UFPR
18/03/2022

Microlicia caparaoensis – Foto: Renato Goldenberg

Cinco novas espécies botânicas de uma mesma família, quatro delas endêmicas das terras capixabas, foram descritas recentemente, sendo que três delas são criticamente ameaçadas de extinção e ocorrem em locais sem proteção legal.

Três das cinco espécies estão descritas em artigo publicado nesta terça-feira, 8 de março, na revista Rodriguésia, e as outras duas foram publicadas em novembro, na revista Nordic Journal of Botany. Isso evidencia o quão rica em em diversidade biológica é a região de Mata Atlântica na qual o Espírito Santo está situado.

A família é Melastomataceae, que tem 203 espécies registradas no Espírito Santo, das quais 53 são endêmicas – isso quer dizer que somente são encontradas no estado. Embora essas plantas sejam objeto de estudos, no Brasil, há mais de 200 anos, apenas recentemente o Espírito Santo entrou na rota da pesquisa de forma mais intensiva. Dessas 203 espécies, 48 foram descritas neste século, quase todas endêmicas.

“Isso mostra que o estado é extremamente rico, que os estudos tradicionais ignoraram o Espírito Santo e que somente com os recentes esforços de coletas, especialmente pela equipe e colaboradores do herbário do Museu de Biologia Prof. Mello Leitão, gerido pelo INMA, essa riqueza está sendo mostrada. A equipe do Instituto Nacional da Mata Atlântica (INMA) e seus colaboradores acessam locais remotos, de difícil acesso, para fazer as coletas, essenciais a essas descobertas. Trabalhos recentes nos apontam que ainda deve ter muita coisa para descrever”, destaca o pesquisador Renato Goldenberg, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), um dos autores dos dois artigos.

No artigo publicado na revista Rodriguésia, as espécies descritas são do gênero Microlicia: Microlicia caparaoensis é endêmica do Parque Nacional do Caparaó (nos lados capixaba e mineiro); Microlicia capixaba e Microlicia misteriosa são endêmicas a um único inselberg, o Alto Misterioso, em São Roque do Canaã – inselbergs são montanhas cuja formação é predominantemente de afloramentos de rochas. Os autores mantiveram uma quarta espécie como Microlicia sp., pois necessita de mais estudos para confirmar sua identidade.

Em artigo publicado em novembro, foram descritas duas espécies de Miconia endêmicas do Espírito Santo: Miconia quartzicola, coletada no município de Vargem Alta; e Miconia spiritusanctensis, coletada no Parque Estadual do Forno Grande, em Castelo, e arredores. Ambas são consideradas como ameaçadas – “criticamente em perigo” e “em perigo”, respectivamente, de acordo com os critérios de risco de extinção da União Internacional para a Conservação da Natureza (sigla em inglês, IUCN).

Algumas dessas novas espécies já haviam sido coletadas há mais tempo, mas não estavam descritas. Miconia spiritusanctensis foi coletada pela primeira vez em 1985 e Microlicia caparaoensis, em 1988. “Essas amostras já estavam em herbários desde então, mas não identificadas porque ninguém sabia dar nome para elas. Isso porque elas pertencem a grupos muito complexos, em que a distinção entre as espécies é difícil. Foi necessário um trabalho de ‘revisão taxonômica’, uma avaliação de várias amostras nos herbários e, no primeiro caso, também estudo mais aprofundado sobre ‘envelopes climáticos’ e ‘biogeografia’ para poder confirmar que eram realmente novas”, explica Goldenberg.

Espécies Ameaçadas

Miconia quartzicolaMicrolicia capixaba Microlicia misteriosa são criticamente ameaçadas de extinção (segundo os critérios da IUCN) e ocorrem em locais sem proteção legal – somente existem fora de unidades de conservação.

Miconia quartzicola ocorre nos “morros de sal” de Vargem Alta, onde também existem outras espécies exclusivas dessas formações: Pleroma quartzophila, também da família Melastomataceae, e também de outras famílias,  como a espécie Paepalanthus capixaba, descrita em 2016. “Essas áreas vêm sendo fortemente alteradas pela extração de quartzo (ou “saibro”, como é conhecido na região), usado em pavimentação ornamental”, alerta o pesquisador.

Microlicia capixaba e Microlicia misteriosa só ocorrem no Alto Misterioso, vale do Canaã, na região de Santa Teresa, onde está sediado o INMA. “É um morro isolado, não protegido e também com espécies exclusivas, descritas recentemente: Huberia misteriosa (Melastomataceae), descrita em 2019, Luxemburgia mysteriosa, descrita em 2007, e Begonia mysteriosa, descrita em 2008, por exemplo”, completa Goldenberg.

Jovens Pesquisadores

As equipes dos artigos publicados têm entre seus membros jovens pesquisadores, que terminaram seus doutorados recentemente. Uma delas, a pesquisadora Ana Flávia Alves Versiane, concluiu o doutorado em 2019, na Unicamp, onde também estudaram Lucas Bacci e Thuane Bochorny.

“Durante meu doutorado, Renato me propôs fazermos a tribo Microlicieae para o Espírito Santo. Com isso, analisando os materiais, percebemos que, das oito espécies de Microlicia encontradas para o estado, três tratavam-se de novidades taxonômicas. Fiquei extremamente feliz com as descobertas e tenho bastante orgulho de como o trabalho ficou. Nossos resultados nos mostraram o quão diverso é o Espírito Santo e que, para conhecer essa diversidade, é necessário estudá-la. Outros resultados do nosso trabalho que merecem destaque é que expandimos a distribuição de Microlicia restingae, que até então era conhecida somente das restingas da Bahia, para o Espírito Santo, e uma espécie ficou identificada apenas com Microlicia sp., ou seja, ainda há chance de haver mais espécies novas de Microlicia para o estado”, comemora Ana Flávia.

A pesquisa científica exige continuidade, e a interação entre diversas gerações de pesquisadores, especialmente estudantes de pós-graduação, garante que a produção do conhecimento não seja interrompida. “Os cursos de pós-graduação e as bolsas de pesquisa para jovens doutores são fundamentais para o desenvolvimento da ciência. São os jovens que levarão adiante as pesquisas já iniciadas e permitirão que alcancem cada vez mais resultados. A parceria entre supervisores e seus orientandos permite o debate amplo e a troca de conhecimentos, promovendo uma interação muito produtiva com desfechos bem promissores, como o que obtivemos nestes trabalhos”, destaca Renato.

Por Instituto Nacional da Mata Atlântica

Como citar este texto: UFPR. Cinco novas espécies de plantas são descobertas no Espírito Santo e três delas já estão em perigo de extinção. Saense. https://saense.com.br/2022/03/cinco-novas-especies-de-plantas-sao-descobertas-no-espirito-santo-e-tres-delas-ja-estao-em-perigo-de-extincao/. Publicado em 18 de março (2022).

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