Fiocruz
05/08/2022
O planeta já aqueceu 1,1°C desde a revolução industrial. Como consequência, o clima da Terra está em transformação de maneira inequívoca e em função da ação humana. A mudança do clima já afeta bilhões de pessoas no planeta, em especial as populações mais vulneráveis e mais pobres. Ainda é possível alcançarmos um cenário seguro para o futuro do clima, com aumento de somente 1,5 °C até o final do século 21, mas isso exige esforços enormes para a diminuição da emissão e o aumento do sequestro de gases de efeito estufa da atmosfera.
Estas são as principais conclusões dos últimos três relatórios publicados entre o final de 2021 e o início de 2022 pelos cientistas do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU). Os relatórios deixam claro que as mudanças climáticas já têm e terão um efeito ainda maior sobre a produção de alimentos e a saúde, novamente, com sérios riscos para os mais pobres e vulneráveis.
O aumento da temperatura, secas cada vez mais intensas e frequentes e grandes tempestades podem resultar na quebra de safras, na diminuição da produção e no aumento do preço de alimentos. Alguns estudos apontam que o ar mais quente implica na produção de cereais menos nutritivos.
Em uma aparente contradição, a ciência indica que os sistemas alimentares podem ser tanto uma ameaça quanto uma solução para combater as mudanças climáticas.
Apesar dos aumentos de produtividade, a expansão da agropecuária ainda é o principal responsável pelo desmatamento no Brasil e em várias partes do mundo, sendo uma das principais fontes de emissões de gases de efeito estufa. Além disso, a produção de carne bovina é responsável por uma grande emissão de metano, um gás com uma potência mais de 20 vezes maior que o CO2 para o aquecimento global.
Em uma aparente contradição, a ciência indica que os sistemas alimentares podem ser tanto uma ameaça quanto uma solução para combater as mudanças climáticas
Além das questões climáticas, vale lembrar os impactos dos sistemas alimentares para a saúde, pois o consumo excessivo de carne vermelha, de produtos contaminados com agrotóxicos e alimentos ultraprocessados têm causado uma outra pandemia estrutural. O desmatamento e a perda de ecossistemas nativos também tem resultado no aumento de doenças contagiosas, sendo uma possível causa da pandemia do covid-19. A crise climática e sua retroalimentação com a fome, a desnutrição e a obesidade são um grande risco para a humanidade, num processo chamado de sindemia global.
Por outro lado, a agricultura sustentável, combinada com mudanças na dieta, pode compatibilizar a produção de alimentos saudáveis com o combate às mudanças climáticas. Os ingredientes são: 1) o fim do desmatamento; 2) a agricultura de baixo carbono, 3) a restauração de florestas; 4) a adoção de sistemas de produção baseados na biodiversidade, 5) a multiplicação da diversidade dos microrganismos do solo, que junto com ecossistemas restaurados e sistemas diversos, diminuem a dependência de agrotóxicos e fertilizantes químicos; 6) a diminuição do consumo de carne e o consumo de proteínas vegetais, que produzem muito mais alimento em áreas menores do que a de produção animal; 7) a ampliação do número de espécies usadas na alimentação.
Todas essas mudanças estão ao nosso alcance com a coordenação de políticas públicas. Essa via seria pavimentada com a premissa de que os alimentos continuam sendo produzidos no campo e sob a gestão de agricultores.
Mas é importante não perder de vista uma outra tendência. Trata-se da produção de alimentos em fábricas, seja por meio de plantas cultivadas em edifícios ou até mesmo produzidas em tanques industriais, sem conexão com a natureza e agricultores. Essas opções podem resolver a questão climática, mas ainda não há clareza sobre as suas consequências para a saúde e muito menos sobre a segurança alimentar, pois pode resultar em uma concentração da produção de alimentos, como acontece hoje com a revolução digital. Os efeitos colaterais para as populações no campo também podem ser desastrosos.
É importante ser crítico e acompanhar de perto estas mudanças para termos segurança sobre os caminhos que vamos tomar para garantir um futuro sustentável e saudável para a nossa população e o nosso planeta. [2], [3]
[1] Imagem: CEE-FIOCRUZ
[2] Texto de Luís Fernando Guedes Pinto (Diretor executivo da SOS Mata Atlântica e pesquisador da Cátedra Josué de Castro de Sistemas Alimentares Saudáveis e Sustentáveis/USP)
[3] Publicado originalmente no Nexo jornal Políticas Públicas e Bori
Como citar esta notícia: Fiocruz. A produção de alimentos, as mudanças climáticas e a saúde pública. Texto de Luís Fernando Guedes Pinto. Saense. https://saense.com.br/2022/08/a-producao-de-alimentos-as-mudancas-climaticas-e-a-saude-publica/. Publicado em 05 de agosto (2022).