Jornal da USP
01/09/2025

Um dos desafios da agricultura é conciliar a produção de alimentos com a conservação do solo e a diminuição da emissão de dióxido de carbono (CO2). No Brasil, cerca de 60% da área agrícola é ocupada por pastagens, aproximadamente 164 milhões de hectares. Muitas dessas áreas estão degradadas, o que compromete a produtividade e acelera a perda de carbono. Na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, em Piracicaba, estudo da agrônoma Rosemery Alesandra Firmino dos Santos, desenvolvido em sua tese de doutorado em Solos e Nutrição de Plantas, mostra que umas das soluções para reduzir as emissões é renovar ou recuperar as pastagens com o cultivo de grãos como milho e soja, ou ainda incluir árvores no sistema, retendo o carbono no solo, técnica conhecida como integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF).
A pesquisadora explica que o solo exerce um papel essencial nas estratégias de mitigação e adaptação às mudanças climáticas. Além de servir como base para a produção de alimentos, fibras, energia, abrigar a biodiversidade, filtrar a nossa água e outros serviços, ele funciona também com um reservatório de carbono. “A entrada do carbono no solo ocorre a partir das plantas, que capturam o CO2 da atmosfera a partir da fotossíntese e incorporam este carbono nas suas estruturas, como caules, raízes, folhas”, explica.
Esses compostos presentes nas plantas são depositados na forma de resíduos no solo e são decompostos pelos microrganismos. Nesse processo, uma parte vira novamente CO2 e retorna à atmosfera, mas outra permanece no solo, fazendo parte da matéria orgânica do solo (MOS). Os compostos orgânicos podem se ligar às partículas mais finas do solo como silte e argila, formando estruturas chamadas de agregados, que ajudam a proteger o carbono por mais tempo. “Em ambientes naturais, como florestas, esses processos ocorrem de maneira equilibrada, com uma entrada contínua de resíduos das plantas e ausência de perturbação do solo”, relata a agrônoma. “No entanto, quando o solo é usado para a agricultura, esse equilíbrio é alterado devido à perturbação e à diminuição na entrada de resíduos das plantas. Como consequência, mais CO2 é liberado para atmosfera.”
O estudo buscou entender se esses sistemas integrados são capazes de estocar mais carbono no solo em comparação com pastagens permanentes. Também foram investigadas as diferentes formas em que é armazenado no solo. A pesquisadora afirma que pode estar na forma de compostos orgânicos parcialmente decompostos com influência mais acessível aos microrganismos ou sujeita a perdas, chamado de particulado. Já ligado às partículas minerais, é conhecido como associado a minerais, que permanece no solo por mais tempo. “Essa distinção é importante porque cada forma responde de maneira diferente ao uso e manejo do solo e precisamos privilegiar sistemas e manejar nossos solos para manter a entrada de carbono e sua permanência no solo. Por isso, nosso estudo também avaliou como esses sistemas afetam essas diferentes formas.”
A metodologia utilizada na primeira fase da pesquisa foi analisar estudos já publicados e realizar a coleta de amostras de solo em seis locais do Brasil. Foram investigados vegetação nativa, pastagens permanentes e sistemas integrados pecuária-floresta (IPF) que combinam eucalipto e gramíneas da espécie Urochloa sp. Em cada sistema foram medidos os estoques de carbono no solo até um metro de profundidade e a quantidade presente em diferentes compartimentos.
Assim, foi possível observar que os solos de pastagens estocam tanto carbono quanto os de áreas de vegetação nativa. A única exceção foi quando os solos de pastagens permanentes apresentaram baixa fertilidade associadas com pastejo intenso (alta remoção de forragem pelo gado). Ainda assim, mesmo pastagens permanentes com muitos anos sem adubação e sob pastejo contínuo de baixa intensidade ainda mantêm o armazenamento no solo.
Sistemas integrados
No sistema integrado pecuária-floresta, cada componente contribui mais para uma forma de carbono do que outro. Enquanto o componente florestal tende a contribuir mais para o particulado, o componente da pastagem influencia mais o associado a minerais. Como a maior parte está na forma associada a minerais, o manejo das pastagens dentro desses sistemas tem um papel central no armazenamento no solo.
“Para que as árvores contribuíssem mais, seria necessário aumentar a quantidade e a diversidade das espécies arbóreas. Vimos, ainda, que os solos dos sistemas integrados pecuária-floresta podem estocar tanto carbono quanto os das pastagens permanentes, desde que sejam realizadas a reposição de nutrientes e o controle da intensidade de pastejo”, explica a agrônoma.
Por outro lado, explica a agrônoma, “práticas como aração e gradagem do solo, durante a implantação desses sistemas, podem retardar sua recuperação”.
