UFRGS
11/07/2024

Música e sociedade na Europa renascentista
Ilustração: Fabio Viera/ Programa de Extensão Histórias e Práticas Artísticas, DAV-IA/UFRGS

Na Europa ocidental durante o período gótico, no que diz respeito à música, observa-se um processo de preparação para o Renascimento com o desenvolvimento da polifonia: a Igreja torna-se “permissiva” e admite a introdução de instrumentos musicais no culto. A linguagem musical, que até o momento era puramente vocal, começa lentamente a adquirir as peculiaridades da linguagem instrumental.

A crescente dependência do intervalo de terça como consonância é uma das características mais pronunciadas da música renascentista. A polifonia, usada desde o século XII, tornou-se bastante elaborada. Já durante o século XIV, o número de vozes independentes começou a aumentar. O início do século XV trouxe consigo a complexidade das texturas contrapontísticas, o que foi possível devido à grande extensão do alcance vocal na música – ao contrário da Idade Média, em que a estreita tessitura tornava necessário o cruzamento frequente das partes, dessa forma exigindo um maior contraste entre elas.

Esses elementos, entre outros, junto com o acentuado afastamento da música instrumental em relação à vocal, podem ser considerados caracterizadores do Renascimento. O contraponto pode ser visto como uma forma horizontal de pensar sobre música. J. S. Bach é considerado uma referência para a disciplina. Na imagem a seguir, é apresentado um exemplo de textura contrapontística a três vozes.

No século XIV, a burguesia, aos poucos, começa a se afirmar como uma nova classe próspera, adquirindo seu perfil característico, dado pelo desenvolvimento da economia monetária, o que permite o crescimento das cidades. Esses elementos fazem com que a Igreja e os Senhores Feudais comecem a ter que ceder espaços de poder aos ricos mercadores.

A burguesia precisava ser reconhecida pelos nobres, muitos dos quais se encontravam empobrecidos e começavam a buscar alianças estratégicas com as ricas famílias de comerciantes para não perder sua posição socioeconômica. É assim que a burguesia consegue entrar nesse complexo mapa das relações sociais no qual a Igreja detinha amplo controle.

Autores como Nieto, em seu livro publicado em 1993 “La luz, símbolo y sistema visual”, consideram que, como uma constante na evolução da história humana, a crise do sistema feudal e os primórdios do capitalismo provocam uma série de mudanças que acabam por se manifestar nas mentalidades, na cultura e na arte.

Um desses câmbios aparece na manifestação de um pensamento laico, mas não anticristão, gerado pela burguesia, que desloca o sistema feudal e as ideias teocráticas sobre o controle da vida política, econômica e cultural. Como consequência, o processo de representação simbólica do poder não aparece nas manifestações artísticas vinculadas a Deus da mesma forma que pode ser observado no século XIII.

O burguês surge como um promotor cultural, fazendo grande concorrência à Igreja. É nesse sentido que a expressão do domínio do poder se verifica ou se expressa em associação ao nome de um patrono.

A arte do século XVI começou a se transformar em cortesã, formal e protocolar, tanto assim que em Roma os papas começaram a se cercar de uma espécie de corte que adotava os mesmos valores das cortes do resto da Europa. Dessa forma, é viável supor que sua avaliação da arte seguirá a mesma linha, considerando-a um elemento de prestígio. Com cada obra de arte encomendada pelos papas, é como se eles erguessem um monumento para si mesmos, em sua própria glória, e não à de Deus.

Embora a posição que alcança a burguesia por meio do desenvolvimento monetário seja indiscutível, ela ainda precisa do reconhecimento de Deus. Mesmo imersa em uma sociedade que visa à secularização da vida, no que diz respeito aos fundamentos das estruturas ideológicas, ainda é determinada pela religião. Esse reconhecimento é observável em um jogo um tanto “ousado” com a divindade.

Os burgueses, em sua ânsia de demonstrar poder econômico, criaram cameratas instrumentais, empregando a mais variada gama de músicos e instrumentos musicais, que serviam, entre outras funções, de entretenimento para festas seculares, especialmente tocando música de dança conformando grandes conjuntos instrumentais e dando origem a um desenvolvimento de instrumentos musicais. Algo inusitado até para o século XXI.

São vários os componentes que começaram a surgir no campo da composição musical e que conduziram um processo de transição entre a música modal e a consolidação da tonalidade. As características modais (em oposição às tonais) da música renascentista começaram a se exaurir no final do período com o uso crescente de intervalos de quinta como um movimento entre as fundamentais. Desde então, esta se tornou uma das características definidoras da tonalidade. Esse caminho foi percorrido durante boa parte do Renascimento, abrindo as portas para a época do baixo contínuo. [1], [2]

[1] Texto de José Antonio Rodríguez Martínez

[2] Publicação original: https://www.ufrgs.br/jornal/musica-e-sociedade-na-europa-renascentista/

Como citar esta notícia: UFRGS. Música e sociedade na Europa renascentista. Texto de José Antonio Rodríguez Martínez. Saense. https://saense.com.br/2024/07/musica-e-sociedade-na-europa-renascentista/. Publicado em 11 de julho (2024).

Notícias científicas da UFRGS Home