Embrapa
12/01/2024

Inteligência artificial identifica plantas doentes simulando processos cerebrais
Equipamento capta e simula sinais cerebrais para detectar doenças em plantas por meio de inteligência artificial (IA). Foto: C Godoy

O equipamento que permite a captura e simulação de ondas cerebrais começou a ser testado no Brasil em 2022 para detectar doenças em estágio inicial nas lavouras de soja por meio de inteligência artificial (IA). O trabalho é feito a partir de uma parceria entre a Embrapa e as empresas Macnica AQS e InnerEye ; este último desenvolveu o BrainTech, equipamento que capta os sinais neurais de especialistas por meio de um capacete com eletrodos, em um processo que lembra um eletroencefalograma (EEG). O sistema então simula como funciona o cérebro quando os especialistas veem imagens de plantas doentes, automatizando e tornando a etapa de rotulagem mais rápida e eficiente. Com isso, os pesquisadores esperam acelerar a tomada de decisões, e assim reduzir perdas nos empreendimentos rurais e racionalizar o uso dos recursos naturais.

“Trata-se de uma iniciativa pioneira da Embrapa que conta com a tecnologia disruptiva BrainTech, trazida com exclusividade pela Macnica AQS para o Brasil. Ao associar sinais neurais de EEG e IA, é possível criar uma máquina que imite o cérebro humano com alta confiabilidade”, observa Fabrício Petrassem, gerente de Soluções DHW IoT & AI da Macnica. 

Os testes e validação do sistema contaram com a participação do desenvolvedor Yonatan Meir, da InnerEye, que veio de Israel em agosto especialmente para esse fim. “Ao capturar ondas cerebrais, a solução da InnerEye pode identificar o julgamento e a classificação de uma imagem por uma pessoa, permitindo que essa imagem seja rotulada automática e imediatamente”, explica Meir.

O sistema já é utilizado em aeroportos europeus para identificar objetos perigosos em malas. Em 2019, a Macnica DHW procurou a Embrapa como parceira para explorar a tecnologia no setor agrícola, com novas possíveis aplicações. A primeira foi a detecção precoce de doenças em plantas, cujos experimentos começaram em abril de 2022. 

O experimento

“As ferramentas de IA evoluíram muito e, com dados de boa qualidade, podem resolver praticamente qualquer problema”, afirma  Jayme Barbedo ,  pesquisador  da Embrapa Agricultura Digital , que lidera o projeto ao lado da Embrapa. O desafio, segundo ele, é obter esses “dados de qualidade”, que precisam ser não apenas coletados, mas também rotulados por especialistas. Um processo caro e demorado no qual o equipamento vai ajudar.

Os primeiros resultados do experimento foram positivos, pois o equipamento ajudou a identificar, com alta precisão, (oídio e ferrugem da soja) folhas infectadas e saudáveis. Agora o projeto irá além da detecção de plantas doentes/não doentes e avançará na identificação do tipo de doença presente na plantação de soja, começando pelas mais significativas comercialmente. A inclusão das culturas de milho e café nos experimentos também está sendo negociada com os respectivos centros de pesquisa da Embrapa. 

Em abril, o equipamento foi trazido ao Brasil para a sede da Macnica DHW, multinacional japonesa localizada em Florianópolis, SC. Lá montaram a estrutura do experimento de captação das ondas cerebrais dos fitopatologistas  Cláudia Godoy e  Rafael Soares  (foto à esquerda), da  Embrapa Soja . Ambos avaliaram cerca de 1.500 imagens de folhas doentes e saudáveis ​​em testes com o capacete coletor.

A etapa de prova de conceito mostrou que os modelos gerados a partir dos eletroencefalogramas dos especialistas conseguem lidar bem com as imagens, o que permite treinar a máquina para identificar plantas doentes. “A combinação das imagens rotuladas – doentes/saudáveis ​​– com os sinais cerebrais dos especialistas resultou na melhoria do desempenho do modelo, apontando para a viabilidade do uso de IA”, destaca Barbedo.

