UFRGS
03/09/2021

Em 2018, uma estudante do nono ano começou a faltar às aulas para protestar em frente ao Parlamento sueco com um cartaz que dizia “De greve da escola pelo clima”. Em poucos meses, sua ação motivou estudantes do mundo todo a irem às ruas para exigir ação política sobre as mudanças climáticas, em um movimento que recebeu o nome de Fridays For Future (Sextas-Feiras pelo Futuro). Hoje, ela, Greta Thunberg, é uma das principais vozes do ativismo ambiental no mundo.
A partir do interesse em compreender o perfil desses jovens, a pesquisa “Valores e conhecimento ambiental de estudantes participantes de greves contra mudanças climáticas: uma perspectiva comparativa entre Brasil e Alemanha” avaliou os conhecimentos e atitudes de estudantes brasileiros e alemães com relação ao meio ambiente. O objetivo foi verificar se a frequência de participação em greves contra a mudança climática, como o FFF, é afetada por esses fatores.
O pesquisador Renan Barbosa, doutorando do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências (PPGEC) da UFRGS, iniciou a pesquisa para este artigo durante o doutorado-sanduíche na Universidade de Tübingen, na Alemanha. O trabalho de pesquisa de Barbosa se debruça sobre o ensino e a aprendizagem voltados à educação ambiental nas disciplinas de ciências nas escolas. Tem interesse em avaliar não só o conhecimento, mas também a forma como o conteúdo trabalhado em sala de aula se relaciona com os comportamentos e com as tomadas de decisão na vida cotidiana.
Para isso, foi aplicado aos estudantes um questionário em três níveis sobre questões ambientais: avaliação do conhecimento científico e conceitual; avaliação de conhecimentos gerais; e estimativa do quanto as pessoas entendem sobre o impacto e a efetividade de suas atitudes sobre o clima e a natureza para que possam tomar decisões. Esses conhecimentos foram, depois, relacionados com a participação dos indivíduos em protestos como o Fridays For Future.
Com isso, os pesquisadores tiveram a intenção de jogar luz sobre os movimentos de causas ambientais, frequentemente liderados e organizados por jovens. Assim, foi possível avaliar não somente a efetividade da educação ambiental nas escolas para o conhecimento dos estudantes, mas também entender sua influência em quem está nas ruas protestando por causas ambientais.
A pesquisa foi financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) CAPES e pelo Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico (DAAD – Deutscher Akademischer Austauschdienst).
Mulheres e estudantes brasileiros têm atitudes mais preservacionistas
Entre os resultados do artigo está a informação de que os estudantes brasileiros demonstraram níveis de atitudes ambientais que são mais preservacionistas do que os dos alemães. “Não significa que os estudantes alemães não sejam preservacionistas, mas, a partir do instrumento que utilizamos para medir essas atitudes, os brasileiros tiveram um nível maior”, pontua Barbosa.
Entretanto, os alemães demonstraram maiores níveis de conhecimento ambiental. As pessoas que participaram dos protestos também apresentaram um nível maior de conhecimento mais conceitual, que é ligado ao que se aprende nas escolas.
Também é considerável a diferença de gênero, que, segundo o pesquisador, dialoga com estudos anteriores: mulheres tendem a ser mais preservacionistas no todo e em ambos os países.
Os índices de participação em greves pelo clima confirmaram a hipótese de que os estudantes que participam desses protestos apresentam atitudes preservacionistas. “Tanto no Brasil quanto na Alemanha, e de uma forma geral, apresentam de fato atitudes mais preservacionistas, mais altruístas, porque enxergam [o meio ambiente] com um olhar de conservação, de preservação, e com um olhar menos exploratório”, indica Renan.
Esses dados permitem aos pesquisadores entender de que forma as escolas poderiam promover esse tipo de atitude (de pressão política e popular sobre as autoridades para promover mudanças). “Com esses resultados poderemos ir às escolas e fazer projetos de Educação Ambiental e ver o quanto isso vai influenciar ou não na participação dos estudantes”, afirma Barbosa, que também poderá comparar com outras informações científicas já publicadas.
Adaptações impostas pela pandemia
Inicialmente, os pesquisadores pretendiam realizar aulas, palestras e saídas de campo em escolas no Brasil e na Alemanha, a fim de obter dados comparativos sobre a efetividade de atividades de Educação Ambiental. A pandemia forçou a adaptação do estudo. A Alemanha é conhecida por suas políticas ambientais, e outro aspecto definidor para a pesquisa foram os protestos de rua por causas ambientais, que são muito difundidos no país.
