquisa, evidencia-se que instituições de educação que cumprem a lei com rigor e seriedade suscitam ambientes mais inclusivos, onde alunos com as mais variadas características podem conviver e desenvolver suas potencialidades e capacidades”, ensinam.

Para Demo, Minayo e Silva, além da aquisição de conhecimentos e habilidades, o grande diferencial para o grupo pesquisado foi a possibilidade do resgate da autoestima, por meio do reconhecimento de suas potencialidades e capacidades, e da cidadania.

“Isso só é possível mediante a vivência num ambiente inclusivo, que perpassa a sala de aula e se dissemina em todo o ambiente escolar. A formação e capacitação de todas as pessoas envolvidas no processo educacional, a preocupação genuína com a necessidade individual e com o convívio como grupo também é um diferencial que deve ser considerado quando se pensa em educação profissional inclusiva”, destaca o trio de coautores.

ALTERNATIVA – O emérito da UnB Pedro Demo reforça que a educação profissional pode oferecer ao estudante um ambiente diferente, dotado de atividades de aprendizagem com ênfase prática. Mas isso também depende de cada professor, se souber diagnosticar o que é preciso reforçar no ensino.

“Educação profissional pode ser uma saída interessante se for capaz de superar as barreiras instrucionistas da escola, que faz o estudante engolir conteúdos, por vezes sem entender (em matemática é quase regra geral), sem saber para quê”, declara o professor, ao ressaltar que no Sistema S – do qual o Senai faz parte – é possível encontrar cursos profissionalizantes “pertinentes, não teoricistas ou verborrágicos”.

“Se educação profissional for eco linear da precariedade do ensino médio usual, não vai acrescentar nada ou quase nada. Precisa romper barreiras para que o estudante se veja como capaz de reconstruir uma profissão ou carreira, sabendo produzir e usar o conhecimento como alavanca de autorrenovação permanente em sua vida”, avalia Demo.

Ele acredita que o que pode “vivificar” a educação profissional é achar modos de o estudante descobrir sua autoria, autonomia, iniciativa, ousadia. “Muitas vezes, o horizonte profissionalizante acena com este desafio: a vida profissional que vale a pena é aquela na qual aprendemos a nos autorrenovar sempre, para enfrentar futuros incertos”, conclui.

ACESSO – O artigo, de 26 páginas, também traz dados e informações sobre a inclusão de pessoas com deficiência no ambiente escolar e detalha particularidades em relação aos egressos com deficiência auditiva com oralidade, deficiência múltipla e intelectual. Para acessá-lo na íntegra, clique aqui. [1]

[1] Texto de Marcela D’Alessandro.

Como citar esta notícia: UnB. Pessoas com deficiência apontam educação profissional como meio de inserção social. Texto de Marcela D’Alessandro. Saense. https://saense.com.br/2020/10/pessoas-com-deficiencia-apontam-educacao-profissional-como-meio-de-insercao-social/. Publicado em 02 de outubro (2020).

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