Inteligência artificial

Área de investigação que visa conceber, desenvolver, aplicar e avaliar métodos e técnicas para criar sistemas inteligentes capazes de adquirir e integrar por si conhecimentos sobre o domínio em que operam, de forma a melhorar progressivamente o seu desempenho para atingir os seus objetivos.

Primeiras impressões

“O experimento foi muito interessante, pois o sistema aprende a identificar imagens de licenças médicas por meio de uma contagem feita silenciosamente, identificando ondas cerebrais ao visualizar as fotos de folhas doentes e saudáveis, que são rapidamente mostradas na tela do computador”, relata Cláudia Godoy. (foto acima). “Com a evolução do treinamento artificial, tais tecnologias de reconhecimento podem ser utilizadas por pessoas que não têm muito conhecimento sobre doenças e auxiliam no manejo”, detalha.

Segundo Soares, duas doenças foram escolhidas para esse experimento: a ferrugem asiática, doença economicamente mais importante que afeta a cultura, e o oídio, relevante no Sul do Brasil. “Essas doenças foram escolhidas não só pelo impacto que geram para o cultivo da soja, mas também porque causam dois tipos distintos de sintomas foliares na planta; além disso, houve disponibilidade adequada de imagens para avaliação”, explica Soares.

Para o pesquisador, o aprimoramento das ferramentas de manejo de doenças da soja é relevante porque “detectar e diagnosticar doenças é uma das maiores dificuldades no manejo da cultura, e tecnologias inovadoras que agreguem informações a tais práticas são desejáveis ​​e necessárias”, ressalta.

Ferrugem asiática custa mais de US$ 2 bilhões por safra no Brasil

Desde sua introdução no Brasil em 2001, a ferrugem asiática da soja (foto à direita) , causada pelo fungo  Phakopsora pachyrhizi , tem sido a doença mais grave das culturas, podendo levar a perdas de até 80% se não controlada. Segundo levantamentos do Consórcio Antiferrugem, os custos com a doença ultrapassam US$ 2 bilhões por safra no Brasil, considerando a aquisição de fungicidas e as perdas de produtividade que ela causa.

As estratégias de manejo estão focadas em práticas como a ruptura sanitária, que é o período de pelo menos 90 dias em que os campos ficam sem plantas vivas de soja para reduzir a infestação por fungos. As estratégias de controle também incluem a utilização de cultivares de ciclo precoce e a semeadura no início da safra recomendada, a adoção de cultivares resistentes, o cumprimento do calendário de semeadura e o uso de fungicidas.

O fungo  P. pachyrhizi  apresenta atualmente mutações que lhe conferem resistência aos três principais grupos de fungicidas sítio-específicos, e novas mutações podem ser selecionadas ao longo do tempo. “O fungo causador da doença pode se adaptar a algumas estratégias de controle, seja pela perda de sensibilidade aos fungicidas, seja pela ‘quebra’ da resistência genética das cultivares de soja”, explica Cláudia Godoy.

Portanto, a recomendação da Embrapa é que os agricultores adotem as estratégias de manejo disponíveis para preservar os fungicidas e cultivares disponíveis. “Quando utilizadas de forma combinada, todas essas estratégias têm permitido um manejo adequado da doença”, afirma Godoy.

O oídio pode causar perdas de até 35%

Embora o oídio não tenha o mesmo impacto económico que a ferrugem asiática da soja, há relatos de perdas de produtividade que variam entre 10% e 35%. A doença é causada pelo fungo  Erysiphe diffusa , que causa uma fina cobertura esbranquiçada seja em pequenas manchas ou em toda a porção aérea da planta, principalmente nas folhas. Em infecções graves, as folhas podem secar e cair prematuramente. 

A doença é favorecida por períodos de baixa umidade e temperaturas amenas (18°C a 24°C), sendo mais comum na região Sul do Brasil, em altitudes mais elevadas com semeadura tardia, devido à maior favorabilidade climática. “As estratégias de controle da doença envolvem o uso de cultivares resistentes e o controle químico”, informa o pesquisador  Rafael Soares  .