Além disso, a pandemia levou os pesquisadores a escolherem outra categoria sociodemográfica dos participantes. Em vez de avaliar estudantes do ensino médio e fundamental (ideia inicial), a pesquisa foi aplicada apenas a estudantes do ensino superior. Os aspectos éticos da pesquisa e a facilidade na coleta de dados pesaram sobre a decisão.
“Quisemos pontuar essa questão da internet principalmente porque estávamos entrevistando estudantes brasileiros. Eu, como brasileiro, pude dar esse panorama da realidade do nosso país para os colegas e professores alemães, porque na Alemanha não se tem tanto essa dificuldade de acesso aos equipamentos eletrônicos.”, explica Renan. Ele pontua que disparidades socioeconômicas entre os universitários brasileiros são maiores que entre os alemães.
Renan entende que a aplicação de um questionário online gera uma limitação, uma vez que fica difícil atingir pessoas com dificuldade no acesso à internet (e, portanto, compreender seus conhecimentos e comportamentos ambientais). Por outro lado, amplia o número de pessoas que a pesquisa alcança. “Como pesquisador, eu vejo essa questão como algo que tem que ser considerado. Nós colocamos isso na nossa escrita por questões subjetivas, ligadas ao campo das Humanidades, mas também por questões estatísticas, o que acaba interferindo no nosso poder de generalização”, declara.
Mudanças climáticas exigem ações imediatas
Em 9 de agosto, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC na sigla em inglês) publicou seu sexto relatório sobre os impactos do aquecimento global de 1,5 °C acima dos níveis pré-industriais. O documento revelou que a ação humana é um fator relacionado a eventos climáticos e ambientais como aumento dos níveis de chuvas, aumento da temperatura do globo terrestre, diminuição da superfície congelada do Polo Norte, salinização dos oceanos, entre outros.
Nesse contexto, o Brasil possui uma responsabilidade diferente de países mais industrializados, como China, EUA, Índia e membros da União Europeia. Ainda assim, para Barbosa, temos a oportunidade de liderar um novo caminho do sistema produtivo que considere o desenvolvimento sustentável.
“Temos visto o oposto por parte das políticas ambientais do nosso país nos últimos cinco anos, e o relatório reforça a importância da população brasileira para pressionar políticos – de vereadores ao presidente –, para aprovar políticas públicas que nos levem a esse caminho do desenvolvimento sustentável, que tem potencial para mitigar as consequências das mudanças climáticas apontadas pelo documento”, afirma o pesquisador.
No âmbito da pesquisa, a Educação Ambiental pode contribuir para a formação de jovens com consciência ambiental ao trabalhar com as temáticas relacionadas à mudanças climáticas. Ao contextualizar o consenso científico com os conhecimentos, atitudes e valores ambientais em espaços escolares e não escolares, Renan acredita que a escola pode ser um espaço motivador de estudantes que se engajem na luta pela proteção ao meio ambiente e pela justiça ambiental. Para isso, acrescenta, é necessário que se contemple o trabalho com problemáticas locais e sua relação com o regional e o global.
“Eu acredito que dessa forma pode-se transformar a realidade, em que os jovens podem ser protagonistas nessa luta para mitigar as consequências das mudanças climáticas a partir dessa participação ativa e do envolvimento de suas comunidades, mas que também envolve as instituições e agentes nacionais e internacionais”, defende Barbosa.
ARTIGO CIENTÍFICO
BARBOSA, R. et al.Values and Environmental Knowledge of Student Participants of Climate Strikes: A Comparative Perspective between Brazil and Germany. Sustainability, 2021, https://doi.org/10.3390/su13148010. [2]
[1] Foto: Foto: Mika Baumeister/Unsplash.
[2] Texto de Júlia Provenzi.
Como citar esta notícia: UFRGS. Estudantes brasileiros estão mais preocupados com o meio ambiente do que os alemães. Texto de Júlia Provenzi. Saense. https://saense.com.br/2021/09/estudantes-brasileiros-estao-mais-preocupados-com-o-meio-ambiente-do-que-os-alemaes/. Publicado em 03 de setembro (2021).