CCS/CAPES
17/02/2022

Alessandro Alves-Pereira é bacharel em Genética e Biotecnologia pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam), mestre em Genética, Conservação e Biologia Evolutiva, pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), e doutor em Genética e Melhoramento de Plantas, pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiróz (Esalq/USP). O foco de seus estudos no doutorado e pós-doutorado, feito na Universidade de Campinas (Unicamp), financiados, em parte, pela CAPES, foi entender como o processo de transformação da mandioca na Amazônia, nos últimos nove mil anos, influenciou os níveis de diversidade genética. Parte de seus estudos foi publicado nas Revistas Evolutionary Applications e Scientific Reports e podem ser encontrados em https://doi.org/10.1111/eva.12873 e https://doi.org/10.1038/s41598-022-05160-8.
De onde surgiu seu interesse em estudar a origem e o processo de
diversificação da mandioca na Amazônia?
A Amazônia é amplamente conhecida por sua imensa diversidade biológica e
cultural, mas também é um dos mais importantes centros mundiais de domesticação
de plantas. Atualmente, a mandioca (Manihot esculenta ssp. esculenta Crantz)
é o cultivo alimentício de origem amazônica com maior importância para o mundo,
sendo a principal fonte de energia para mais de 800 milhões de pessoas. Como
sou amazonense, queria estudar espécies nativas da região na pós-graduação, e
queria seguir uma linha de pesquisas sobre domesticação. Então surgiu uma
oportunidade de trabalhar com genética de mandiocas durante o mestrado, e essa
vem sendo minha principal linha de pesquisa.
A mandioca é uma planta
originária da Amazônia?
Existem fortes evidências genéticas e botânicas que sugerem que a mandioca foi
domesticada no sudoeste da bacia amazônica, provavelmente na região onde hoje é
o estado de Rondônia e áreas próximas no Mato Grosso, Acre e norte da Bolívia.
Nós sabemos muito pouco sobre a história de dispersão e diversificação da
mandioca após a sua domesticação inicial. É para tentar gerar pistas sobre
esses processos que nós estudamos a diversidade genética contemporânea das
mandiocas cultivadas ao longo dos principais rios da Amazônia.
Como você desenvolveu sua pesquisa?
Tanto no doutorado, na USP, como no pós-doutorado, na Unicamp, nós utilizamos
técnicas modernas de sequenciamento de DNA para avaliar a diversidade genética
de variedades de mandioca. No doutorado, avaliamos 140 mandiocas
cultivadas em comunidades de agricultores familiares ao longo dos principais
rios da Amazônia e as comparamos com 19 amostras de mandiocas silvestres
provenientes de Rondônia. Com os dados de variação genética, tentamos inferir
como se deu o processo de dispersão do cultivo na região Amazônica. Já no
pós-doutorado, avaliamos 78 variedades de mandioca do banco de germoplasma da
Esalq, e comparamos com algumas mandiocas silvestres. Essas mandiocas também
foram coletadas em comunidades de agricultores tradicionais, mas em diferentes
regiões do Brasil. Nós caracterizamos os níveis de variação genética desse
material que pode ser de interesse para o melhoramento da cultura.
Quais os resultados encontrados?
Apesar dos trabalhos terem enfoques diferentes, em ambos os casos observamos um
grande nível de diversidade genética nas variedades de mandioca. Esse resultado
pode ser explicado pela forma como os agricultores tradicionais cultivam as
mandiocas e pela biologia da espécie. A diversidade genética dos materiais
avaliados nestas pesquisas é o material bruto que pode ser utilizado para o
melhoramento do cultivo e sobre o qual os agricultores podem adaptar a mandioca
para necessidades específicas. Portanto, os conhecimentos gerados durantes as
pesquisas são valiosos para a melhor utilização e conservação dos recursos
genéticos da mandioca.
Qual a importância da sua
pesquisa para a sociedade?
Nossos estudos genéticos demonstram o papel fundamental que as populações de
agricultores familiares possuem para a manutenção de uma impressionante
diversidade nos cultivos amazônicos. Dessa forma, precisamos valorizar cada vez
mais a agricultura familiar. Muitos outros cultivos importantes foram
domesticados na Amazônia, e assim como para a mandioca nós pouco sabemos sobre
suas histórias de domesticação e diversificação. Pode ser que outras plantas
domesticadas próximas à área de origem da mandioca, como o urucum (Bixa orellana) e o
amendoim (Arachis hypogaea), tenham sido espalhadas junto com a
mandioca. Estes estudos nos ajudam a formular hipóteses sobre a pré-história
amazônica. Compreender como a diversidade genética da mandioca está organizada
no Brasil também tem importância prática, pois pode ser útil para a
identificação de variedades tradicionais de mandioca para a conservação dos
recursos genéticos da cultura. Num contexto de mudanças climáticas e de
preocupação com a segurança alimentar, a manutenção da diversidade genética em
espécies cultivadas é importante para que as culturas consigam se adaptar
às mudanças ambientais e garantam a disponibilidade de alimentos.
Qual a importância da CAPES para sua pesquisa?
Em todos os níveis da pós-graduação tive bolsas de estudo da CAPES em pelo
menos parte do tempo, o que me permitiu permanecer no meio acadêmico. Além
disso, financiamentos da CAPES ajudaram a realização das pesquisas que
desenvolvemos, como um projeto com tema de Biologia Computacional.
[1] Foto: André Braga Junqueira
Como citar este texto: CCS/CAPES. Cientista estuda domesticação da mandioca na Amazônia. Saense. https://saense.com.br/2022/02/cientista-estuda-domesticacao-da-mandioca-na-amazonia/. Publicado em 17 de fevereiro (2022).