Josué Modesto dos Passos Subrinho
04/04/2024

Foto: Suami Dias/GOVBA

A recente divulgação da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílio (PNAD), pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), abordando a educação, nos proporciona um olhar sobre as suas diversas facetas. A forma de apresentação dos dados permite comparações rápidas e fáceis acerca da evolução do Brasil, de suas regiões e unidades da federação, bem como de distintos ângulos, a exemplo de raça, gênero, faixa etária etc.

Apresentaremos apenas uns poucos exemplos, privilegiando Sergipe, em virtude de nossa vinculação ao estado.

O número médio de anos de estudos da população brasileira acima dos quinze anos de idade é baixo, mas vem apresentando no período recente crescimento consistente, ainda que em velocidade insuficiente. Sob o aspecto da distribuição regional, há que se registrar o fato positivo de que alguns estados que apresentam números de anos de escolarização média maior do que a média brasileira, a exemplo de São Paulo e Rio Grande do Sul, no período em análise, tiveram crescimento menor que a média. De fato, o crescimento nos anos de estudos tem sido mais expressivo nos estados da Região Nordeste, onde as médias continuam abaixo da nacional. Esta distribuição das taxas de crescimento entre as unidades da federação possibilita uma convergência para a média nacional contribuindo para o alcance de um dos aspectos da equidade: as disparidades regionais [1].

Sergipe apresentou um crescimento nos anos de estudos das pessoas com 15 anos ou mais de idade, entre 2016 e 2023, de 10,8%, conforme o quadro 1, acima da média nacional, mas abaixo do crescimento apresentado pelos estados nordestinos com melhor desempenho, os quais estão se aproximando do número de Sergipe.

Um dos aspectos da desigualdade racial no Brasil é o menor acesso às oportunidades educacionais da população preta ou parda quando comparada com a população branca. O número médio de anos de estudos das pessoas com 15 anos ou mais de idade é uma das formas de expressar essa desigualdade. No Brasil como um todo, em 2016, a população branca tinha em média 10,3 anos de estudos enquanto a população preta ou parda tinha 8,6 anos de estudos. Os dois segmentos de raça/cor tiveram incremento no número médio de anos de estudos, em 2023, para 10,9 e 9,5 anos de estudos, respectivamente, conforme pode ser visto no Quadro 2. Um aspecto positivo a ser registrado é que, nacionalmente, o crescimento nos anos médios de estudos da população preta ou parda, no período analisado, (10,5%) foi significativamente maior que o da população branca (5,8%). Mantida ou ampliada essa diferença nas taxas de crescimento, será atingido um dos indicadores da meta de equidade – a igualdade nos anos de estudos da população recortada pelo critério raça/cor [2].

Em Sergipe, no período analisado, tanto a população branca quanto a população preta ou parda tiveram crescimento nos anos de estudos acima da média nacional. De forma análoga ao ocorrido nacionalmente, o crescimento dos anos de estudos da população preta ou parda (11,1%) foi significativamente maior do que o da população branca (7,9%). Alagoas e Santa Catarina foram os estados com os maiores crescimentos dos anos de estudos da população preta ou parda, 18,1% e 15,9%, respectivamente. Em alguns estados, entretanto, o crescimento dos anos de estudos da população branca foi maior do que o da população preta ou parda.

Não dispomos dos dados da PNAD Educação referente aos anos de 2020 e 2021, nos quais os efeitos da pandemia da COVID 19 foram mais intensos e provocaram a suspensão das atividades escolares presenciais em boa parte das escolas do País e, também, das pesquisas nos domicílios sob a responsabilidade do IBGE. As pesquisas dos anos de 2022 e 2023 foram as primeiras a captarem os efeitos da suspensão das atividades presenciais sobre a educação brasileira. O ano de 2019 fornece um retrato anterior aos impactos da pandemia e o recuo para o ano de 2016 permite ilustrar as tendências que vinham se verificando.

