Antônio Murilo Macedo
12/08/2018
O pêndulo de Newton é um brinquedo fascinante. Ele consiste de um arranjo de pêndulos simples formado por esferas metálicas penduradas por cordas a uma barra comum, conforme mostrado na figura [1]. Quando uma esfera de uma das extremidades é puxada para trás e liberada, ela segue uma trajetória pendular e bate na bola que está na extremidade da fila em repouso. Na sequência a bola que está na outra extremidade da fila sobe seguindo uma trajetória pendular atingindo aproximadamente a mesma altura da bola liberada na extremidade oposta. Esta segunda bola então cai seguindo uma trajetória pendular e colide com a bola na extremidade da fila fazendo subir a bola da outra extremidade. Este movimento periódico segue até que as forças de atrito atuem diminuindo as alturas das bolas localizadas nas extremidades que ficam subindo após as colisões. O que fascina o estudante de mecânica ao ver este sistema em operação é o fato dele ser uma demonstração visual bastante simples da lei de conservação do momento linear em colisões. Por esta lei apenas as bolas das extremidades das filas devem se mover após as colisões e é isto de fato o que se observa no pêndulo de Newton.
Existe, no entanto, um outro motivo para o pêndulo de Newton ser interessante do ponto de vista conceitual. Ele é um exemplo de um sistema de muitas partículas interagente que é integrável. Isto significa que podemos calcular analiticamente as posições e velocidades de cada partícula em função do tempo. Esta condição, que é relativamente excepcional, permite que usemos o pêndulo de Newton para investigar questões teóricas fundamentais, como a termalização de um sistema de muitas partículas interagentes, ou seja a evolução espontânea do sistema para um estado de equilíbrio térmico. Normalmente sistemas integráveis de muitas partículas não termalizam quando isolados do ambiente, devido à enorme estabilidade do seu movimento periódico. Para que a termalização ocorra é necessário que a integrabilidade seja removida através de uma perturbação, como a aplicação de uma pequena força externa. Neste caso o sistema é denominado quase-integrável e a termalização pode ser muito lenta com diversas escalas de tempo contribuindo para a relaxação ao equilíbrio. A teoria do caos em sistemas clássicos é muito útil para entender a dinâmica da termalização nesses tipos de sistemas. Mas, o que podemos dizer sobre a termalização de um sistema quântico de muitas partículas quase-integrável?
Sistemas quânticos são intrinsecamente mais complexos que sistemas clássicos. A principal razão para isto vem da própria estrutura matemática da teoria que é bem mais sofisticada que a correspondente clássica. Portanto, não é surpresa que o problema da termalização de sistemas quânticos de muitas partículas ainda não foi completamente resolvido. As ideias principais para a descrição deste problema têm sido desenvolvidas usando um formalismo de matrizes aleatórias, que são matrizes formadas por números aleatórios e que preservam certas regularidades na maneira como esses números são distribuídos na matriz. No entanto, não há uma abordagem geral que inclua por exemplo sistemas quânticos quase-integráveis. Além disso, abordagens numéricas diretas têm tido pouco sucesso em descrever a dinâmica em tempos muito longos. Neste contexto, experimentos controlados parecem ser a opção mais natural. No problema específico da termalização do pêndulo de Newton, a dificuldade inicial é realizar no laboratório uma versão quântica do sistema. Foi exatamente isto que fizeram os autores do trabalho descrito a seguir.
Físicos das universidades americanas de Stanford e Pensilvânia, entre outras, construíram um sistema quântico que é essencialmente a realização experimental de um pêndulo de Newton no mundo microscópico de átomos e moléculas [2]. A ideia básica foi usar átomos de disprósio alinhados em armadilhas formadas com feixes de lasers. Os átomos são colocados em movimento também através da ação de lasers. O sistema permite um refinado controle experimental da quebra da integrabilidade, o que por sua vez permite um controle da dinâmica da termalização. Os autores observaram dois regimes de relaxação. O primeiro é essencialmente uma pré-termalização governada por efeitos de quebra de coerência de fase, ou seja, o sistema vai gradualmente perdendo a capacidade de formar padrões coerentes de interferência ondulatória. O segundo é a termalização propriamente dita, que é caracterizada por um decaimento rápido do tipo exponencial ao estado de equilíbrio térmico.
A importância deste resultado para a computação quântica é direta, pois um computador quântico executando um algoritmo quântico é necessariamente um sistema fora do equilíbrio térmico. O entendimento da lei de relaxação deste tipo de sistema quântico de muitas partículas é essencial para projetar arquiteturas de computadores quânticos eficientes e para construir protocolos eficazes de combate à perda de informação por termalização.
[1] Crédito da Imagem: Marco Verch, fickr), CC BY 2.0. https://www.flickr.com/photos/30478819@N08/40450946754.
[2] Y Tang et al. Thermalization near integrability in a dipolar quantum Newton’s cradle. Physical Review X 8, 021030 (2018).
Como citar este artigo: Antônio Murilo Macedo. O pêndulo de Newton quântico. Saense. http://saense.com.br/2018/08/o-pendulo-de-newton-quantico/. Publicado em 12 de agosto (2018).