UFRGS
24/09/2021

Obra do Coletivo Studio P [1]

“Paulo Freire completaria 100 anos em 19 de setembro de 2021 se estivesse fisicamente entre nós. Fisicamente ele não está mais, mas o legítimo patrono da Educação brasileira permanece inspirando e desafiando o mundo todo na compreensão de suas ideias, suas teorias, suas práticas sociais e educativas, e de sua própria história de vida. Esse pernambucano do mundo todo deixou um legado intelectual em suas obras e na sua própria experiência de vida que se constituem de maneira basilar para a Educação mundial. Sobretudo seu pensamento fundamenta uma perspectiva de pedagogia crítica, denominada com muita felicidade de Educação Libertadora, e que tem na Pedagogia do Oprimido a orientação para uma prática educativa humanizadora.”

O parágrafo acima abre o capítulo introdutório do projeto de pesquisa do professor Fabiano Bossle, docente da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança (ESEFID) e do Programa de Pós-graduação em Ciências do Movimento Humano da UFRGS. Na semana do centenário de nascimento do Patrono da Educação Brasileira, o UFRGS Ciência volta-se aos estudos de Bossle sobre as aproximações do pensamento de Paulo Freire com a Educação Física Escolar. Há mais de 30 anos dedicado ao tema, desde a graduação, o professor busca aprofundar a compreensão da fundamentação teórica e as possibilidades metodológicas – pedagógicas – da Educação Libertadora de Paulo Freire para uma Educação Física Escolar Brasileira.

Na pesquisa “A Educação Física Escolar Brasileira orientada na perspectiva teórico-metodológica da Educação Libertadora de Paulo Freire”, Bossle analisa diferentes produções do educador, como livros, artigos, entrevistas, palestras, e ainda produções acadêmicas e científicas do subcampo da Educação Física Escolar nos campos de conhecimento da Educação Física e da Educação. Segundo ele, os estudos sobre a Educação Física Escolar na perspectiva freiriana ainda não têm uma tradição nem muita visibilidade, embora desde os anos de 1990 exista no Brasil um movimento progressista renovador nessa área. Esse movimento foi tomando corpo sob diferentes orientações teórico-pedagógicas, tendo Paulo Freire presente em algumas dessas ideias. Bossle explica que a Educação Física Escolar brasileira acabou se constituindo numa disputa histórica que privilegia a aproximação do conhecimento do campo da saúde com o do campo do esporte. “O movimento renovador crítico vem reorganizar esse posicionamento em relação tanto à área quanto ao campo da Educação Física Escolar do ponto de vista do trato com os conhecimentos no currículo”, diz. No seu entendimento, esse movimento ainda está em curso, reunindo outras possibilidades e incluindo tanto possibilidades acadêmico-científicas quanto as práticas e os tensionamentos produzidos na escola, presentes nas relações de professores e estudantes. A escola é uma instituição que vem sofrendo implicações das políticas neoliberais de educação. “Nós temos entendido Paulo Freire numa perspectiva de descolonização do conhecimento desses currículos que estão aí, que têm privilegiado uma relação de racionalidade epistemológica fortemente centrada em determinadas possibilidades de tratar o conhecimento que não privilegiam o que eu entendo que é uma das principais defesas de Paulo Freire, que é a educação do povo, que é a apropriação do povo de sua realidade”, afirma.

Corpo consciente

Bossle destaca que a perspectiva que ele tem se dedicado a estudar é a do corpo consciente – um conceito de Paulo Freire que trata dos seres humanos como presenças no mundo, como corpos conscientes que o transformam agindo e pensando. Para Bossle, a tensão da renovação e o grande entrave para uma Educação Física Escolar Libertadora residem numa perspectiva de conhecimento cristalizado no currículo nacional que privilegia saberes distantes da educação do povo brasileiro. Numa análise desse contexto, Bossle afirma que “parece que esses corpos são sempre alvo da opressão […], não reconhecendo a sua capacidade de ser, de ser mais, como Paulo Freire diz, na sua própria realidade, a partir da sua apreensão daqueles conhecimentos”.

Desumanização

Em artigo publicado em edição dedicada a Paulo Freire da Revista Brasileira de Educação Física Escolar – Educação Física Escolar Crítica e Educação Libertadora: reposicionamento pela Pedagogia do Oprimido no processo de descolonização curricular, Bossle apresenta um exemplo que mostra como a política curricular naturaliza a opressão e desumaniza, ao falar da pesquisa de doutorado de Marcio Cardoso Coelho, que aborda a negritude nas aulas de Educação Física Escolar. O doutorando identificou em uma obra destinada ao componente curricular Educação Física do 3.º ao 5.º ano do Ensino Fundamental e distribuída no Programa Nacional do Livro e Material Didático (PNLD) uma atividade denominada “Capitão do mato pega escravo” ou “Feitor pega escravo”. A brincadeira, que é apresentada no livro como uma atividade lúdica, consiste em organizar as crianças em três grupos: capitães do mato, senzala e quilombo. Os “capitães do mato” devem perseguir os “escravos” que tentarem fugir da “senzala” para o “quilombo”. Conforme Bossle, esse “exemplo doloroso” revela uma Educação Física Escolar que naturalizou a colonização e a opressão. O pesquisador destaca, portanto, que a Educação Física Escolar, na perspectiva da Educação Libertadora de Paulo Freire, possibilita a compreensão de que um currículo colonizador é aquele em que o conhecimento, suas políticas e práticas, são desumanizadoras.

Mas Bossle afirma que se pode falar de uma resistência esperançosa quando se percebe que do “chão da escola” emergem conhecimentos e práticas de uma Educação Física Escolar Libertadora. Esse conhecimento, diz, tem emergido de uns cinco anos para cá e tem conferido uma resistência expressiva a políticas curriculares neoliberais. Bossle acrescenta que ao mesmo tempo que “o processo de colonização curricular segue em curso de maneira violenta”, dando como exemplo o projeto do novo Ensino Médio, que não propõe uma formação humanizadora, há que se criar uma expectativa de que seja possível atender “aos corpos que ficam de fora do currículo”. O pesquisador também coloca que a resistência com esperança é o que tem inspirado os educadores diante do contexto atual e dos constantes ataques que são dirigidos ao pensamento de Paulo Freire. “Por onde passou, Paulo Freire só radicalizou a humanização. Ele se pautou por princípios humanistas […] Acho que é isso o que tem nos inspirado, essa esperança em Paulo Freire”, finaliza. [2]

[1] Foto: Rochele Zandavalli/UFRGS – Arquivo.

[2] Texto de Patrícia Barreto dos Santos Lima.

Como citar esta notícia: UFRGS. Pesquisador estuda as aproximações do pensamento de Paulo Freire com a Educação Física Escolar. Texto de Patrícia Barreto dos Santos Lima. Saense. https://saense.com.br/2021/09/pesquisador-estuda-as-aproximacoes-do-pensamento-de-paulo-freire-com-a-educacao-fisica-escolar/. Publicado em 24 de setembro (2021).

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