UnB
07/01/2021

Dado o potencial anti-inflamatório da proteína, a pesquisa aponta benefícios, especialmente, em casos agravados de covid-19 (Imagem: Freepik)

A alfa-1-antitripsina (A1AT), uma proteína já bem conhecida pela comunidade científica e por profissionais da saúde, pode ser peça-chave na prevenção e no tratamento contra a covid-19. É o que apontam pesquisadores do Laboratório de Neurovirologia Molecular da Faculdade de Ciências da Saúde (FS) em estudo publicado na revista Reviews in Medical Virology

Estudada há cerca de três décadas, a A1AT é uma proteína produzida por vários tipos celulares, entre eles os alvéolos pulmonares. Ela possui um importante papel anti-inflamatório e na manutenção da fisiologia pulmonar, protegendo o órgão contra a ação degenerativa de enzimas que atingem altas concentrações durante processos inflamatórios. 

Sua ação anti-inflamatória e protetiva despertou interesse dos pesquisadores da UnB em investigar seu potencial contra o Sars-Cov-2 (vírus da covid-19). Isso porque uma das principais complicações em casos agravados de covid-19 é a síndrome respiratória aguda grave, que está relacionada a um processo inflamatório conhecido como tempestades de citocinas. 

“Nosso grupo já havia trabalhado com a alfa-1-antitripsina em pesquisas relacionadas ao HIV. À época, constatamos a relação entre determinadas variantes da A1AT e a gravidade do desfecho clínico em pacientes HIV positivos. Por outro lado, A1AT tinha se mostrado como um fator protetivo contra infecções virais (inibindo a entrada de vírus) e sua atuação anti-inflamatória”, remonta o doutor em virologia molecular e docente do Departamento de Farmácia da UnB Enrique Argañaraz.

“Quando surgiu a covid-19, nos debruçamos no estudo dos possíveis mecanismos fisiopatológicos. Verificamos que duas das principais proteinases envolvidas tanto na entrada do vírus na célula como em mecanismos patogênicos desencadeados após infecção poderiam ser alvos da A1AT”, explica Argañaraz, em referência à serina proteinase de membrana tipo II (TMPRSS2) e a desintegrina e a metaloproteinase 17 (ADAM17), respectivamente. 

O trabalho também salienta outras importantes propriedades da A1AT, como inibidor das citocinas inflamatórias IL-8, TNF-a, e elastase de neutrófilos, o que reforça seu potencial papel protetor contra a covid-19. 

POTENCIAL – Coautor do estudo, o docente Gustavo Argañaraz destaca que a alfa-1-antitripsina tem o potencial de beneficiar especialmente pacientes cujo quadro clínico tende a um desfecho pior da covid-19.

“Em pacientes com desfecho clínico agravado, tem ocorrido a famosa tempestade de citocinas, que é uma resposta inflamatória exacerbada apontada como uma das causas da síndrome respiratória e da falência múltipla de órgãos. Nesse contexto, a A1AT é um elemento fundamental por estar relacionada à inibição das citocinas inflamatórias”, detalha o pesquisador.

Ele ressalta que “pessoas com alguma comorbidade podem ser mais suscetíveis à tempestade de citocinas” e que “se houver deficiência de A1AT, esse déficit pode facilitar a infectividade do vírus”. 

O estudo sustenta o uso terapêutico da A1AT para o tratamento de comorbidades relacionadas à covid-19, como doenças cardiovasculares, diabetes, doenças pulmonares crônicas, entre outras que também envolvem processos inflamatórios associados à superativação da ADAM17.

Esquema ilustra a proteína alfa-1-antitripsina (em vermelho) e sua atuação em inibir a serina protease TMPRSS2 (em marrom) – responsável pela entrada do vírus Sars-Cov-2 – e as proteases ADAM17 (em verde) e a TNFα (em marrom) – que resultam em complicações inflamatórias (Imagem: Laboratório de Neurovirologia Molecular da Faculdade de Ciências da Saúde)

METODOLOGIA – O estudo foi elaborado a partir de revisão científica que engloba os resultados de pesquisa da UnB sobre a A1AT em trabalhos anteriores e as descobertas sobre o Sars-Cov-2 publicadas pela comunidade científica internacional nos últimos meses.

