Matheus Macedo-Lima
28/11/2020

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O chavão “correlação não implica causalidade” talvez já esteja um pouco batido, mas não custa lembrar que mesmo que duas medidas mudem juntas (correlação), a mudança de uma não necessariamente causa a mudança da outra. Por exemplo, há uma famosa e engraçada correlação entre o consumo de margarina e o número de divórcios no estado do Maine, EUA [2], mas acho que ninguém ainda conseguiu provar que o consumo de margarina causa infelicidades matrimoniais…

Um fato talvez menos publicizado seja que muitas disciplinas científicas (especialmente as biológicas) têm dificuldade em estabelecer relações conclusivas de causalidade, e dependem muito ainda de correlações. A neurociência é uma delas. Por exemplo, estabelecer que o aumento ou redução de atividade de um grupo de neurônios causa um determinado comportamento é extremamente difícil. Tanto que comumente nos satisfazemos em mostrar que o comportamento e a atividade dos neurônios estão correlacionados.

Uma das subáreas mais pop da neurociência moderna é a neuroeconomia. Afinal, o estudo de como humanos fazem decisões é um dos assuntos com maior impacto na sociedade. Há uma área do cérebro bem famosa nessa disciplina chamada córtex orbitofrontal (COF) – um pedacinho na parte anterior do cérebro, próximo aos olhos. Há muitos indícios de que os neurônios no COF estejam por envolvidos no processo de tomada de decisão, ou seja, quando animais comparam opções e escolhem a mais economicamente valiosa. Essa afirmação é baseada em dados majoritariamente correlativos. Em outras palavras, quando um animal “reflete” sobre opções e decide por uma, neurônios nessa área são fortemente engajados.

Um estudo famoso descobriu que neurônios no COF são ativados quando macacos Rhesus têm de escolher entre dois sucos [3]. Geralmente os macacos escolherão seu suco preferido (uva) ao invés de chá de menta. Porém, se a escolha for entre uma gota de suco e 4 ou mais gotas de chá, os macacos começam a preferir chá. A atividade dos neurônios do COF segue precisamente essa tomada de decisão, aumentando quando os macacos estão prestes a escolher. Em resumo, a atividade dos neurônios no COF está correlacionada com a tomada de decisão.

Somente 14 anos depois, esses pesquisadores conseguiram estabelecer a “sagrada” relação de causalidade.

Em um novo estudo [4], o mesmo grupo de cientistas usaram a mesma tarefa comportamental em macacos, mas dessa vez implantaram fios de estimulação elétrica nos seus COF. Então, durante a tomada de decisão, os cientistas bagunçaram a atividade do COF com correntes elétricas. Aos macacos foram dadas duas opções (suco ou chá) uma após a outra, e depois tiveram que escolher. Quando o suco preferido (em boa quantidade) era apresentado ao macaco, os cientistas aplicavam correntes elétricas altas atrapalhando a computação dos neurônios no COF. Isso fez com que os animais escolhessem a opção menos valiosa (o chá).

Esse estudo mostra que o COF é diretamente responsável pela comparação entre opções de valores diferentes, comprovando a antiga hipótese que era baseada em correlações. Esse estudo fornece muitas ideias a respeito de como o COF em humanos pode estar envolvido no nosso dia a dia. Em um cenário mais cinematográfico, pode-se imaginar que manipular a atividade de neurônios no COF de humanos possa ser um modo de controlar escolhas pessoais, para o bem ou para o mal…

[1] Imagem de mohamed Hassan por Pixabay.

[2] T. Vigen, “Spurious correlations.” [Online]. Available: https://tylervigen.com/spurious-correlations.

[3] C. Padoa-Schioppa and J. A. Assad, “Neurons in the orbitofrontal cortex encode economic value,” Nature, vol. 441, no. 7090, pp. 223–226, 2006.

S. Ballesta, W. Shi, K. E. Conen, and C. Padoa-Schioppa, “Values encoded in orbitofrontal cortex are causally related to economic choices,” Nature, no. February, 2020.

Como citar este artigo: Matheus Macedo-Lima. A área do cérebro por trás de nossas escolhas. Saense. https://saense.com.br/2020/11/a-area-do-cerebro-por-tras-de-nossas-escolhas/. Publicado em 28 de novembro (2020).

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