UFRGS
26/07/2024
A condição atual de calamidade climática em que se encontra o estado do Rio Grande do Sul (RS) após a enchente ocorrida em maio deste ano reflete em muitos aspectos a atuação ineficiente do governo do estado com relação às políticas públicas e, acima de tudo, o desprezo com a questão climática, essa que se faz presente, atualmente de maneira mais expressiva, graças aos efeitos da globalização. A negligência climática afeta há anos o estado, justamente pelo descaso político com ações efetivas para mitigar e se adaptar às mudanças climáticas ocorridas, bem como à insuficiente resposta e preparação para desastres naturais.
Nos últimos anos, o RS tem enfrentado vários desastres naturais significativos. Em setembro de 2023, por exemplo, o estado foi atingido por uma série de tempestades severas que resultaram em inundações devastadoras, mas nada comparado ao que foi vivenciado nestes últimos meses. As chuvas intensas levaram ao transbordamento de rios, causando destruição de infraestrutura, perdas agrícolas e, infelizmente, mortes e desalojamentos de milhares de pessoas. A cheia impactou 476 dos 497 municípios do RS, afetando mais de 2,3 milhões de gaúchos.
Mais do que nunca, as políticas públicas e a legislação devem se adequar ao atual momento, investindo em infraestruturas resilientes, melhorando os sistemas de alerta precoce, desenvolvendo planos de contingência abrangentes, promovendo campanhas educacionais que informem a população sobre os riscos climáticos e as medidas de autoproteção, implementando políticas de adaptação, como a criação de áreas verdes que absorvem o excesso de água e a adoção de práticas agrícolas sustentáveis, e mobilizando recursos nacionais e internacionais para financiar projetos de mitigação e adaptação climática, bem como promover a cooperação entre diferentes níveis de governo e setores da sociedade.
Um aspecto importante a ser destacado é que a poluição plástica pode favorecer eventos climáticos como enchentes por várias razões, relacionadas principalmente à forma como os plásticos interferem nos sistemas de drenagem e nos corpos d’água. Em números, no RS, a produção plástica chega às 450 megatoneladas/ano, cerca de 8% da produção nacional, equivalente ao 2.º lugar no ranking de produtores no Brasil.
E qual a relação entre produção plástica e negligência climática? A produção de materiais que exigem fundição em seu processo, ou seja, a queima, gera gás carbônico (CO2) e monóxido de carbono (CO), gases que favorecem o aquecimento global, impactando o efeito estufa e favorecendo bruscas mudanças climáticas. Quando resíduos plásticos, como sacolas, garrafas e outros detritos, entram nos sistemas de drenagem urbanos (bueiros, esgotos pluviais, etc.), eles podem bloquear ou obstruir esses canais. Esse bloqueio impede que a água da chuva escoe corretamente, levando ao acúmulo de água em áreas urbanas e, eventualmente, causando enchentes.
Um exemplo mais palpável do descarte de resíduos plásticos e seus impactos ambientais no RS é o Rio Guaíba, há muito tempo denominado erroneamente de lago, o que favoreceu inclusive o surgimento de construções mais próximas do corpo d’água, propiciando inundações dessa região. Já foram identificadas nas águas do Guaíba, anteriormente à cheia de maio deste ano, fragmentos plásticos menores do que 5 mm, denominados microplásticos, que podem ser formados pela fragmentação de resíduos plásticos, os quais impactam diretamente na saúde humana e animal.
O aterramento do Rio Guaíba com a finalidade de povoamento da região contribuiu diretamente para que a poluição, principalmente plástica, fosse intensificada nos últimos anos, justificada pela produção de resíduos pelas diversas famílias e estabelecimentos que ali se encontram, como também pelo descarte incorreto.
Após os eventos climáticos do último mês, a cheia do Rio Guaíba atingiu diversos estabelecimentos comerciais, casas e centros de história das cidades, consequentemente carregando durante a baixa do nível centenas de materiais e resíduos de descarte. A poluição ao longo de todo o corpo hídrico que envolve o Rio Guaíba será mais expressiva a partir desses eventos, o que reforça a necessidade de alerta e preparo por parte dos serviços de água, esgoto e eletricidade das regiões afetadas, ações essas já em andamento por parte do Programa de Emergência Climática e Ambiental, que envolve os pesquisadores da UFRGS, com ações de alerta e resiliência.
Pensando nisso, e partindo das ações coletivas que temos tomado em favor da comunidade, dentro das nossas realidades e possibilidades, devemos buscar o uso e descarte consciente de resíduos, principalmente plásticos, que têm longa permanência no ambiente até a sua total degradação, adotando medidas de separação de resíduos, utilização de materiais alternativos – cerâmica, vidro, papel –, e reuso desses materiais. Além disso, cabe ressaltar a importância do voto com consciência ambiental.
Geralmente buscamos escolher nossos representantes políticos baseando-nos em ações favoráveis, sendo individuais ou coletivas, mas raramente pensamos com consciência nos impactos que o governo eleito terá no ambiente em que vivemos. Por isso, é imprescindível eleger líderes e representantes que tenham compromisso claro com as políticas ambientais e climáticas, além de participarmos de protestos, petições e outras formas de advocacia para pressionar governos e empresas a adotarem práticas mais sustentáveis. [1], [2]
[1] Texto de Júlia Melo Henrique e Andreia Neves Fernandes
[2] Publicação original: https://www.ufrgs.br/jornal/relacoes-entre-displicencia-politica-negligencia-climatica-e-poluicao-plastica/
Como citar esta notícia: UFRGS. Relações entre displicência política, negligência climática e poluição plástica. Texto de Júlia Melo Henrique e Andreia Neves Fernandes. Saense. https://saense.com.br/2024/07/relacoes-entre-displicencia-politica-negligencia-climatica-e-poluicao-plastica/. Publicado em 26 de julho (2024).