Jornal da USP
16/04/2025

Frutose de ultraprocessados em excesso pode alterar intestino, fígado e descontrolar glicose
Em testes com animais submetidos a dieta com frutose, após quatro semanas, a glicose já não era eficientemente removida do sangue e, no final do estudo, houve acúmulo de gordura no fígado, que pode evoluir para quadros mais graves, como a cirrose – Foto: Freepik

Pesquisadores da Université Laval (Ulaval), do Canadá, e do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP descobriram que o consumo excessivo de frutose, comum em dietas com alto teor de alimentos ultraprocessados, modifica a forma como o intestino responde à glicose, aumentando a absorção desse açúcar e comprometendo o controle da glicemia. Esses efeitos precedem a intolerância à glicose e o acúmulo de gordura no fígado, dois fatores ligados ao desenvolvimento do diabetes tipo 2 e da Doença Hepática Gordurosa Associada à Disfunção Metabólica (MASLD, na sigla em inglês). O artigo que descreve o estudo, High fructose rewires gut glucose sensing via glucagon-like peptide 2 to impair metabolic regulation in mice, foi capa da edição de março da revista científica Molecular Metabolism.

A pesquisa, com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), foi conduzida pelo pesquisador Paulo Evangelista Silva, doutorando do Programa de Pós-Graduação do Departamento de Biologia Funcional e Molecular do ICB, em coautoria com Eya Sellami, pesquisadora da Ulaval, e Caio Jordão Teixeira, pós-doutorando do Departamento de Fisiologia e Biofísica do ICB. O trabalho foi coordenado por Fernando Forato Anhê, professor assistente da Faculdade de Medicina da Université Laval e pesquisador do Institut Universitaire de Cardiologie et de Pneumologie de Québec (IUCPQ).

No estudo, camundongos foram alimentados durante sete semanas com uma dieta na qual 8,5% da energia vinha da frutose – proporção considerada elevada, mas ainda próxima do consumo humano médio. Em apenas três dias, os animais já apresentavam um aumento na capacidade do intestino de absorver glicose, antes mesmo do surgimento da intolerância à glicose. Após quatro semanas, a glicose já não era eficientemente removida do sangue, e ao fim do estudo, observou-se acúmulo de gordura no fígado, condição que pode evoluir para quadros mais graves, como a cirrose.

Curiosamente, mesmo com esses efeitos adversos, os camundongos não desenvolveram resistência à insulina nos músculos ou no tecido adiposo, indicando que o descontrole glicêmico inicial ocorre por alterações no intestino, e não por falha na resposta insulínica periférica. A explicação para esse fenômeno pode estar na ação de um hormônio chamado GLP-2, produzido por células do intestino. Os pesquisadores constataram que o consumo excessivo de frutose eleva os níveis circulantes de GLP-2, hormônio que estimula o crescimento da superfície intestinal e o aumento da absorção de nutrientes. Ao bloquear o receptor desse hormônio (Glp2r) com uma droga, foi possível impedir o aumento da absorção de glicose, evitando tanto a intolerância quanto o acúmulo de gordura no fígado.

Bloqueio
No entanto, a estratégia de bloqueio do Glp2r não é facilmente aplicável a humanos, pois esse mesmo receptor está envolvido na proteção da barreira intestinal contra infecções e inflamações. Isso reforça a complexidade do papel do GLP-2 na saúde metabólica. “Mostramos que o aumento da absorção de glicose pelo intestino ocorre antes da intolerância à glicose. Isso abre caminho para o uso desse mecanismo como um biomarcador precoce”, afirma o professor Anhê. “O teste de absorção intestinal de glicose é barato, seguro e já utilizado em humanos — bastaria aplicá-lo em um novo contexto.”

Uma nova fase da pesquisa, com apoio do Canadian Institutes of Health Research (CIHR), vai investigar como o microbioma intestinal pode ser manipulado para reduzir os efeitos nocivos do excesso de frutose. O pesquisador Evangelista Silva ressalta que os resultados do estudo se referem ao consumo de frutose adicionada a alimentos ultraprocessados. “Frutas in natura são ricas em fibras, que ajudam a retardar a absorção de glicose e aumentam a saciedade. Além disso, contêm nutrientes benéficos para a saúde intestinal e hepática”, explica.

A pobreza nutricional dos ultraprocessados, com baixo teor de fibras e altos níveis de açúcares adicionados – como o xarope de milho e o açúcar de cana –, sobrecarrega o organismo. Evangelista Silva recomenda priorizar alimentos in natura, conforme orienta o Guia Alimentar para a População Brasileira, desenvolvido pelo Ministério da Saúde com apoio da Opas/Brasil. O açúcar de cana-de-açúcar e o xarope de milho são exemplos de açucares ricos em frutose amplamente utilizados pela indústria em alimentos ultraprocessados.

Alimentos ultraprocessados com alta concentração de frutose incluem refrigerantes e sucos industrializados (mesmo os néctares “100% fruta”), cereais matinais e barras adoçadas, biscoitos recheados e doces industrializados, pães e bolos prontos (como bisnaguinhas e pão de forma), chás prontos e bebidas esportivas adoçadas, molhos industrializados (ketchup, barbecue etc.), iogurtes adoçados, sobremesas lácteas e geleias. O estudo teve apoio das agências Fonds de Recherche du Québec – Santé (FQRS), Fondation IUCPQ e Fapesp. [1]

[1] Publicação original: https://jornal.usp.br/ciencias/frutose-de-ultraprocessados-em-excesso-pode-alterar-intestino-figado-e-descontrolar-glicose/

Como citar este texto: Jornal da USP. Frutose de ultraprocessados em excesso pode alterar intestino, fígado e descontrolar glicose. Saense. https://saense.com.br/2025/04/frutose-de-ultraprocessados-em-excesso-pode-alterar-intestino-figado-e-descontrolar-glicose/. Publicado em 16 de abril (2025).

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