Conforme pode ser visto no quadro 3, para o Brasil como um todo, entre 2016 e 2019, a tendência de aumento no percentual de crianças e jovens a frequentarem as etapas da Educação Básica e do Ensino Superior na idade ideal se consolidava. Especialmente notável era a tendência de universalizar a frequência na idade ideal das crianças matriculadas nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Esta é a etapa da Educação Básica com os avanços na aprendizagem mais dispersos pelo País, não obstante a permanência de regiões e segmentos sociais com índices de aprendizagem ainda muito baixos. Nos Anos Finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio os baixos índices de aprendizagem, combinados com altas taxas de reprovação, de abandono e evasão escolar provocam a queda nas taxas de frequência líquida por faixa etária ideal. Ressalte-se, entretanto, o incremento relativo dessas taxas em todas as etapas da Educação Básica e do Ensino Superior.

As pesquisas pós pandemia captaram os efeitos paradoxais sobre as taxas líquidas de frequência nas diversas etapas da Educação Básica e Ensino Superior. Nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental houve uma redução significativa da taxa líquida de frequência. Uma possível explicação é a recusa de parte das famílias de matricular as crianças na pré-escola, nos anos de 2020 e 2021, provocado atraso em relação à idade ideal na matrícula e frequência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental [3]. Por outro lado, a adoção generalizada da aprovação automática dos estudantes matriculados, nos anos citados, melhorou sensivelmente o fluxo escolar, elevando o percentual dos estudantes com idade ideal frequentando os Anos Finais do Ensino Fundamental, do Ensino Médio e do Ensino Superior.

Em Sergipe, conforme pode ser visto no quadro 4, nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental se observou uma tendência análoga à nacional, isto é, redução da taxa líquida de frequência. Enquanto no nível nacional a redução entre 2019 e 2022 foi de 3,7 pontos percentuais, em Sergipe, no mesmo período, a redução foi de 1,2 ponto percentual. No ano seguinte, 2023, a redução da taxa líquida de frequência continuou em relação ao ano anterior, para o Brasil como um todo de 1,1% e, em Sergipe, de 2,7%.

Esse ponto merece atenção, se a tendência acima observada não for revertida a defasagem idade-série começará a tomar forma relevante nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Nos estados e nos municípios onde ainda prevalece uma forte cultura da reprovação escolar, a defasagem idade-série começa a se manifestar fortemente após o terceiro ano do Ensino Fundamental, se esta tendência for acrescida a uma recém gerada de ingresso tardio no Ensino Fundamental, teremos uma nova fonte ampliada de perpetuação e agravamento da defasagem idade-série. Uma observação mais meticulosa dos microdados será necessária para fundamentar uma política de reversão dessa nova distorção.

Nos Anos Finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio, em Sergipe, se observou a mesma tendência nacional de aumento da taxa líquida de frequência na faixa etária ideal, mas de forma mais intensa do que a média nacional. Assim, enquanto no Brasil como um todo, a taxa líquida de frequência na faixa etária ideal cresceu, entre 2019 e 2022, 2,1 pontos percentuais, em Sergipe, no mesmo período, o crescimento foi de 8,6 pontos percentuais. Esta excepcional melhoria no fluxo educacional parece estar sendo revertida, como podemos observar pelos dados referentes ao ano de 2023. Para o Brasil como um todo houve uma redução na taxa ajustada de frequência líquida de 0,3 pontos percentuais e em Sergipe, no mesmo ano, de 1,8 ponto percentual.

O impacto da temporária e excepcional política de aprovação automática dos estudantes adotada no período da pandemia foi mais forte ainda sobre a taxa ajustada de frequência líquida no Ensino Médio. Para o Brasil o aumento foi de 3,9 pontos percentuais, entre 2019 e 2022, e para Sergipe, no mesmo período, o aumento foi de impressionantes 19,8 pontos percentuais. Os dados do ano de 2023 comprovam, novamente, um arrefecimento dos efeitos sobre a taxa líquida de frequência da faixa etária ideal. Para o Brasil o recuo no ano de 2023, em relação ao ano anterior foi de 0,2 pontos percentuais e para Sergipe de 1,4 pontos percentuais.

