UnB
29/10/2021

Estudo compara resultados de medições de gordura realizadas por meio de adipômetro e do IMC, que usa medidas de altura e peso do indivíduo [1]

A relação entre obesidade e casos graves de covid-19 pelo mundo vem sendo estudada e divulgada desde o início da pandemia, decretada em março de 2020. Constatou-se, por exemplo, que essa comorbidade é capaz de aumentar dez vezes o risco de morte pelo coronavírus e que ela faz com que mesmo jovens com idade entre 20 e 40 anos apresentem altos índices de agravamento, internação com ventilação mecânica e óbito.

Mas como saber se faz parte desse grupo, considerado de risco? A prevalência de obesidade pode ser aferida de diferentes formas. Uma delas, historicamente utilizada – e também amplamente criticada – é por meio do Índice de Massa Corporal (IMC), o qual necessita apenas das medidas de peso e altura do indivíduo, que podem inclusive ser autodeclaradas e não verificadas, para que se chegue a um número capaz de indicar se a pessoa tem obesidade ou mesmo em que grau tem, em caso positivo.

Outra maneira de se identificar a comorbidade é por meio do percentual de gordura no organismo, que pode ser estimado por vários métodos, entre eles, a aferição de dobras cutâneas por meio de adipômetro.

Um grupo de pesquisadores da Universidade de Brasília, Harvard e Universitá di Bologna decidiu comparar esses dois métodos a partir de testes realizados em um público muito específico. Trata-se de profissionais do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal (CBMDF), também parceiro no estudo.

>> Leia a íntegra de artigo com resultados da pesquisa

“Vimos uma oportunidade ímpar de avaliar a acurácia do IMC em detectar obesidade em uma população muito específica, que é rotineiramente submetida a altas demandas físicas e que tem estímulos frequentes para um bom condicionamento físico”, lembra o docente da Faculdade de Educação Física (FEF) da UnB Luiz Guilherme Grossi Porto, do Grupo de Estudo em Fisiologia e Epidemiologia do Exercício e da Atividade Física da FEF (GEAFS).

Ele conta que o CBMDF prevê em suas regulamentações a aplicação de testes de aptidão física anual, com exigências mínimas para aprovação e com impacto na progressão da carreira. Portanto, além das demandas profissionais cotidianas, existe também essa política interna instituída, que se configura como estímulo permanente para a manutenção de determinados níveis de aptidão física e, portanto, para a promoção da saúde.

Os testes realizados pela própria corporação foram registrados e utilizados na pesquisa. O professor explica que o IMC, sabidamente, é um método com algumas limitações e a hipótese dos pesquisadores era que estas poderiam vir à tona na comparação dos resultados dos dois métodos com este público em especial.

Por exemplo, o IMC não consegue, pelo cálculo, distinguir tecido gorduroso de massa livre de gordura no corpo – musculatura é diferente de gordura. Então, seria possível ele classificar incorretamente alguém com grande massa muscular como obeso. Por esta limitação, este índice, apesar de mundialmente empregado para estimativas de prevalência de obesidade populacional, é comumente colocado em dúvida.

“Uma hipótese bastante plausível seria a de que o IMC superestimasse a prevalência de obesidade nesse grupo, porque teoricamente tem maior aptidão física que a população em geral. Diferentemente do que o senso comum poderia indicar, nesse caso a prevalência de obesidade pelo IMC foi muito semelhante à encontrada utilizando o percentual de gordura. Mais do que isso: sempre com percentuais menores”, relata Porto.

Para calcular o IMC, é necessário dividir o peso (em quilogramas) da pessoa pelo quadrado de sua altura (em metros). Por exemplo, o indivíduo que pesa 80 kg e mede 1,60 m tem IMC igual a 31,25. Conforme os parâmetros da Organização Mundial da Saúde (OMS), resultados iguais ou superiores a 30 significam obesidade. Já na aferição do percentual de gordura, valores acima de 25% indicam obesidade, no caso de homens (público-alvo do trabalho).

AVALIAÇÃO – Neste estudo, participaram, ao todo, 3.822 bombeiros. Os pesquisadores da UnB, de Harvard e da Universitá di Bologna também fizeram análises em subcategorias por idade e por nível de aptidão física, considerando tanto indicadores de aptidão cardiorrespiratória quanto muscular.

“Observamos, com alguma surpresa, que em todas as subcategorias (mesmo entre aqueles com alta aptidão cardiorrespiratória e muscular) a estimativa de prevalência de obesidade pelo IMC sempre encontrou valores menores que a encontrada pelo percentual de gordura”, conta o docente da FEF.

