Fiocruz
12/02/2021

(Imagem de Michal Jarmoluk por Pixabay)

Apesar de não haver qualquer confirmação de eficácia pela Organização Mundial da Saúde, instituições científicas e órgãos regulatórios, alguns médicos adotaram o chamado “tratamento precoce contra a covid-19” no decorrer da pandemia. A “recomendação” consiste no uso de um “kit de medicamentos”, que seria responsável pela “proteção dos pacientes” contra a Covid-19. Um dos medicamentos indicados é o antibiótico azitromicina, usado no tratamento de infeções bacterianas.

O que se sabe, porém, é que o uso indiscriminado desse tipo de medicamento pode trazer sérias consequências ao paciente. Especialista na área de Genética, com ênfase em Biologia Molecular e experiência na taxonomia molecular de micobactérias, o pesquisador Jesus Pais Ramos, do Centro de Referência Professor Hélio Fraga da ENSP, alerta para os riscos e os possíveis efeitos dessa combinação, como por exemplo o  surgimento de bactérias multirresistentes. Confira os detalhes na entrevista concedida ao Informe ENSP.

Informe ENSP: O antibiótico azitromicina pode ser utilizado de modo profilático para evitar que o paciente seja infectado pelo Sars-Cov-2?

Jesus Pais Ramos: Não existe, até o momento, tratamento profilático para Covid-19. A OMS não recomenda que medicamentos como a cloroquina, hidroxicloroquina com ou sem azitromicina e antirretrovirais como o Remdesivir sejam administrados como tratamento ou profilaxia para Covid-19, a não ser em estudos promovidos em ensaios clínicos. Até o momento, nenhum estudo clínico mostrou benefício, além disso, alguns destes medicamentos podem causar efeitos colaterais.

A azitromicina é um antibiótico e, portanto, não tem atuação alguma contra vírus. Os antibióticos são indicados apenas no tratamento de infecções causadas por bactérias, então o antibiótico só deve ser prescrito em pacientes com Covid-19, caso haja comprovação de infecções secundárias.

Um estudo de revisão publicado na revista Clinical Infectious Diseases em 2020, que analisou artigos de pacientes hospitalizados com Covid-19, relata que apesar de 72% dos pacientes terem recebido tratamento com antimicrobianos, apenas 8% demonstraram haver co-infecções fúngicas ou bacterianas.

Informe ENSP: Quais são os riscos do uso indiscriminado desse tipo medicamento? Há possibilidade do surgimento de bactérias multirresistentes a partir do uso inadequado?

Jesus Pais Ramos: Quando se usa indiscriminadamente um antibiótico, cepas sensíveis da bactéria morrem e são selecionadas as resistentes, que se multiplicam. A partir desse fenômeno, os antibióticos deixam de ser eficazes e infecções que anteriormente possuíam tratamento simples, se tornam mais longos e complexos e com maior taxa de mortalidade.

Informe ENSP: Quais são os principais efeitos/problemas da resistência antibiótica?

Jesus Pais Ramos: A OMS considera a resistência à antimicrobianos uma grande ameaça para a saúde no mundo e monitora à resistência ao uso de medicamentos antimicrobianos, não só em seres humanos, mas também em alimentos e no meio Ambiente. O desenvolvimento de novos medicamentos não tem acompanhado a velocidade com que os microrganismos conseguem se modificar e disseminar formas resistentes a eles.

Como dito anteriormente, o principal resultante desse problema é o aumento da morbidade e mortalidade das doenças. Por exemplo, a azitromicina é utilizada para o tratamento de pneumonia bacteriana, o uso indiscriminado pode levar a resistência de bactérias como o pneumococos, eliminando a possibilidade de tratamento com antibióticos de largo espectro. Este tratamento precoce com azitromicina pode ter como efeito o surgimento de bactérias super resistentes.

Informe ENSP: Qual é a sua recomendação para os pacientes?

Jesus Pais Ramos: Em qualquer caso, os pacientes devem utilizar somente medicamentos que tenham comprovação científica e prescritos por um médico. Também saliento a adoção de medidas de distanciamento social, uso de máscaras, higienização das mãos e sempre evitar ambientes aglomerados. Mas, minha maior recomendação é o uso de vacina, a adesão da população é extremamente importante, pois é o único caminho para sairmos, no futuro, dessa pandemia. [1]

[1] Fonte: Informe ENSP.

Como citar esta notícia: Fiocruz. Pesquisador alerta para riscos da utilização de medicamentos ineficazes contra a covid-19. Saense. https://saense.com.br/2021/02/pesquisador-alerta-para-riscos-da-utilizacao-de-medicamentos-ineficazes-contra-a-covid-19/. Publicado em 12 de fevereiro (2021).

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