Em síntese, tanto nacionalmente quanto em Sergipe se observaram dois fenômenos distintos em relação à taxa ajustada líquida de frequência por faixa etária ideal por curso frequentado. Nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, a não matrícula de parte das crianças na Educação Infantil, durante os anos de 2020 e 2021, provocou um retardamento do ingresso no Ensino Fundamental e, consequentemente a redução da taxa de frequência na idade ideal para essa etapa. Nos Anos Finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio, pelo contrário. A adoção em larga escala da aprovação automática dos matriculados melhorou o fluxo escolar e, consequentemente levou a um aumento da taxa de frequência na idade ideal. Há indícios, a partir dos dados da matrícula no ano de 2023, que estamos passando por uma “normalização” das práticas pedagógicas que em muitas de nossas redes significa utilizar a reprovação como estratégia de suposto estímulo à aprendizagem. Não obstante não haver suporte na literatura especializada e em dados, esta é uma crença prevalente entre as professoras, professores e dirigentes educacionais no Brasil. São dois problemas que acreditamos merecem a atenção urgente das autoridades educacionais: a antecipação dos programas de correção de fluxo para os primeiros anos do Ensino Fundamental, tendo em vista o novo ingresso tardio no Ensino Fundamental e o combate a sempiterna pedagogia da reprovação que precisa ser substituída pela garantia do direito à aprendizagem de todos e todas [4].

É sempre importante indagar sobre os impactos das crises sociais sobre os diferentes segmentos de raça/cor no Brasil. Felizmente a PNAD captou os dados de forma a contemplar essa abordagem, conforme os dados abaixo:

Quanto ao Brasil, conforme o quadro 5, no ano de 2016, a tendência era de consolidar predominância absoluta de frequência líquida da faixa etária ideal (6 a 10 anos) nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. O interessante é que a diferença entre as taxas líquidas de frequência das crianças brancas e pretas ou pardas era muito reduzida, apenas 0,1 ponto percentual. Em 2023, pelas razões já expostas, a taxa ajustada de frequência escolar líquida na faixa etária ideal foi reduzida, tanto para a população branca quanto para a população preta ou parda. Registre-se que a taxa da população preta ou parda ficou ligeiramente acima da taxa da população branca. 

Nos Anos Finais do Ensino Fundamental, conforme já mencionado, a taxa ajustada de frequência escolar líquida da faixa etária ideal melhorou entre os anos 2016 e 2023. O recorte por cor/raça confirma a mesma tendência, para o Brasil. Para os jovens brancos de 11 a 14 anos a evolução foi de 2,4 pontos percentuais enquanto para os jovens pretos ou pardos o crescimento foi de 5,8 pontos percentuais. Mais expressivo ainda foi o crescimento das taxas referentes ao Ensino Médio. Para os adolescentes brancos de 15 a 17 anos o crescimento foi de 4,5 pontos percentuais e para os pretos ou pardos o crescimento foi de 8,4 pontos percentuais.

Vejamos se em Sergipe se repete a situação verificada no Brasil como um todo.

Em 2016, em Sergipe, havia uma diferença de 1,7 ponto percentual entre as crianças brancas e pretas ou pardas na taxa ajustada de líquida de frequência escolar nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, contrastando com a diferença pouco significativa que se verificava no Brasil, no mesmo ano. Em 2023, de forma semelhante ao acorrido no País, como um todo, há uma redução na taxa líquida de frequência, de 6,1 pontos percentuais para as crianças brancas e de 4,4 pontos percentuais para as crianças pretas ou pardas. Esse comportamento diferente dos responsáveis pela frequência de crianças no âmbito das raças/cores levou a uma inversão de posições. No ano de 2023, as crianças pretas ou pardas tinham percentual de frequência líquida na idade ideal acima das crianças brancas, embora para ambos os casos tenha havido retrocesso nos percentuais de frequência líquida na idade ideal.

Nos Anos Finais do Ensino Fundamental, de forma análoga ao que se verificou no Brasil como um todo, houve, em Sergipe, entre 2016 e 2023, um crescimento de 10,4 pontos percentuais na taxa de frequência líquida dos jovens brancos e de 11,6 pontos percentuais dos jovens pretos ou pardos.