Como funciona a tecnologia BrainTech

O sistema “imita” o funcionamento do cérebro dos especialistas ao visualizar imagens de plantas doentes, automatizando e tornando a etapa de rotulagem mais rápida e eficiente. A ideia é simular o mais fielmente possível o processo cerebral de um especialista quando ele identifica algo ou toma uma decisão, como foi feito com os fitopatologistas.

O primeiro passo é calibrar o modelo ajustando um capacete com eletrodos na cabeça do especialista para identificar suas ondas cerebrais. “Cada pessoa tem um padrão cerebral diferente, ou seja, os sinais elétricos cerebrais são diferentes de pessoa para pessoa. Portanto, é necessário fazer a calibração de cada pessoa para que o modelo entenda o que ela está pensando”, explica Barbedo.

Depois que o sistema “aprende” como a pessoa trabalha, começa o processo de rotulagem do banco de dados. Os especialistas são orientados a numerar (1, 2, 3…) as licenças médicas ao vê-las na tela, que mostra três imagens por segundo. O sistema capta as ondas cerebrais emitidas a cada novo estímulo, que são diferentes quando uma folha saudável é vista.

Segundo o líder do projeto, o processo de contagem não é obrigatório, mas reforça os sinais cerebrais, facilitando a diferenciação entre doentes e saudáveis. O sistema permite a visualização de até dez imagens por segundo.

Confiabilidade dos resultados

Com duração média de meia hora, em cada sessão foi possível rotular mais de mil imagens, tarefa que levaria dias em um sistema manual. Além do ganho de velocidade no processo de etiquetagem, Barbedo destaca a confiabilidade do sistema, “que possui mecanismos para corrigir possíveis erros, tornando o modelo treinado mais confiável”.

Por meio de sinais neurais, o sistema consegue identificar se o especialista piscou ou perdeu a atenção no processo de visualização da sequência de imagens. Nesses casos, o sistema descarta o resultado e reintroduz a imagem posteriormente. O sistema BrainTech gera uma curva de atenção indicativa e pausa o experimento para uma pausa quando ele cai a um nível crítico para a confiabilidade dos resultados.

Além disso, o sistema pode detectar o nível de certeza do especialista ao visualizar a imagem, o que é chamado de soft label. A utilização deste parâmetro permite uma melhor calibração do modelo de acordo com o nível de experiência de cada especialista; consequentemente, isso traz maior precisão na decisão do modelo de IA. 

Aplicações na agricultura

A tecnologia abre diversas possibilidades de aplicação no setor agrícola. Os modelos treinados poderiam ser incorporados em equipamentos agrícolas ou aplicativos de celulares e atuar em áreas onde há escassez de mão de obra especializada. 

A aplicação mais racional de agrotóxicos, com menos custos econômicos e menor impacto ambiental, e uma produção de alimentos mais limpa e sustentável seriam possíveis com modelos treinados e construídos em máquinas, que identificariam a necessidade de aplicação de agrotóxicos ao passarem pelas linhas de produção, em em tempo real e em parcelas específicas. 
“Incorporar este modelo em um aplicativo agilizaria a tomada de decisão dos agricultores quando doenças e sintomas de patologias fossem identificados, acelerando a adoção das medidas necessárias”, afirma Barbedo.

O pesquisador aponta ainda a relevância do uso da tecnologia na rotação de pastagens para gado leiteiro, área onde falta especialistas. A escolha das parcelas mais adequadas para maximizar a produção de leite é feita por um técnico experiente em identificar a melhor localização e a quantidade ideal de animais. “O sistema poderia simular a ação desse especialista para afirmar uma localização. A maioria das propriedades não tem alguém com essa expertise”, finaliza. [1], [2]

[1] Texto de Valéria Cristina Costa

[2] Publicação original: https://www.embrapa.br/en/busca-de-noticias/-/noticia/78204383/inteligencia-artificial-identifica-plantas-doentes-simulando-processo-cerebral

Como citar este texto: Embrapa. Inteligência artificial identifica plantas doentes simulando processos cerebrais. Texto de Valéria Cristina Costa. Saense . https://saense.com.br/2024/01/inteligencia-artificial-identifica-plantas-doentes-simulando-processos-cerebrais/. Publicado em 12 de janeiro (2024).

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