“Quando iniciamos a pesquisa sobre o potencial preventivo e terapêutico da alfa-1-antitripsina contra o Sars-Cov-2, não encontramos nenhuma publicação que fizesse essa relação. À medida que desenvolvemos o trabalho, foram surgindo pesquisas. Os dados reforçam as conclusões que encontramos”, relata a graduanda em Farmácia e coautora da pesquisa, Mariana Braccialli de Loyola.

Entre os dados mencionados pela estudante, está o “estudo realizado por um grupo italiano, o qual demonstrou uma maior incidência de variantes deficientes da A1AT na região da Lombardia, população mais afetada em comparação com a população da região sul”.

A estudante cita que outros estudos reforçam o potencial da alfa-1-antitripsina. “O desfecho clínico da covid-19 foi melhor em pacientes cuja concentração de A1AT em relação à IL6 [uma citocina inflamatória] aumentava ao longo do quadro. Já nos casos em que a concentração de IL6 prevalecia, o desfecho clínico foi pior, inclusive com maior índice de mortalidade”, menciona Mariana de Loyola sobre publicação no periódico científico American Journal of Respiratory and Critical Care Medicine.

POTENCIAL TERAPÊUTICO – Com a pandemia de covid-19, boa parte dos investimentos em pesquisa são direcionados para o desenvolvimento de novos medicamentos contra o vírus. Os pesquisadores reforçam, entretanto, a importância de se investigar o potencial de medicamentos já existentes, como a A1AT.

“Essa é uma proteína que está no mercado há décadas, sua ação é bem conhecida. Praticamente não há efeito colateral, exceto para aqueles que apresentam algum tipo de reação alérgica à proteína – um percentual muito baixo. Existe lobby em torno do desenvolvimento de novos medicamentos, mas estes provavelmente terão maior custo e não terão passado por testes clínicos de longo prazo”, avalia Argañaraz.

Ele menciona que outro benefício da A1AT é que “as concentrações necessárias para inibir a entrada do vírus, ou as consequências fisiopatológicas, são facilmente atingidas com medicações já existentes no mercado”. 

Para adotar a alfa-1-antitripsina como alternativa terapêutica, entretanto, é preciso investir em testes clínicos que comprovem sua eficácia contra a covid-19. “Por questões de infraestrutura, não realizamos um trabalho experimental. Estamos em busca de investimento para seguir com a pesquisa”, informa Enrique Argañaraz.

A estudante Mariana de Loyola acrescenta que “o Brasil ainda não realizou nenhum estudo para avaliar os níveis de alfa-1-antitripsina em pacientes com Sars-Cov-2 e correlacionar essas taxas de infecção e com o desfecho clínico dos casos. Esse é um passo importante”, frisa. 

Para Argañaraz, avaliar opções terapêuticas deve ser uma estratégia prioritária diante da pandemia. “O vírus vai sofrendo mutações drásticas em seu processo evolutivo. É o que foi verificado recentemente na Inglaterra. Isso coloca uma interrogação sobre qual será a eficácia da vacina a longo prazo. Estudar outras alternativas terapêuticas é uma prioridade”, opina o docente.

O estudo do Laboratório Neurovirologia Molecular da UnB abre várias vertentes de pesquisa. “Em relação ao HIV, apenas uma pequena porção da proteína de A1AT, contendo 20 aminoácidos do extremo carboxi-terminal, exerce a função antiviral. Queremos explorar e ver se esse peptídeo exerceria a mesma função anti Sars-Cov-2. Se funcionar, tornaria fácil e barata a produção de um medicamento sem efeitos colaterais. Seria uma terapia com muitos benefícios no início do processo infecioso”, conclui Enrique Argañaraz. [1]

[1] Texto de Vanessa Vieira.

Como citar este texto: UnB. Proteína alfa-1-antitripsina tem potencial preventivo e terapêutico contra covid-19, apontam pesquisadores da UnB. Texto de Vanessa Vieira. Saense. https://saense.com.br/2021/01/proteina-alfa-1-antitripsina-tem-potencial-preventivo-e-terapeutico-contra-covid-19-apontam-pesquisadores-da-unb/. Publicado em 07 de janeiro (2021).

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