No Ensino Médio, em Sergipe, entre 2016 e 2023, a evolução nas taxas de frequência líquida foi ainda mais impressionante. Para os adolescentes brancos o crescimento foi de 22,5 pontos percentuais e para os pretos ou pardos foi de 12,6 pontos percentuais. Neste caso, não obstante a melhoria na taxa líquida de frequência líquida tanto dos brancos quanto dos pretos ou pardos, há que se ressaltar o agravamento da diferença entre os dois grupos. Enquanto 81,2% dos jovens brancos estavam frequentando o Ensino Médio na faixa etária ideal, apenas 61,6% dos pretos e pardos estavam na mesma situação. É sempre importante lembrar que a distorção idade-série aumenta a probabilidade de abandono escolar e compromete as possibilidades de acesso aos melhores postos no mercado de trabalho.

Concluindo. Os dados da PNAD Educação nos alertam para duas situações novas geradas a partir da pandemia da COVID 19 e de seus desdobramentos nos sistemas educacionais. A primeiro, um retardo no ingresso das crianças no Ensino Fundamental gerando um retrocesso nos percentuais de crianças frequentando os Anos Iniciais do Ensino Fundamental na idade ideal. Aparentemente os dirigentes educacionais estão subestimando os efeitos sobre a trajetória escolar dessas crianças, especialmente das pertencentes aos segmentos sociais mais vulneráveis. Para essas a trajetória escolar é sempre um caminho de obstáculos árduos. Muitos são reprovados e recebem mensagens cotidianas de presença indesejada ou indiferente. É muito urgente a intensificação de campanhas efetivas de busca ativa e a antecipação das iniciativas de correção de fluxo, em decorrência dessa antecipação da defasagem idade-série.

A segunda, uma melhoria dos fluxos escolares decorrentes da temporária adoção da aprovação automática dos estudantes matriculados nos anos de 2020 e 2021. A consequência foi uma sensível melhora nos percentuais de estudantes frequentando os Anos Finais do Ensino Fundamental e o Ensino Médio. As nossas escolas da Educação Básica parecem se escandalizar com a aprovação dos estudantes, mas em menor grau com a não aprendizagem dos estudantes que frequentaram as aulas. Os dados da PNAD indicam que está em andamento uma “normalização” das taxas de aprovação, reprovação, abandono e evasão dos estudantes. Colocar o direito à aprendizagem no centro das preocupações de todas as nossas escolas é um desafio renovado pelas consequências terríveis do longo fechamento delas. Aparentemente muitos confundem esse direito com um simples retorno da pedagogia da repetência. [5]

[1] A meta 8 do Plano Nacional de Educação estabelece:
”elevar a escolaridade média da população de dezoito a vinte e nove anos, de modo a alcançar, no mínimo, doze anos de estudo no último ano de vigência deste Plano, para as populações do campo, da região de menor escolaridade no país e dos vinte e cinco por cento mais pobres, e igualar a escolaridade média entre negros e não negros declarados à Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)”. Brasil. [Plano Nacional de Educação (PNE)]. Plano Nacional de Educação 2014-2024 [recurso eletrônico]: Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014, que aprova o Plano Nacional de Educação (PNE) e dá outras providências. – Brasília :Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2014. 86 p. – (Série legislação; n. 125).

[2] Números da discriminação racial: desenvolvimento humano, equidade e políticas públicas/ organização Michael França, Alysson Portela – São Paulo: Editora Jandaíra, 2023. Vide a meta 8 do PNE na nota anterior.

[3] https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2024/03/pela-primeira-vez-brasil-nao-atinge-meta-de-criancas-no-ensino-fundamental.shtml?utm_source=whatsapp&utm_medium=social&utm_campaign=compwa;
https://todospelaeducacao.org.br/noticias/pnad-continua-o-que-o-ibge-revela-sobre-a-educacao-brasileira.

[4] Sobre o retorno das taxas de reprovação aos níveis próximos ao do pré-pandemia, vide: Josué Modesto dos Passos Subrinho.  A resiliência da reprovação escolar.  Saense. https://saense.com.br/2023/06/a-resiliencia-da-reprovacao-escolar/. Publicado em 07 de junho (2023).

[5] Josué Modesto dos Passos Subrinho atualmente é Coordenador do Laboratório Manoel Bonfim. Universidade Federal de Sergipe.

Como citar este artigo: Josué Modesto dos Passos Subrinho. Um olhar sobre a educação básica sergipana. Saense. https://saense.com.br/2024/04/um-olhar-sobre-a-educacao-basica-sergipana/. Publicado em 04 de abril (2024).

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