ESO
17/02/2022

A galáxia Messier 77 e o seu núcleo ativo [1]

Com o auxílio do Interferômetro do Very Large Telescope (VLTI) do Observatório Europeu do Sul (ESO), foi observada uma nuvem de poeira cósmica no centro da galáxia Messier 77 que esconde um buraco negro supermassivo. A descoberta confirmou previsões feitas há cerca de 30 anos e dá aos astrônomos novas pistas sobre os “núcleos ativos de galáxias”, objetos cósmicos que se situam entre os mais brilhantes e enigmáticos que existem no Universo.

Os Núcleos Ativos de Galáxias (AGNs, em inglês) são fontes extremamente energéticas impulsionadas por buracos negros supermassivos que se encontram no centro de algumas galáxias. Estes buracos negros se alimentam de enormes quantidades de gás e poeira cósmica. Antes de ser consumido, esse material espirala em direção ao buraco negro e grandes quantidades de energia são liberadas no processo, muitas vezes ofuscando todas as estrelas da galáxia.

Os AGNs têm intrigado os astrônomos desde que estes objetos brilhantes foram inicialmente observados na década de 1950. Agora, e graças ao VLTI do ESO, uma equipe de pesquisadores, liderada por Violeta Gámez Rosas da Universidade de Leiden nos Países Baixos, deu um passo fundamental para entender como eles funcionam e como eles se parecem de perto. Os resultados são publicados hoje na revista Nature.

Ao executarem observações extremamente detalhadas do centro da galáxia Messier 77, também conhecida por NGC 1068, Gámez Rosas e a sua equipe detectaram um anel espesso de gás e poeira cósmica que esconde um buraco negro supermassivo. Essa descoberta fornece evidências vitais para apoiar uma teoria de 30 anos conhecida como Modelo Unificado dos AGNs.

Os astrônomos sabem que existem diferentes tipos de AGN. Por exemplo, alguns emitem no rádio enquanto outros não; alguns AGNs brilham intensamente no visível, enquanto outros, como Messier 77, são bastante tênues nestes comprimentos de onda. O Modelo Unificado diz que, apesar destas diferenças, todos os AGNs apresentam a mesma estrutura básica: um buraco negro supermassivo cercado por um espesso anel de poeira.

De acordo com este modelo, qualquer diferença na aparência dos AGNs se deve à orientação com que vemos a partir da Terra o buraco negro e o seu espesso anel. O tipo de AGN que vemos depende de quanto é que o anel obscurece o buraco negro, do nosso ponto de vista, escondendo-o completamente em alguns casos.

Os astrônomos encontraram anteriormente algumas evidências que apoiam o Modelo Unificado, incluindo a descoberta de poeira quente no centro de Messier 77. Contudo, restavam ainda dúvidas sobre se esta poeira poderia esconder completamente o buraco negro e assim explicar porque é que este AGN brilha menos intensamente no visível do que outros.

A verdadeira natureza das nuvens de poeira e o seu papel, tanto em alimentar o buraco negro como em determinar como é que o vemos a partir da Terra, têm sido questões centrais nos estudos dos AGNs nas últimas três décadas”, explica Gámez Rosas. “Apesar de nenhum estudo individual resolver todas as questões que temos sobre este assunto, o certo é que demos um grande passo em frente na nossa compreensão do funcionamento dos AGNs”.

As observações foram possíveis graças ao instrumento MATISSE (Multi AperTure mid-Infrared SpectroScopic Experiment) montado no VLT do ESO, situado no deserto chileno do Atacama. O MATISSE combina a luz infravermelha coletada pelos quatro telescópios de 8,2 metros do VLT por meio da técnica de interferometria. A equipe utilizou este instrumento para observar o centro de Messier 77, localizado a 47 milhões de anos-luz de distância da Terra na constelação da Baleia.

O MATISSE consegue observar uma ampla gama de comprimentos de onda infravermelhos, o que nos permite ver através da poeira e medir temperaturas com precisão. Como o VLTI é um interferômetro muito grande, temos efetivamente resolução suficiente para ver o que se passa em galáxias tão distantes como Messier 77. As imagens obtidas mostram detalhadamente variações em temperatura e absorção das nuvens de poeira situadas em torno do buraco negro”, diz o co-autor do estudo Walter Jaffe, professor na Universidade de Leiden.

Ao combinar as variações da temperatura da poeira (que vão desde a nossa temperatura ambiente até cerca de 1200 ºC), causadas pela radiação intensa emitida pelo buraco negro, com mapas de absorção, a equipe conseguiu criar uma imagem detalhada da poeira e localizar a região onde deve estar o buraco negro. A poeira – em um anel interno espesso e um disco mais extenso – com o buraco negro posicionado em seu centro sustenta o Modelo Unificado. A equipe usou também dados do ALMA (Atacama Large Millimeter/submillimeter Array), do qual o ESO é um parceiro, e do VLBA (Very Long Baseline Array) do Observatório Nacional de Radioastronomia dos EUA, para construir a imagem.

Os nossos resultados deverão nos ajudar a compreender melhor o funcionamento interno dos AGNs”, conclui Gámez Rosas, “assim como também podem nos ajudar a entender melhor a história da Via Láctea, que contém um buraco negro supermassivo no seu centro, que pensamos ter estado ativo no passado”.

Os pesquisadores querem agora usar o VLTI do ESO para encontrar mais evidências que apoiem o Modelo Unificado dos AGNs, observando mais galáxias deste tipo.

Bruno Lopez, membro da equipe e Pesquisador Principal do instrumento MATISSE do Observatoire de la Côte d’Azur em Nice, França, disse: “A Messier 77 é um importante protótipo de AGN e este resultado nos dá uma grande motivação para expandirmos o nosso programa observacional e otimizarmos o MATISSE para observar uma amostra maior de AGNs”.

O Extremely Large Telescope (ELT) do ESO, programado para começar a observar ainda esta década, irá também ajudar nesta busca, fornecendo resultados que complementarão os resultados da equipe e permitirão explorar a interação entre AGNs e galáxias. [2], [3]

[1] Crédito: ESO/Jaffe, Gámez-Rosas et al.

[2] Esta pesquisa foi apresentada no artigo intitulado “Thermal imaging of dust hiding the black hole in the Active Galaxy NGC 1068” (doi: 10.1038/s41586-021-04311-7) publicado na revista Nature

[3] Este texto foi traduzido por Margarida Serote (Portugal) e adaptado para o português brasileiro por Eugênio Reis Neto

Como citar este texto: ESO. Buraco negro supermassivo encontrado escondido em um anel de poeira cósmica. Tradução de Margarida Serote e Eugênio Reis Neto. Saense. https://saense.com.br/2022/02/buraco-negro-supermassivo-encontrado-escondido-em-um-anel-de-poeira-cosmica/. Publicado em 17 de fevereiro (2022).

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