CCS/CAPES
25/06/2021
Gabriel Goetten de Lima é físico, mestre em Engenharia Mecânica pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e doutor em Engenharia de Polímeros pelo Athlone Institute of Technology (AIT) da Irlanda. Atualmente, é bolsista de pós-doutorado da CAPES e teve um artigo, Materials in Medicine, publicado no Journal of Materials Science, um destacado periódico internacional.
Qual a sua área de atuação?
Hoje trabalho com biomateriais. Desde o mestrado, desenvolvo materiais que auxiliam na regeneração ou podem substituir tecidos do corpo humano. Esta é uma área ampla, sendo necessária a colaboração de vários outros pesquisadores para entendermos o mecanismo completo da produção de materiais com estas propriedades. É necessário entender como se adequam ao corpo, se eles têm suficiente resistência para serem implementados, se são tóxicos e por quanto tempo podem ser usados. Atualmente, sou pesquisador pós-doc no Programa de Pós-Graduação em Engenharia e Ciência dos Materiais (Pipe) – UFPR, onde busco alternativas de uso da nanocelulose para a área de biomateriais.
Fale um pouco sobre a pesquisa que levou ao artigo publicado.
A nanocelulose pode ser obtida tanto a partir de vegetais, como bactérias e, menos comum, de animais marinhos. Em nosso grupo de pesquisa – coordenado pelo doutor Washington Magalhães, da Embrapa Floresta – extraímos a nanocelulose da madeira. Primeiro esta madeira é processada pela indústria de papel e celulose, obtendo-se um produto comercial muito produzido em âmbito nacional, chamado polpa de celulose. Esta polpa é a mesma usada para produzir papel, papelão e cartonagens diversas, entre outros produtos, como tintas, celofane e fios para tecelagem, por exemplo. Também podemos obter nanocelulose a partir de resíduos de produtos da agroindústria – como casca de árvore, de pinhão ou de pupunha, palha de trigo, entre outros. Esta nanocelulose encontra-se dentro desses vegetais, como um agrupamento de fibras, e, para obtê-las, é necessário fazer uma extração.
Como é feita essa extração?
O método mais sustentável e simples consiste em desfibrilar mecanicamente a polpa de celulose usando água (mas outros solventes também podem ser empregados). Para esta ação mecânica, pode-se utilizar um moinho especial de pedras que separa os grandes agrupamentos de fibras. Obtém-se, no final, nanofibrilas de celulose, um produto com consistência de gel. A partir deste gel é que preparamos produtos para as mais diversas aplicações. Uma delas lança mão do fato de a nanocelulose ser bioinerte, ou seja, os corpos humano e de animais não a rejeitam. Mas temos que contornar outro problema: a nanocelulose não tem uma forte interação com os tecidos do corpo.
Como tornar o produto viável para utilização em humanos e animais?
Para melhorar esta interação, um dos métodos possíveis é preparar uma mistura com outros materiais biocompatíveis e com comprovada interação com células vivas, que auxiliam na regeneração de tecidos. No entanto, é possível também desenvolver produtos utilizando a nanocelulose com polímeros sintéticos, que auxiliam na liberação de medicamentos pouco solúveis e, portanto, pouco disponíveis aos organismos vivos.
Quais os próximos passos?
Com o auxílio do grupo de pesquisa de vários institutos do Brasil, dentre eles o do professor doutor Marcelo de Sá – um dos coordenadores do Hospital Veterinário da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) –, desenvolvemos produtos para auxiliar problemas clínicos graves observados rotineiramente em pequenos animais. Um dos exemplos seriam biomateriais que auxiliam na regeneração de nervos, feridas e ossos, testados clinicamente neste hospital. Almejamos transformar estas tecnologias, oriundas da pesquisa e desenvolvimento, em produtos comerciais. Felizmente, no Brasil a área de biomateriais é bem produtiva, com ótimos pesquisadores. O enfoque é sempre melhorar a interação destes materiais com o tecido para ter uma regeneração mais rápida. Como pesquisador, acredito que este é o foco principal a ser adotado. Como é uma área multidisciplinar, a interação com os demais pesquisadores é extremamente necessária.
Fale sobre sua trajetória acadêmica.
A CAPES financiou meu doutorado pleno no Athlone Institute of Technology (AIT), na Irlanda, e foi por lá que conheci o professor Marcelo, que fazia seu pós-doutorado neste mesmo instituto. Foi neste trabalho que percebi a importância desta ação conjunta de vários pesquisadores. Desde então, auxiliei o AIT como embaixador em algumas viagens que fiz pelo Brasil para obter uma parceria entre o AIT e universidades brasileiras. Toda essa interação levou-me a obter o título de pesquisador visitante honorário no AIT, onde estudei, e que ainda ajudo, ao intercambiar alunos do Brasil para fazer doutorado-sanduíche ou pleno.
Como seu trabalho pode contribuir para a melhoria da vida das pessoas?
Continuo com o objetivo nesta área de pesquisa tão abrangente utilizando nanocelulose, mas agora focado na engenharia de tecidos. Conforme as aplicações aparecem e novas técnicas surgem, é necessário um enfoque maior na interação dos biomateriais com o tecido humano. Para isso, um profundo conhecimento nesse ramo é necessário, e é um dos motivos por que temos a parceria com o AIT como um importante parceiro nessa área.
Fale sobre sua relação com a CAPES.
Desta forma, a CAPES me ajudou no financiamento tanto do meu doutorado pleno no exterior, como no meu pós-doc. Agradeço imensamente por ter acessado estas oportunidades e gostaria de evidenciar que o financiamento permitiu que trabalhos importantes fossem divulgados a partir das minhas pesquisas. Toda a experiência que obtive com a ajuda da CAPES me ajudou a ser um pesquisador que atua como um agente que tenta pensar na aplicação final e com um destino específico, e que trabalha em conjunto com vários pesquisadores para essa aplicação em benefício do ser humano.
Como citar este texto: CCS/CAPES. Celulose Microfibrilada pode ser útil na cura de queimaduras. Saense. https://saense.com.br/2021/06/celulose-microfibrilada-pode-ser-util-na-cura-de-queimaduras/. Publicado em 25 de junho (2021).