Claudio Macedo
30/03/2023

A alfabetização interrompida
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Nos primeiros dois anos de vida, todas as crianças saudáveis aprendem a falar, expressando sentimentos e opiniões na língua materna. Nos anos seguintes elas apenas evoluem no domínio dessa habilidade humana.

Entre os seis e sete anos, novamente durante dois anos, o esperado é que todas essas crianças, que aprenderam a falar nos dois primeiros anos de vida, aprendam a ler e escrever, isto é, sejam alfabetizadas.

Infelizmente, não é isso o que tem acontecido com grande parte das crianças brasileiras. Nossas escolas dos Anos Iniciais têm falhado na missão mais importante: alfabetizar plenamente todas as crianças até o final do 2º ano, isto é, até os sete anos de idade.

O fato é que um percentual enorme dos alunos termina o 2º ano com alfabetização incompleta. Podemos dizer que essas crianças têm a “alfabetização interrompida”, pois não é previsto nos currículos escolares a alfabetização de alunos a partir do 3º ano. Esses estudantes com alfabetização incompleta seguem seus percursos escolares com grande dificuldade, pois não entendem adequadamente os textos didáticos. Cada um deles é permanentemente candidato a ser reprovado e a abandonar a escola.

Nos anos de 2019 e 2021 o SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica) do INEP/MEC realizou avaliações sobre a alfabetização das crianças brasileiras ao final do 2º ano dos Anos Iniciais. As avaliações procuraram aferir habilidades em língua portuguesa tais como: ler e escrever palavras, ler frases, localizar informações explícitas em textos e escrever textos.

Os resultados das avaliações foram apresentados utilizando-se uma escala de proficiência de 8 níveis. O aluno que aparece em nível 1 significa que só possui noções de leitura de sílabas e palavras. As habilidades esperadas aumentam com os níveis até chegar ao nível 8, que é a situação ideal.

No nível 5 da escala de proficiência, por exemplo, é esperado que o aluno seja capaz de localizar informação explícita em texto curto, como bilhete, crônica, cartaz, tirinha; e escrever, de forma ortográfica, palavras trissílabas com sílabas canônicas a partir de ditado. Diante disso, entendemos que crianças que possuam as habilidades descritas no nível 5 ou superior já podem seguir um percurso escolar sem sobressaltos. Assim, no que segue, vamos considerar esses alunos como sendo “estudantes do 2º ano em níveis aceitáveis de alfabetização”.

O que o SAEB mostrou foi que os estudantes brasileiros em níveis aceitáveis de alfabetização, isto é, estudantes com as habilidades em níveis 5 a 8 da escala de proficiência em Língua Portuguesa, totalizaram, em 2019, 54,8%, e em 2021, esse contingente foi reduzido para 38,8%. O percentual de 54,8% é muito ruim, significa que apenas um pouco mais da metade dessas crianças pode ter um bom percurso escolar. O percentual bem pior de 2021, 38,8%, foi efeito da pandemia. Afinal, não é factível alfabetizar a distância.

Os estados brasileiros que apresentaram melhor desempenho no percentual de estudantes em níveis aceitáveis de alfabetização em 2019 foram Ceará (68%), Santa Catarina (66%) e Rio Grande do Sul (65%), e, em 2021, sobressaíram Santa Catarina (57,2%), Espírito Santo (48,9%) e Distrito Federal (47,0%).

O estado de Sergipe apareceu, em 2019, com 39,0% de estudantes em níveis aceitáveis de alfabetização, e, em 2021, reduziu o percentual para 27,7%, significando que menos de um terço das nossas crianças foram habilitadas em 2021 a seguir um bom percurso escolar.

Esses percentuais muito ruins de estudantes em níveis aceitáveis de alfabetização que as escolas de todo o país apresentam, mostram claramente um fracasso. Ao não alfabetizar adequadamente, as escolas não podem cumprir a missão de educar plenamente os nossos jovens. É imperioso alfabetizar as crianças na idade certa, isto é, até os sete anos de idade. Sem isso, não ocorrerá a tão sonhada “educação de boa qualidade” em nosso país. [2]

[1] Imagem: Jonas Banhos / Flickr, CC BY-NC-ND 2.0

[2] Artigo relacionado: Claudio Macedo.  A distorção do atraso escolar. Saense. https://saense.com.br/2023/03/a-distorcao-do-atraso-escolar/. Publicado em 14 de março (2023)

Como citar este artigo: Claudio Macedo. A alfabetização interrompida. Saense. https://saense.com.br/2023/03/a-alfabetizacao-interrompida/. Publicado em 30 de março (2023).

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