Agência FAPESP
26/11/2021

Pesquisa feita na Unicamp mostra que um ácido biliar conhecido pela sigla TUDCA diminui a ingestão alimentar e aumenta o gasto de energia, melhorando a qualidade de vida; resultados são promissores para humanos (imagem: Pixabay)

Luciana Constantino | Agência FAPESP – O tratamento com um composto conhecido como TUDCA (sigla em inglês para ácido biliar tauroursodesoxicólico) pode ajudar a equilibrar alterações no comportamento alimentar e no peso corporal associadas à doença de Alzheimer, melhorando a qualidade de vida, sugere pesquisa conduzida na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Experimentos com camundongos mostraram que o TUDCA combate anormalidades metabólicas, reduzindo a ingestão de alimentos e aumentando o gasto de energia, além de melhorar o quociente respiratório – uma forma de quantificar o uso de carboidratos, proteínas e lipídios pelo organismo na produção de energia, permitindo adequar a terapia nutricional. O ácido atua no hipotálamo – região do cérebro que mantém uma diversidade de conexões com outras partes do sistema nervoso central e tecidos periféricos.

O TUDCA é um composto produzido pelo fígado e armazenado na vesícula biliar que atua na digestão de gordura. Atualmente é usado, principalmente, para o tratamento de doenças hepáticas.

O trabalho foi realizado em camundongos com um quadro semelhante ao Alzheimer induzido pela injeção de uma substância chamada estreptozotocina (Stz). No entanto, a professora do Instituto de Biologia (IB-Unicamp) Helena Cristina de Lima Barbosa destaca que os resultados obtidos com os animais podem ser semelhantes em humanos.

“É possível que os mesmos benefícios também sejam observados em pacientes. Levando em consideração dados clínicos já publicados, essa extrapolação pode ser válida”, diz à Agência FAPESP a orientadora da pesquisa, publicada na revista Scientific Reports.

O estudo foi desenvolvido no Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades (OCRC) – um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP sediado na Unicamp. É parte do mestrado de Lucas Zangerolamo, bolsista da Fundação.

“Observamos que os animais-modelo da doença de Alzheimer apresentavam um comportamento alimentar alterado, associado a um maior peso corporal e menor gasto de energia. Fomos tentar entender o que estava envolvido nesse processo e avaliamos marcadores inflamatórios diretamente associados à desregulação do hipotálamo. Detectamos um aumento desses marcadores”, explica Zangerolamo.

Os cientistas utilizaram três grupos experimentais: o de camundongos saudáveis tratados com placebo, o modelo de Alzheimer (provocado pela injeção de estreptozotocina) que também recebeu apenas placebo; e os animais modelo de Alzheimer que receberam TUDCA, uma vez ao dia, com dose de 300 miligramas por quilo (mg/kg).

Em todos os experimentos, os grupos de controle e de intervenção foram colocados nas mesmas configurações experimentais por dez dias consecutivos. Durante esse período, ficaram individualmente em gaiolas, e a ingestão de alimentos foi avaliada a cada dois dias.

O grupo de pesquisadores investigou as ações do TUDCA envolvidas na regulação do peso corporal e da adiposidade, já que os efeitos desse ácido biliar no controle hipotalâmico ainda não haviam sido explorados em casos de Alzheimer.

Os camundongos com modelo da doença e tratados com TUDCA apresentaram menor ingestão de alimentos, maior gasto de energia e quociente respiratório. No hipotálamo desses animais houve redução de marcadores inflamatórios, além da normalização da expressão de hormônios reguladores de apetite (neuropeptídeos orexígenos AgRP e NPY).

A sinalização de duas proteínas (p-JAK2 e p-STAT3) induzidas pela leptina no hipotálamo dos camundongos foi melhorada nos animais que receberam TUDCA. A leptina é um dos hormônios secretados pelo tecido adiposo branco. Ela atua no hipotálamo, saciando a fome.

“A inflamação que leva ao comportamento disfuncional pode estar associada ao hipotálamo. O TUDCA reduziu a inflamação, melhorando a sinalização da leptina para induzir saciedade. Com isso, o indivíduo reduz a quantidade de alimentos ingerida. Com o hipotálamo menos inflamado, há também uma melhora no organismo como um todo”, explica Barbosa.

Aumento de casos

Estudo epidemiológico divulgado em abril apontou que a proporção de pessoas com demência e a taxa de mortalidade associada a essa condição aumentou mais de duas vezes no Brasil.

Até 2050, a doença de Alzheimer, responsável por sete em dez casos de demência, pode quadruplicar na população brasileira. O trabalho foi publicado na Revista Brasileira de Epidemiologia por pesquisadores da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Universidade de Queensland (Austrália).

O estudo epidemiológico apontou ainda que os pacientes com Alzheimer têm maior probabilidade de serem diagnosticados com diabetes, depressão, Parkinson e acidente vascular cerebral em comparação com adultos mais idosos sem esse diagnóstico.

A doença de Alzheimer, considerada neurodegenerativa, é causada pelo acúmulo e depósito extracelular da proteína beta-amiloide na área do cérebro chamada de hipocampo. Esse processo resulta em morte neuronal, levando à deficiência de memória e declínio cognitivo progressivo até a demência. O envelhecimento é o principal fator de risco.

Porém, anormalidades metabólicas e não cognitivas, como alterações na ingestão alimentar e peso corporal, também aparecem nesses indivíduos – e entre 50% e 60% dos casos de Alzheimer apresentam distúrbios no comportamento alimentar.

Com isso, os pacientes normalmente ganham peso, podendo chegar à obesidade e elevando o risco de diabetes, hipertensão e colesterol alterado. O problema é que frequentemente esses indivíduos apresentam resistência à insulina no sistema nervoso, bem como queda na utilização da glicose pelos tecidos periféricos.

A obesidade é considerada um dos mais graves problemas de saúde pública no mundo. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a estimativa é que 2,3 bilhões de adultos estarão acima do peso até 2025, sendo 700 milhões com obesidade (índice de massa corporal acima de 30).

Segurança

Resultados de estudos clínicos realizados em pacientes com esclerose lateral amiotrófica (doença que também afeta o sistema nervoso de forma degenerativa e progressiva) já apontaram que o TUDCA apresenta alto perfil de segurança em humanos, além de boa absorção após administração oral.

No Alzheimer, outros trabalhos mostraram que o tratamento com o ácido biliar reduz o acúmulo de placas de beta-amiloide em camundongos, atenuando os danos ocasionados pela doença por meio de um mecanismo ainda não totalmente elucidado.

Zangerolamo diz que agora o grupo de pesquisadores está estudando os efeitos do TUDCA em modelos de camundongo senil para avaliar se o resultado pode ser parecido com os já obtidos.

O artigo Energy homeostasis deregulation is attenuated by TUDCA treatment in streptozotocin-induced Alzheimer’s disease mice model está disponível em: www.nature.com/articles/s41598-021-97624-6?proof=t%2525C2%2525A0#Sec2.
 

 

Este texto foi originalmente publicado por Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.

Como citar este texto: Agência FAPESP. Tratamento experimental previne ganho de peso associado ao Alzheimer em camundongos.  Texto de Luciana Constantino. Saense. https://saense.com.br/2021/11/tratamento-experimental-previne-ganho-de-peso-associado-ao-alzheimer-em-camundongos/. Publicado em 26 de novembro (2021).

Notícias científicas da Agência FAPESP     Home