Além dos sistemas integrados pecuária-floresta, também foram avaliados sistemas integrados lavoura-pecuária (ILP) em duas situações onde estavam presentes. Em ambas, os sistemas ILP diminuíram o carbono do solo, ao contrário dos sistemas integrados pecuária-floresta.
Para entender o que estava por trás dessa diferença, foi analisada a comunidade de microrganismos e a caracterização química de grupos funcionais das formas de carbono do solo. “Usamos diversas ferramentas, como a quantificação da biomassa microbiana, atividade enzimática e sequenciamento de DNA, e confirmamos que o manejo da fertilidade do solo e do pastejo são fundamentais para garantir o armazenamento nas pastagens permanentes e integradas com árvores ou cultivos”, ressalta Rosemery dos Santos.
Em um dos locais de estudo, o sistema integrado pecuária-floresta apresentou perda de carbono do solo. Porém nesse sistema, a composição química do elemento associado a minerais ainda era semelhante ao da pastagem permanente, mesmo com menor quantidade nessa fração. O fato confirmou que a perda estava ligada à queda da produtividade da pastagem com a degradação. A baixa atividade enzimática, abundância de microrganismos, fertilidade do solo e carbono particulado reforçaram o diagnóstico de perda associada à degradação do componente pastagem do sistema integrado pecuária-floresta.
Já nos sistemas integrados lavoura-pecuária a situação foi diferente. Neles foi encontrada uma comunidade microbiana mais ativa e mais diversa, mesmo com a perda de carbono. A entrada de resíduos de diversas culturas, somada à adubação das culturas de grãos e à maior produtividade das pastagens e ao pastejo mais intenso, gerou uma situação de menor disponibilidade de nitrogênio para os microrganismos. Sem nitrogênio suficiente, os microrganismos foram buscar esse nutriente nas formas orgânicas que já estavam no solo, o que resultou nessa perda.
“Nosso estudo mostrou que as pastagens podem ser aliadas importantes no enfrentamento da crise climática, tanto em sistemas simples quanto integradas com árvores, desde que a degradação dessas áreas seja evitada. Já nos sistemas que alternam o cultivo de grãos com o uso da terra para o gado é necessário um cuidado principalmente com a intensidade de pastejo”, salienta a agrônoma. “Além disso, será essencial buscar estratégias para suplementar o nitrogênio sem custo adicional para o produtor. Uma possibilidade promissora é o consórcio de gramíneas e leguminosas forrageiras.”
Carbono no solo
O estudo sugere que pesquisas futuras foquem no impacto dos sistemas integrados lavoura-pecuária no carbono do solo quando adotados por pecuaristas e não somente por produtores de grãos. A pesquisadora ressalta que muitos dos estudos publicados avaliaram esses sistemas dentro do contexto agrícola, onde o objetivo é introduzir espécies perenes para aumentar a quantidade de resíduos vegetais e carbono. Nesses casos, os efeitos no carbono do solo tendem a ser neutros ou positivos quando comparados com as pastagens permanentes.
Para Rosemery dos Santos, quando esses sistemas são usados para renovar pastagens, os resultados podem ser diferentes e ainda pouco compreendidos.
“Isso reforça a importância de realizarmos pesquisas diretamente em fazendas de produtores, pois é fundamental que nossos experimentos sejam pensados junto com eles, buscando soluções viáveis e adaptadas à realidade do campo. Só assim poderemos alinhar nossos objetivos de mitigação climática com o manejo real dos sistemas produtivos”, conclui.
A pesquisa é descrita na tese de doutorado Sistemas integrados de produção agropecuária: estoque e estabilização do carbono no solo e sua relação com os microrganismos, orientada pelo professor Carlos Eduardo Pellegrino Cerri, do Departamento de Ciência do Solo da Esalq e diretor do Centro de Carbono para Agricultura Tropical da Esalq (CCarbon).
Além dos produtores que apoiaram a realização dos experimentos, a pesquisa teve apoio da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig) e da Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). O trabalho também faz parte de um projeto temático da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Centro de Pesquisa e Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI), sediado na USP, e Shell. [1], [2]
[1] Texto de Alicia Nascimento Aguiar
[2] Publicação original: https://jornal.usp.br/ciencias/integrar-lavoura-pecuaria-e-floresta-e-opcao-para-reduzir-emissoes-de-co2/
Como citar este texto: Jornal da USP. Integrar lavoura, pecuária e floresta é opção para reduzir emissões de dióxido de carbono. Texto de Alicia Nascimento Aguiar. Saense. https://saense.com.br/2025/09/integrar-lavoura-pecuaria-e-floresta-e-opcao-para-reduzir-emissoes-de-dioxido-de-carbono/. Publicado em 01 de setembro (2025).