Jornal da USP
31/05/2021

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Por Elie Ghanem, professor da Faculdade de Educação da USP

Raramente professores, gestores e estudantes são ouvidos pelo poder público e por organismos internacionais sobre seu conhecimento quanto a práticas efetivas para a promoção de uma educação de qualidade. Ainda mais raros são os casos em que pesquisas realizadas pelas próprias escolas são referências para ações de longo prazo e investimentos externos.

Contrariando esse arraigado, injusto e ineficiente modo de lançar e realizar políticas educacionais, foi formulado o Escolas2030, um programa global de pesquisa-ação que busca criar novos parâmetros para a avaliação da aprendizagem com base na prática da educação integral e transformadora. O programa está voltado a garantir o Objetivo do Desenvolvimento Sustentável 4, da ONU, que busca assegurar a educação inclusiva, equitativa e de qualidade, além de promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todas e todos.

O Escolas2030 tem duração de dez anos (2020 a 2030) e, no Brasil, vem sendo implementado pela Faculdade de Educação da USP e a organização de empreendedores sociais Ashoka, com apoio da Fundação Itaú para Educação e Cultura. A iniciativa envolverá mil organizações educativas (cem em cada país), que atuarão como “laboratórios de inovação”. Participam também Afeganistão, Índia, Paquistão, Portugal, Quênia, Quirguistão, Tajiquistão, Uganda e Tanzânia. Para esses países, uma coalizão de fundações internacionais está custeando o programa, sendo liderada pela Aga Khan Foundation.

As escolas poucas vezes têm agência em reformas educacionais globais ou recebem evidências de pesquisas voltadas à sua própria melhoria. As pesquisas são geralmente caracterizadas por conduzir uma narrativa de déficits, em vez de uma identificação dos aspectos nos quais se avança. Também são raras as iniciativas globais de financiamento da educação nas quais as escolas têm acesso a recursos.

Mais estritamente, não é usual que as escolas gerem conhecimento para informar as pesquisas dedicadas ao aprimoramento escolar e as escolas do Sul Global estão frequentemente ausentes de paradigmas de pesquisa da educação do Norte Global. Por sua vez, a participação das escolas costuma ocorrer em programas de intervenção de curto prazo.

O programa Escolas2030 procura mudar esta situação reconhecendo que as escolas deveriam ser o centro irradiador e não o alvo das transformações sociais. Considera que, para construir uma mudança efetiva na educação pública e em diretrizes internacionais de educação, é necessário um processo democrático, de baixo para cima. Para isso, apoia professores, gestores e estudantes para serem agentes na proposição de estratégias.

A iniciativa visa a ter impacto em escolas e organizações educativas por se constituir como um processo de pesquisa-ação, que combina ação e reflexão por meio da participação de agentes locais como professores, gestores, estudantes, responsáveis e a comunidade escolar mais ampla para, juntos, construírem estratégias locais direcionadas à promoção da aprendizagem considerando a integralidade da educação.

Pretende-se também gerar impacto sistêmico, já que os parceiros da pesquisa-ação, especialmente universidades, governos e organizações, terão papel fundamental na mobilização das estratégias locais para formulação e implementação de estratégias nacionais e globais, visando a promover uma transformação efetiva em políticas públicas e em diretrizes internacionais de educação.

O que se quer descobrir é se uma pesquisa-ação baseada na escola com objetivo de promover melhoria da aprendizagem considerando a integralidade da educação, focando nos anos de transição-chave para idades de 5, 10 e 15, levará a soluções de educação localmente formuladas que informam mudanças sistêmicas para melhorar os resultados de aprendizagem integral.

Serão selecionadas 100 organizações educativas (escolares e não escolares) públicas ou comunitárias (não lucrativas), que inovem em gestão, currículo, ambiente, metodologia e intersetorialidade. Várias dessas foram reconhecidas pelo levantamento Inovação e Criatividade na Educação Básica, realizado pelo MEC em 2015.

O Escolas2030 tem como meta re-inspirar ecossistemas globais de educação e desenvolvimento com conhecimentos novos e exequíveis sobre o que funciona para permitir que crianças e jovens alcancem os principais resultados de desenvolvimento e aprendizado. Especificamente pretende-se fortalecer dez ecossistemas nacionais, principalmente instituições do sistema público, identificando novas soluções locais sobre como melhorar a qualidade de vida das famílias. Nessa perspectiva, visa-se a aumentar o nível de colaboração entre universidades do Sul Global e profissionais locais em educação e desenvolvimento.

Em cada país constituiu-se um comitê consultivo, que no caso brasileiro conta com integrantes da organização de jovens Engajamundo, do Instituto de Estudos Avançados da USP, do Instituto Alana, do movimento Profissão Docente, do Unicef, da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação, do Conselho Nacional de Secretários de Educação, do Movimento de Inovação na Educação, da Fundação Carlos Chagas e da Comunidade Educativa Cedac.

Como é necessário, o resultado final é ambicioso, estimando em 500.000 crianças e jovens em áreas de vulnerabilidade dos dez países equipados com conhecimentos, habilidades, atitudes e valores para ajudá-los a interagir efetivamente com o mundo e tornarem-se membros contribuintes de uma sociedade pluralista.

Mais informações em: https://escolas2030.org.br/

[1] Imagem de AkshayaPatra Foundation por Pixabay.

Como citar este artigo: Jornal da USP. Pesquisa internacional em educação contribuirá com o desenvolvimento sustentável.  Texto de Elie Ghanem. Saense. https://saense.com.br/2021/05/pesquisa-internacional-em-educacao-contribuira-com-o-desenvolvimento-sustentavel/. Publicado em 31 de maio (2021).

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