Jornal da USP
22/06/2023

Onde há pobreza e falta de políticas de proteção, tubarões somem e arraias predominam
Tubarão-lixa – Foto: Wikimedia Commons

Um extenso estudo detalhou ameaças a comunidades de tubarões que habitam recifes de corais ao redor do mundo. O artigo, assinado por 120 pesquisadores de 48 países e territórios, foi publicado na revista Science revelando os prejuízos da captura desenfreada e da poluição das águas a essas espécies. Os cientistas correlacionaram esse impacto a regiões onde há poucas políticas governamentais de conservação e conscientização. 

Ainda que os animais às vezes despertem medo – na maior parte das vezes injustificado, já que o ser humano não é visado como presa deles em situações normais – a manutenção dos tubarões é uma importante fonte de renda para milhões de pessoas no mundo. A preservação desses peixes no topo da cadeia alimentar é essencial para o turismo ecológico, gerando empregos nas mais diversas áreas da economia. E é muito mais lucrativa que a simples pesca.

A presença massiva de arraias é um índice de perturbação ecológica nos recifes de corais. Na falta de tubarões, a população desses predadores intermediários aumenta descontroladamente e consome todos os recursos primários. Os acidentes com tubarões e pessoas são fruto do próprio desequilíbrio ambiental, uma vez que os humanos não são presas interessantes para esses peixes. Além da pesca intensiva, a degradação da qualidade da água e as mudanças climáticas também colocam em risco os ecossistemas dos recifes de corais.

“Com a quebra desse balanço ecológico, outras espécies começam a desaparecer. Além disso, os tubarões controlam a proliferação de doenças, porque os indivíduos mais velhos e mais doentes acabam sendo consumidos”, explica o pesquisador Hudson Tercio Pinheiro, do Centro de Biologia Marinha (Cebimar) da USP, que fez parte do time de cientistas do estudo.

A pesquisa relaciona as comunidades de arraias e tubarões de 391 recifes de corais às características dos governos e das populações locais. Para isso, os pesquisadores percorreram 67 países e territórios usando 22.756 estações de vídeo com iscas operadas remotamente conhecidas como Bruvs (baited remote underwater video). Foi registrada uma redução no número de tubarões em todo o planeta, que varia entre 60% e 73% (veja quadro abaixo).

De acordo com os dados coletados, as comunidades dominadas por tubarões tendem a persistir próximas aos corais em países com mais medidas de proteção ambiental e maior nível socioeconômico, enquanto a predominância de arraias está relacionada às regiões pobres, onde a pesca não é controlada. Embora haja diferenças significativas, as arraias pertencem à mesma subclasse de peixes cartilaginosos que os tubarões, os elasmobrânquios.

As espécies de tubarões mais importantes no Atlântico são o tubarão-recifal-caribenho e o tubarão-lixa, conhecido também como cação-lixa, que é o mais ameaçado no Brasil. O recifal-caribenho é mais frequentemente visto no arquipélago de Fernando de Noronha, onde a preservação é mais eficaz por se tratar de um santuário ecológico protegido por lei.

O Brasil é referência para o estudo de tubarões. Hudson Pinheiro atuou com outros pesquisadores brasileiros em diferentes pontos da costa, que vão do Norte ao Sudeste do País, passando pelas ilhas oceânicas. “Os resultados gerais desse projeto de uma escala global podem ser aplicados aqui, principalmente porque o Brasil é um país continental com diferentes ambientes, alguns mais isolados e protegidos e alguns desprotegidos e mais pescados”, conta o ecólogo ao Jornal da USP.

Entre os países que mais preservam os sistemas de corais estão as ilhas oceânicas como Palau e Bahamas, com enfoque muito grande no turismo. Regiões com alta poluição e grande número de pessoas que dependem de recursos naturais devido à pobreza são as mais afetadas.

Nem tudo está perdido

Outras pesquisas, mencionadas no artigo, apontam que as populações de tubarões podem ser recuperadas em menos de uma década caso medidas de preservação sejam implementadas. Além de serem fundamentais para o turismo, essas políticas são essenciais também para a continuidade da pesca, uma vez que a extinção das espécies inviabiliza até mesmo a pesca de subsistência.

Mais informações: e-mail htpinheiro@usp.br, com Hudson Tercio Pinheiro. [1], [2]

[1] Texto de Ivan Conterno.

[2] Publicação original: https://jornal.usp.br/ciencias/onde-ha-pobreza-e-falta-de-politicas-de-protecao-tubaroes-somem-e-arraias-predominam/.

Como citar este texto: Jornal da USP. Onde há pobreza e falta de políticas de proteção, tubarões somem e arraias predominam.  Texto de Ivan Conterno. Saense. https://saense.com.br/2023/06/onde-ha-pobreza-e-falta-de-politicas-de-protecao-tubaroes-somem-e-arraias-predominam/. Publicado em 22 de junho (2023).

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