Agência FAPESP
24/11/2021

Métodos como entrevistas com moradores vizinhos a áreas de conservação podem levar a enganos na identificação de espécies de cervídeos, como diferenciar uma de outra pela presença de manchas no pelo. Nesse caso, elas ocorrem em filhotes como esse de veado-campeiro, ou Ozotoceros bezoarticus (foto: Maurício Christofoletti/Unesp)

André Julião | Agência FAPESP – Um levantamento dos planos de manejo de 118 unidades de conservação do Brasil revelou que 60% usam métodos pouco confiáveis para atestar a presença de cervídeos e 38% nem sequer revelam o método usado, o que pode comprometer a preservação desses mamíferos. Oito espécies de cervídeos, três consideradas vulneráveis à extinção, ocorrem em território brasileiro.

Os planos de manejo regem a gestão das unidades de conservação no país. No total, as áreas protegidas analisadas correspondem a 298 mil quilômetros quadrados, abrangendo todos os biomas brasileiros. Os dados completos do levantamento foram divulgados na revista Perspectives in Ecology and Conservation.

“A exclusão ou inclusão incorreta de uma espécie ameaçada atrapalha o manejo local, a compilação de informações sobre ela e até mesmo a avaliação do risco de extinção”, explica Pedro Henrique de Faria Peres, primeiro autor do trabalho, realizado como parte do seu doutorado no Núcleo de Pesquisa e Conservação de Cervídeos (Nupecce) da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Jaboticabal.

O estudo foi conduzido no âmbito de um projeto apoiado pela FAPESP e coordenado por José Maurício Barbanti Duarte, professor da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV) da Unesp e coordenador do Nupecce.

“Nos últimos anos, temos realizado trabalhos que testaram as metodologias mais usadas em campo para esse tipo de identificação e mostramos que algumas nem sempre são apropriadas. Alguns dos planos de manejo analisados, porém, são anteriores a esses trabalhos. Esperamos, portanto, contribuir para revisões que vierem a ser feitas desses planos e para novos documentos do tipo”, afirma Duarte.

Com audição e olfato aguçados, nas raras vezes em que são vistos na natureza os veados correm antes que possam ser identificados. Ainda que fossem observados facilmente, é preciso ter olhar treinado para diferenciar certas espécies apenas pela morfologia. Algumas que vivem em florestas, por exemplo, são distinguíveis entre si apenas por exames de DNA.

O formato das fezes, dos pelos e das pegadas tampouco é um método confiável de atestar a presença da maioria das espécies, como já mostraram outros trabalhos do Nupecce. Por outro lado, os pesquisadores desenvolveram estratégias que incluem uso de cachorros treinados e sequenciamento do material genético fecal (leia mais em: revistapesquisa.fapesp.br/no-mato-com-cachorro/).

Métodos duvidosos

O conhecimento desenvolvido pelo grupo de Jaboticabal permite saber, por exemplo, que o cervo-do-pantanal (Blastocerus dichotomus) pode ser identificado pelo formato do chifre e da pegada. Por outro lado, não se pode determinar exatamente se um indivíduo é um veado-mateiro (Mazama americana) ou um veado-mateiro-pequeno (Mazama bororo) se não com análise do DNA.

“Identificar os veados do gênero Mazama, que vivem em florestas do México à Argentina, é especialmente problemático. Além de muito parecidos entre si, há sobreposição de espécies em uma mesma área. Nesse caso, uma solução simples para quem está fazendo um inventário é simplesmente informar o gênero”, sugere Márcio Leite de Oliveira, coautor do estudo, que realizou estágio de pós-doutorado no Nupecce com bolsa da FAPESP.

Por questões como essas, métodos usados em alguns planos de manejo analisados, como entrevistas com moradores de áreas próximas, análise de pegadas, observação direta, formato dos chifres e tamanho das fezes, são considerados inadequados pelos pesquisadores para identificar espécies desse gênero.

Armadilhas fotográficas e formato do chifre, por sua vez, são considerados adequados para detectar o veado-campeiro (Ozotoceros bezoarticus), enquanto a observação direta e entrevistas merecem reservas.

“Os moradores lindeiros, que vivem em locais que fazem fronteira com as áreas protegidas, podem diferenciar o que pensam ser espécies por características como presença ou ausência de chifres ou de manchas, quando isso na verdade diferencia machos de fêmeas ou adultos de filhotes dentro de uma mesma espécie”, exemplifica Peres.

Para contribuir para a correta identificação em futuros planos de manejo, os pesquisadores preparam um guia de identificação de cervídeos. O trabalho, apoiado pela FAPESP, conta com descrições e ilustrações que ajudam a diferenciar a maioria das espécies.

Segundo os pesquisadores, a implantação de metodologias adequadas, incluindo análises de DNA, é importante tanto para a gestão das unidades de conservação quanto para conhecer o real grau de ameaça das espécies.

“Sempre se fala da distância entre a pesquisa e as políticas públicas. A ideia aqui é aproximar a pesquisa científica de quem faz a gestão, uma vez que agora existem muitos subsídios para contribuir para a conservação desse grupo”, encerra Peres.

O artigo Implications of unreliable species identification methods for Neotropical deer conservation planning, de Pedro Henrique de Faria Peres, Francisco Grotta-Neto, Douglas Jovino Luduvério, Márcio Leite de Oliveira e José Maurício Barbanti Duarte, pode ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2530064421000742.
 

 

Este texto foi originalmente publicado por Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.

Como citar este texto: Agência FAPESP. Unidades de conservação usam métodos pouco confiáveis para monitorar a presença de cervídeos, diz estudo.  Texto de André Julião. Saense. https://saense.com.br/2021/11/unidades-de-conservacao-usam-metodos-pouco-confiaveis-para-monitorar-a-presenca-de-cervideos-diz-estudo/. Publicado em 24 de novembro (2021).

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