Agência FAPESP
03/12/2018

Bactéria Neisseria gonorrhoeae. [1]
A despeito de serem imperceptíveis na maioria das vezes, há milhões de bactérias vivendo no corpo de uma pessoa. E não apenas aí: bactérias estão em toda a parte, graças à sua capacidade de desenvolver ferramentas e mecanismos que acompanham suas especificidades e lhes garanta a sobrevivência, como se tornar resistente a antibióticos.

Nicolas Biais, professor assistente da City University of New York (CUNY), busca compreender estruturas e mecanismos – ou, como costuma dizer, “os superpoderes” – das bactérias para buscar novas formas de combater doenças. Ele lidera o laboratório de Microbiologia Mecânica no Brooklyn College, onde estuda como o patógeno que causa a gonorreia interage com as células humanas.

“A Neisseria gonorrhoeae costumava ser um problema anos atrás, principalmente para o exército. Por sorte, descobriram a penicilina. Porém, as bactérias têm a capacidade de passar informação e se tornaram mais resistentes nas últimas décadas, a ponto de 33% dos casos de gonorreia tratados em hospitais norte-americanos serem resistentes a antibióticos”, disse Biais, em palestra na FAPESP Week New York.

O encontro ocorreu na City University of New York (CUNY) de 26 a 28 de novembro de 2018 e reuniu pesquisadores brasileiros e norte-americanos com o objetivo de estreitar parcerias em pesquisa.

Biais ressalta que a gonorreia pode ser, nos próximos anos, uma das mais importantes doenças sexualmente transmissíveis, com 100 milhões de novos casos ao ano em todo o mundo. “A causa disso é que as bactérias estão ficando mais resistentes, mas todo superpoder tem também uma fraqueza”, disse.

Um dos elementos-chave para a formação de microcolônias de Neisseria gonorrhoeae – elas raramente são encontradas sozinhas, mas em hubs com centenas delas – é a ação de fibras bacterianas retráteis chamadas de pili tipo IV. Essas estruturas estão envolvidas em muitos aspectos da fisiologia da bactéria, incluindo motilidade, adesão, infecção, captação de DNA e formação de biofilme.

Em estudo realizado com a Universidade do Arizona, Biais descobriu que, ao desativar o mecanismo molecular que rege a retração da pili tipo IV, a bactéria deixa de ser infecciosa.

“Encontramos diferentes formas de estudar esse mecanismo, primeiro olhando para o movimento individual de cada bactéria e depois conseguimos ver diretamente como elas atuam coletivamente. Descobrimos que a habilidade desses pequenos braços e sua força são essenciais para a infecção, a ponto de, se eles forem retirados, as bactérias deixam de ser infeciosas”, disse.

Os pesquisadores também mostraram que a retração nas microcolônias de N. gonorrhoeae pode exercer força 100 mil vezes maior que o peso de uma única bactéria.

“Quimicamente elas são iguais, mas não há infecção. Quando interagem com células humanas, é possível ver uma cadeia de reações, não só químicas, mas físicas. Porém, quando não há essa força (vinda da pili), nada disso acontece. É como se elas estivessem fazendo massagem. O que estamos tentando entender em nosso laboratório é como podemos ter diferentes tipos de massagem, ou melhor, diferentes formas de interação com diferentes hospedeiros”, disse.

Desligar o sistema, da bactéria ao câncer

Kevin Gardner, diretor da iniciativa em Biologia Estrutural do Advanced Science Research Center, de CUNY, também estuda as estruturas atômicas das moléculas para entender como elas interagem entre si e com as atividades biológicas.

A partir de estudos em biologia estrutural, o grupo de pesquisadores liderado por ele descobriu que proteínas usam mecanismos sensoriais comuns, apesar da grande diversidade em suas funções e ambientes biológicos.

“Quanto mais entendermos a biologia, começando com a estrutura no nível atômico, mais fácil será entender seus mecanismos e funções”, disse também em palestra na FAPESP Week New York.

Uma das descobertas feitas pelo grupo de pesquisadores é que, para sobreviver em ambientes como, por exemplo, o fundo do mar, algumas bactérias precisam detectar luz para se adaptar às mudanças no ambiente. “Esse mecanismo de detecção da luz azul permite que elas tenham uma espécie de relógio interno. No nível molecular, esses processos são alcançados por uma cascata de interações entre proteínas.”

Outro resultado apresentado por Gardner tem relação com o câncer humano e sua conexão à sensibilidade por oxigênio. O estudo analisou tumores sólidos que não têm veias sanguíneas crescendo dentro deles. “No entanto, assim que um tumor se torna grande o bastante para poder ser visto, seus sensores passam a buscar oxigênio, encontrando maneiras de sequestrar oxigênio do organismo e controlando o quanto puderem de células sanguíneas”, disse.

“Então fizemos uma pequena molécula que atua como uma droga capaz de desligar o sistema. Para nossa alegria, isso está sendo testado agora em ensaios clínicos no Texas. Quem sabe encontramos uma maneira de aplicar a ciência que estamos fazendo e dar um tratamento para um número grande de pacientes”, disse. [2]

[1] Crédito da imagem: NIAID (Flickr), CC BY 2.0.
https://www.flickr.com/photos/niaid/16221300454.

[2] Esta notícia científica foi escrita por Maria Fernanda Ziegler.

Como citar esta notícia científica: Agência FAPESP. Desvendando os “superpoderes” das bactérias. Texto de Maria Fernanda Ziegler. Saense. http://www.saense.com.br/2018/12/desvendando-os-superpoderes-das-bacterias/. Publicado em 03 de dezembro (2018).

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