Jornal da USP
22/07/2025

A neurofibromatose tipo 1 (NF1) é uma condição genética rara que ocasiona manchas na pele e outros problemas em vários sistemas. Sem cura conhecida e com grande impacto na qualidade de vida, a doença tem poucas opções farmacológicas. O uso do selumetinibe é aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) apenas para o tratamento em crianças. Agora, um ensaio clínico publicado na revista The Lancet investigou os efeitos do medicamento em adultos com NF1 e neurofibromas plexiformes, tumores nos nervos que atingem até metade dos acometidos pela doença.
Ao todo, 145 foram acompanhados pelo estudo. No primeiro ano, 71 receberam selumetinibe e 74 tomaram placebo. Já no segundo ano, todos participantes passaram a utilizar o medicamento ativo. Foi a partir desse cruzamento que os pesquisadores conseguiram avaliar com mais clareza as implicações do tratamento: entre os que tomaram selumetinibe, 20% apresentaram respostas clínicas consideradas significativas, desempenho superior ao grupo placebo (5%).
Comentando os resultados em entrevista ao Jornal da USP, Luiz Guilherme Darrigo Junior, um dos autores do estudo, diz que a pesquisa cumpriu seu objetivo primário ao comprovar uma diferença significativa entre o uso de selumetinibe e placebo para o tratamento de neurofibromas plexiformes em portadores da NF1. Na avaliação dele, que é médico assistente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HC-FMRP) da USP, a diferença observada entre grupos indica a eficácia do medicamento em adultos.
O estudo também trouxe descobertas inesperadas. Darrigo chama atenção para a resposta mais rápida do selumetinibe em adultos, que reagiram ao fármaco em 3,7 meses ou 112 dias — metade do tempo observado em crianças.
A partir desse ponto, ele começou a ter efeito contínuo na redução do volume dos tumores, o que foi considerado um grande achado, uma vez que o neurofibroma plexiforme já está formado desde os primeiros anos de vida. “Pense no ganho que é reduzir um tumor que está crescendo durante os primeiros 20 a 30 anos de vida”, diz o pesquisador.
Um dos principais desafios no manejo da doença, a dor crônica, também teve redução clínica importante, inclusive entre pacientes com diferentes níveis de dor no início do tratamento. Segundo Darrigo, “metade dos pacientes lidavam com dores persistentes causadas pela compressão dos nervos por parte dos neurofibromas plexiformes”. Na avaliação do médico, o medicamento também apresenta a vantagem do uso contínuo por via oral.
Mas por que o selumetinibe?
A NF1 é uma doença que afeta cerca de uma em cada 3 mil pessoas e costuma se manifestar já na infância, com sintomas que variam entre manchas da cor café-com-leite (marrom claras) na pele, nódulos nos olhos, alterações ósseas e dificuldades na aprendizagem. Em alguns casos, pode haver impacto ao coração, músculos, ossos, sistema gastrointestinal e visão – demandando acompanhamento multiprofissional.
Metade das pessoas com NF1 desenvolve neurofibromas plexiformes ao longo da vida. Em muitos casos os tumores são inoperáveis por crescerem em áreas delicadas, próximas a nervos, vasos sanguíneos ou órgãos vitais. Embora sejam benignos, eles podem evoluir para formas malignas mais agressivas, como os tumores malignos da bainha do nervo periférico (MPNST).
Darrigo explica que o medicamento atua como inibidor da via MEK, uma cadeia de sinalização celular hiperativada nas pessoas com NF1 que contribui para o crescimento de tumores. Como bloqueador da MEK, o selumetinibe desacelera o desenvolvimento dos neurofibromas e, em alguns casos, reduz seu volume. Sabendo que o fármaco já havia apresentado bons resultados em crianças, a proposta do estudo foi testar sua eficácia e segurança em adultos, que até então não contam com opções terapêuticas específicas.
Limitações
Os benefícios registrados vieram acompanhados de reações adversas: todos os participantes que tomaram selumetinibe relataram ao menos um efeito colateral. As reações mais comuns foram dermatite acneiforme – lesões com pápulas e pústulas – (59%), aumento da enzima muscular creatina fosfoquinase – a alta concentração dessa enzima no sangue pode indicar danos em tecidos musculares e cardíacos – (45%), e diarreia (42%), das quais 96% foram consideradas provavelmente relacionadas ao tratamento. Esse porcentual caiu para 57% entre os que tomaram placebo, com as reações mais frequentes sendo covid-19 (20%), náusea (16%) e fadiga (14%). Cerca de 15% dos voluntários do grupo medicado abandonaram o estudo devido às reações.
O medicamento também apresenta um alto custo e, apesar de aprovado pela Anvisa para uso pediátrico, não foi recomendado para incorporação pelo SUS pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec), o que dificulta o acesso. O relatório afirma que “a recomendação desfavorável à incorporação levou em consideração a incerteza da magnitude do efeito e, desta forma, a incerteza nos resultados da análise de custo-utilidade apresentada”.
A pesquisa recente não conseguiu comprovar melhora na qualidade de vida dos pacientes adultos. Embora presentes, estes resultados não foram estatisticamente significativos, o que o médico atribuiu em parte à metodologia adotada, que não captou todos os aspectos da experiência com a doença. Darrigo acredita, porém, que os dados obtidos em adultos são encorajadores e abrem, sim, espaço para discussões sobre ampliação no uso do medicamento.
A pesquisa Efficacy and safety of selumetinib in adults with neurofibromatosis type 1 and symptomatic, inoperable plexiform neurofibromas (KOMET): a multicentre, international, randomised, placebo-controlled, parallel, double-blind, phase 3 study é a primeira do tipo envolvendo a NF1. Isso em função do seu caráter multicêntrico, internacional, controlado por placebo, randomizado (os integrantes de cada grupo – tratamento ou controle – são escolhidos de forma aleatória), duplo-cego (nem participantes nem avaliadores sabem quem está em qual grupo, diminuindo o viés).
Coordenada pelo pesquisador Luiz Guilherme Darrigo Júnior, com colaboração dos professores Victor Ferraz e Marina Cormedi, ela pode ser acessada neste link. O ensaio clínico foi realizado com financiamento da AstraZeneca, fabricante do medicamento selumetinibe. A declaração completa de conflitos de interesse consta no artigo.
Mais informações: darrigo.jr@gmail.com, com Luiz Guilherme Darrigo Junior [1], [2]
[1] Texto de Amanda Nascimento
[2] Publicação original: https://jornal.usp.br/ciencias/neurofibromatose-tipo-1-medicamento-usado-em-criancas-e-testado-em-adultos/
Como citar este texto: Jornal da USP. Neurofibromatose tipo 1: medicamento usado em crianças é testado em adultos. Texto de Amanda Nascimento. Saense. https://saense.com.br/2025/07/neurofibromatose-tipo-1-medicamento-usado-em-criancas-e-testado-em-adultos/. Publicado em 22 de julho (2025).