Jornal da USP
15/04/2021
Memes, GIFs, lives, stories, vídeos e outras expressões narrativas da internet já são reconhecidas pelos profissionais da educação e estudantes como essenciais na mediação do processo de ensino/ aprendizagem nas escolas. Embora ainda haja desigualdades de acesso às tecnologias no Brasil, a incorporação da linguagem digital se faz cada vez mais necessária em sala de aula, por estar inserida no cotidiano das pessoas. Essas abordagens fazem parte do relatório que resultou de investigação feita em escolas de todo o território nacional pelo grupo de pesquisa Mediações Educomunicativas (Mecom), da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP. O relatório foi lançado em fevereiro de 2021 e pode ser consultado pela internet.
A pesquisa abarcou os anos de 2017 a 2020 e entrevistou alunos e professores de escolas públicas e particulares do ensino fundamental e médio. A proposta do projeto era compreender como o conhecimento acadêmico – de narrativas longas e regras argumentativas – estava dialogando com as novas formas de organizar, produzir e distribuir conhecimento. O coordenador da pesquisa, o professor Adilson Citelli, da ECA, em entrevista ao Jornal da USP, disse que o isolamento social imposto pela pandemia do coronavírus e o consequente afastamento físico das escolas de alunos e professores reforçaram a importância de se repensar a circulação e recepção do conhecimento e certas estratégias de ensino, inclusive com maior presença do ensino remoto.
Segundo o pesquisador, as abordagens veem as tecnologias não apenas como artefatos instrumentais, mas como mediadores críticos da aprendizagem.
“Contexto que exige da cultura tradicional das escolas uma nova forma de relacionamento com as tecnologias, de maneira que seja possível incorporá-las criticamente no andamento didático-pedagógico.”
Ao todo, participaram da pesquisa 509 professores e 3.708 estudantes, sendo 57% do ensino fundamental, 40% do ensino médio e 47 alunos/as da Educação de Jovens e Adultos (EJA). O estudo alcançou 23 das 26 unidades da federação e contou com mais representantes na região Sudeste (36%), seguida pelas Sul (33%), Nordeste (20%), Centro-Oeste (5%) e Norte (1%). Os dados foram coletados por meio de entrevistas, questionários em papel e eletrônicos e visitas às unidades educativas.
Docentes: o uso de conteúdo pedagógico facilitado pelas novas tecnologias
O relatório procurou identificar os hábitos midiáticos de professores e alunos e saber como era o relacionamento deles com os meios de comunicação e as novas tecnologias. O professor Citelli afirma que, no geral, os alunos vivem no Brasil em situações diversas em consequência das desiguais condições de existência, de origens sociais variadas, de experiências culturais múltiplas e circunstâncias econômicas distintas. Porém, o acionamento dos dispositivos tecnológicos nas escolas é um fato a ser considerado nos processos educativos formais.
O depoimento de um dos professores entrevistados pela pesquisa reforça essa tese: “A escola tem o papel de promover a reflexão e a leitura crítica do mundo, como já dizia Paulo Freire. Portanto, o mundo digital é um desdobramento de nossa realidade e precisa ser refletido enquanto tal”.
Os dados mostraram que os professores consideraram haver espaço inclusive para inserir o celular em sala de aula para fins pedagógicos, ou seja, 76% deles entenderam que é possível usar o aparelho, desde que os alunos fossem orientados e acompanhados em suas consultas. Cerca de 60% dos professores disseram que já utilizavam conteúdos veiculados pela internet (músicas, videoclipes, novelas, séries, filmes, propagandas, telejornais, jornais ou revistas) em sala de aula.
Sobre o hábito de navegar pela internet em busca de conteúdos didáticos, eles disseram que usavam smartphones e notebooks e que eram leitores habituais de jornais e eventuais de revistas em formato digital e recorrem a portais de informação, como UOL e G1, ou blogs (67% ), Facebook (33,4%) e WhatsApp (21,8%).
Estudantes: TV aberta e impressos são menos acessados
A maioria dos estudantes entrevistados tinha entre 11 e 17 anos e cursava o 9º (19%) e o 8º (17º) ano do fundamental II, seguidos do 1º ano (15%) do ensino médio. A maior concentração era de escolas públicas (estadual, 50%, municipal, 41%, federal, 2%, e particular, 5%).
O relatório mostrou que os jovens tinham estreita e contínua relação com as mídias digitais. Um fato que chamou a atenção dos pesquisadores foi que, nas primeiras 20 horas de solicitação de pedidos de participação na pesquisa, houve mais dados enviados pelos estudantes (593 questionários) do que aqueles captados entre os professores e professoras (509) ao longo de todo o período de aplicação do estudo.
Quando perguntados sobre quais eram as formas de interação e os canais preferidos para acessar os conteúdos da internet, o YouTube foi indicado por 76% dos estudantes como o meio de comunicação mais utilizado para ver os programas favoritos; o Facebook (65%) e o WhatsApp (69%) apareceram como opções mais escolhidas para a pergunta “você obtém notícias/informações através de”.
O smartphone (86%) foi citado pelos alunos como meio mais utilizado para acessar a internet. Já os veículos de comunicação tradicionais foram desconsiderados pelos jovens. A maioria deles, cerca de 60%, declarou não ter o hábito de ler jornais e revistas impressas e não reconheceu a TV aberta como melhor meio para ver seus programas favoritos.
Estrutura tecnológica nas escolas
A pesquisa identificou que nem todas as unidades escolares possuíam estrutura adequada (quantidade de equipamentos suficientes e/ou em condições de uso, ausência de acesso à internet, programas ultrapassados) para que os professores pudessem desenvolver suas aulas utilizando recursos tecnológicos. Nas escolas analisadas, grande parte dos computadores estava alocada na área administrativa.
O professor Citelli entende que esse trabalho poderá contribuir para repensar a educação formal a partir dos desafios e possibilidades oferecidos pelos processos comunicacionais. O relatório está recebendo ajustes editoriais para ser publicado em formato de livro pela Editus, da Universidade Estadual de Santa Cruz, na Bahia. Parte do material recolhido pela pesquisa vem sendo publicada em artigos acadêmicos e apresentada em congressos.
O conteúdo integral do relatório poderá ser acessado neste link. A pesquisa foi financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Mais informações: e-mail citelli@uol.com.br, com o professor Adilson Citelli. [1]
[1] Texto de Ivanir Ferreira.
Como citar este texto: Jornal da USP. Memes, GIFs, lives, stories: narrativas da internet poderiam ser usadas na educação formal, sugere estudo. Texto de Ivanir Ferreira. Saense. https://saense.com.br/2021/04/memes-gifs-lives-stories-narrativas-da-internet-poderiam-ser-usadas-na-educacao-formal-sugere-estudo/. Publicado em 15 de abril (2021).