“Além da adequada capacidade de estimar a prevalência de obesidade nesta população, também vimos que a capacidade de o IMC excluir a obesidade quando ela efetivamente não existe foi muito superior à capacidade de detectar este desfecho quando ele efetivamente existe. Ou seja, o IMC se mostrou melhor para excluir obesidade do que para detectá-la, o que requer cuidados em seu uso a depender dos objetivos”, completa.

Luiz Guilherme Porto ressalta que o índice, no fim das contas, não só não superestimou a prevalência de obesidade, como se imaginava anteriormente, como também se mostrou um indicador adequado para essa estimativa, “contrariando a hipótese inicial e as críticas que ele recebe nesse sentido”. “A questão é saber quando usar e com qual finalidade”, acrescenta.

Ele reforça que este estudo contribui para o entendimento do IMC numa população muito específica e, portanto, aumenta a capacidade de interpretação das estimativas de obesidade baseadas nele. Também com os resultados da pesquisa, surge a hipótese de que talvez a tendência atual de obesidade esteja, na verdade, subestimada.

“Não por qualquer erro na condução dos estudos, mas talvez porque o próprio IMC, a despeito de suas qualidades, possa apresentar na população em geral a mesma tendência de subestimação que apresentou nesse grupo que avaliamos de uma população mais ativa”, explana o professor da FEF. “Isso abre essa perspectiva de que infelizmente talvez a epidemia de obesidade seja, do ponto de vista de sua magnitude, ainda maior do que os indicadores baseados no IMC demonstram.”

PARA ALÉM DO ARTIGO – A publicação do artigo científico foi fruto de parcerias que iniciaram anos antes. Em 2007, quando Luiz Guilherme Porto ainda cursava o mestrado e atuava como professor convidado na FEF, dois oficiais do CBMDF fizeram especialização em Fisiologia do Exercício na Faculdade e tiveram aulas com ele. Assim teve início essa aproximação com o Corpo de Bombeiros Militar do DF, formalizada depois em 2011.

Em 2018, essa relação foi fortalecida e renovada institucionalmente, por meio da Faculdade de Educação Física. “Trata-se de parceria de longa data, com muitos benefícios institucionais tanto para a UnB quanto para o CBMDF”, opina o docente da Universidade de Brasília.

A participação de Porto em um congresso nos Estados Unidos, com financiamento da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAP-DF), também abriu portas para diversos trabalhos em conjunto entre UnB e Harvard – onde o docente também fez pós-doutoramento –, seja em outros artigos científicos, simpósios, congressos e até cursos stricto sensu, como doutorado. Atualmente, um dos estudantes de doutorado do Programa de Pós-Graduação em Educação Física (PPGEF/UnB) está fora, na modalidade sanduíche, no Skidmore College (em Nova Iorque, EUA), com bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

“A FEF e a UnB vêm se beneficiando muito com essas parcerias, que julgo muito salutares, porque todos crescem. Temos oportunidade de ter contato, atualização contínua e aprendizado com referências mundiais na nossa área de investigação. Isso tem sido disponibilizado intensamente aos nossos alunos. É muito gratificante vermos como essas ações de parcerias bem fundamentadas, sistematizadas e com foco na produção legítima do conhecimento têm beneficiado tanta gente”, afirma Luiz Guilherme Porto.

MÍDIA ESTRANGEIRA – Recentemente, o professor da UnB foi procurado pela mídia estadunidense justamente para falar sobre o artigo acadêmico em que constam os resultados da pesquisa, o qual foi publicado em 2016 no jornal científico da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), Archives of Endocrinology and Metabolism (Qualis A2 na avaliação da Capes).

A matéria divulgada no último mês de agosto no periódico The Wall Street Journal rendeu recentemente novo pedido na imprensa daquele país, mesmo cinco anos após o artigo ter sido publicado. Desta vez, a solicitação foi da revista Bottom Line Personal, cuja matéria ainda aguarda para ir ao ar.

“É muito gratificante saber que esta pesquisa, fruto de tantas parcerias, gerou interesse na mídia leiga fora do nosso país e, assim, contribuiu também para a educação em saúde da população em geral, que é o interesse maior na produção do conhecimento”, afirma o docente.

“De fato, é curioso esse interesse no artigo após esse tempo, mas hoje parece haver uma tendência de que tudo o que foi publicado há um ou dois anos já ser velho e obsoleto, mas sabemos que a ciência não é assim. Os conhecimentos vão se acumulando”, defende Luiz Guilherme Grossi Porto. [2]

[1] Foto: Luis Gustavo Prado/Secom UnB.

[2] Texto de Marcela D’Alessandro.

Como citar este texto: UnB. Estudo atesta validade do IMC como método. Texto de Marcela D’Alessandro. Saense. https://saense.com.br/2021/10/estudo-atesta-validade-do-imc-como-metodo/. Publicado em 29 de outubro (2021).

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