Jornal da USP
21/11/2022

Caso Sintex: como a saída de uma empresa privada impulsionou o investimento público na produção de vacinas no Brasil
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Para entender a nossa capacidade de produzir imunizantes em condições de excelência, nas instituições públicas como o Instituto Butantan e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), é preciso voltar no tempo. Nos anos 1980, a saída do Brasil de um laboratório particular que produzia a maior parte dos imunobiológicos utilizados deixou clara a dependência da iniciativa privada para garantir a vacinação dos brasileiros. O cenário motivou a criação do Programa de Auto-Suficiência Nacional em Imunobiológicos (Pasni), que mudaria a forma como o País atende às altas demandas para as campanhas nacionais de imunização dali em diante.

Essa história teve início ainda em 1973, logo após a erradicação da varíola no Brasil, com a criação do Programa Nacional de Imunizações (PNI), uma das maiores iniciativas do mundo destinadas à vacinação. O programa foi institucionalizado dois anos depois, em 1975, por meio da Lei nº 6.259. Na época, foi um marco no empenho do poder público em ampliar a proteção dos brasileiros contra os agentes infecciosos.

Alguns anos depois, em 1981, o País deu mais um passo nesse sentido com a criação do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS), vinculado à Fiocruz, que passou a aplicar normas mais rígidas para fortalecer o controle de qualidade dos imunobiológicos que chegariam até a população. Embora celebrada pelos especialistas, a fundação do INCQS levou a uma crise no fornecimento de vacinas e soros no Brasil.

Isso porque a maioria das unidades utilizadas no Brasil eram fabricadas por uma multinacional privada chamada Sintex, que teve linhas de produção fechadas pelos órgãos públicos durante a fiscalização sanitária. Em vez de adaptar a cadeia produtiva às exigências da época, o laboratório preferiu deixar o País, o que evidenciou a dependência da iniciativa privada no setor.

“Ficamos sem imunobiológicos nesse período, principalmente soros antiofídicos. E soros são uma coisa que você não consegue comprar de outro país, pois tem uma especificidade relativa às serpentes, que são muito locais. E os produzidos aqui não tinham qualidade. O setor privado – que era o responsável, já que o principal produtor na época era a Sintex – simplesmente decidiu não mais produzir porque não valia a pena fazer adequação da planta, devido ao alto custo”, explica o pesquisador do Núcleo de Vacinas do Butantan Paulo Lee Ho, ex-diretor da Divisão de Desenvolvimento Tecnológico e Produção do instituto.

Para contornar a necessidade de importação dos imunobiológicos, em 1985 o Ministério da Saúde decidiu investir de forma pesada na produção nacional de imunizantes e soros. Com isso, foi criado o Programa de Auto-Suficiência Nacional em Imunobiológicos (Pasni), que direcionou financiamento para alavancar a capacidade produtiva do Butantan e da Fiocruz, além de outros laboratórios menores, como a Fundação Ataulfo de Paiva, no Rio de Janeiro, que era o único produtor nacional da vacina da BCG, mas recentemente teve a produção suspensa por falta de readequações.

O Pasni foi o responsável por levar o País, com o tempo, a dominar a produção de imunizantes e de fato deixar de depender da importação de outros lugares. Nos últimos dez anos, por exemplo, mesmo com uso de tecnologia e alguns insumos estrangeiros, a maior parte das vacinas entregues ao PNI foi fabricada no Butantan e na Fiocruz. Além disso, em meio à pandemia da covid-19, foram eles também os responsáveis por garantir a fabricação nacional de importantes vacinas utilizadas na campanha, a CoronaVac e a ChAdOx1-S (Oxford/AstraZeneca), que teve o ingrediente farmacêutico ativo (IFA) licenciado e, desde fevereiro já é completamente fabricado em Manguinhos. [1]

[1] Texto de Bernardo Yoneshigue, Júnior Moreira Bordalo e Milena Hildete, com supervisão e edição de Luiza Caires.

Como citar este texto: Jornal da USP. Caso Sintex: como a saída de uma empresa privada impulsionou o investimento público na produção de vacinas no Brasil.  Texto de Bernardo Yoneshigue, Júnior Moreira Bordalo e Milena Hildete. Saense. https://saense.com.br/2022/11/caso-sintex-como-a-saida-de-uma-empresa-privada-impulsionou-o-investimento-publico-na-producao-de-vacinas-no-brasil/. Publicado em 21 de novembro (2022).

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