Antônio Murilo Macedo
12/08/2018
Existe, no entanto, um outro motivo para o pêndulo de Newton ser interessante do ponto de vista conceitual. Ele é um exemplo de um sistema de muitas partículas interagente que é integrável. Isto significa que podemos calcular analiticamente as posições e velocidades de cada partícula em função do tempo. Esta condição, que é relativamente excepcional, permite que usemos o pêndulo de Newton para investigar questões teóricas fundamentais, como a termalização de um sistema de muitas partículas interagentes, ou seja a evolução espontânea do sistema para um estado de equilíbrio térmico. Normalmente sistemas integráveis de muitas partículas não termalizam quando isolados do ambiente, devido à enorme estabilidade do seu movimento periódico. Para que a termalização ocorra é necessário que a integrabilidade seja removida através de uma perturbação, como a aplicação de uma pequena força externa. Neste caso o sistema é denominado quase-integrável e a termalização pode ser muito lenta com diversas escalas de tempo contribuindo para a relaxação ao equilíbrio. A teoria do caos em sistemas clássicos é muito útil para entender a dinâmica da termalização nesses tipos de sistemas. Mas, o que podemos dizer sobre a termalização de um sistema quântico de muitas partículas quase-integrável?
Sistemas quânticos são intrinsecamente mais complexos que sistemas clássicos. A principal razão para isto vem da própria estrutura matemática da teoria que é bem mais sofisticada que a correspondente clássica. Portanto, não é surpresa que o problema da termalização de sistemas quânticos de muitas partículas ainda não foi completamente resolvido. As ideias principais para a descrição deste problema têm sido desenvolvidas usando um formalismo de matrizes aleatórias, que são matrizes formadas por números aleatórios e que preservam certas regularidades na maneira como esses números são distribuídos na matriz. No entanto, não há uma abordagem geral que inclua por exemplo sistemas quânticos quase-integráveis. Além disso, abordagens numéricas diretas têm tido pouco sucesso em descrever a dinâmica em tempos muito longos. Neste contexto, experimentos controlados parecem ser a opção mais natural. No problema específico da termalização do pêndulo de Newton, a dificuldade inicial é realizar no laboratório uma versão quântica do sistema. Foi exatamente isto que fizeram os autores do trabalho descrito a seguir.
Físicos das universidades americanas de Stanford e Pensilvânia, entre outras, construíram um sistema quântico que é essencialmente a realização experimental de um pêndulo de Newton no mundo microscópico de átomos e moléculas [2]. A ideia básica foi usar átomos de disprósio alinhados em armadilhas formadas com feixes de lasers. Os átomos são colocados em movimento também através da ação de lasers. O sistema permite um refinado controle experimental da quebra da integrabilidade, o que por sua vez permite um controle da dinâmica da termalização. Os autores observaram dois regimes de relaxação. O primeiro é essencialmente uma pré-termalização governada por efeitos de quebra de coerência de fase, ou seja, o sistema vai gradualmente perdendo a capacidade de formar padrões coerentes de interferência ondulatória. O segundo é a termalização propriamente dita, que é caracterizada por um decaimento rápido do tipo exponencial ao estado de equilíbrio térmico.
A importância deste resultado para a computação quântica é direta, pois um computador quântico executando um algoritmo quântico é necessariamente um sistema fora do equilíbrio térmico. O entendimento da lei de relaxação deste tipo de sistema quântico de muitas partículas é essencial para projetar arquiteturas de computadores quânticos eficientes e para construir protocolos eficazes de combate à perda de informação por termalização.
[1] Crédito da Imagem: Marco Verch, fickr), CC BY 2.0. https://www.flickr.com/photos/30478819@N08/40450946754.
[2] Y Tang et al. Thermalization near integrability in a dipolar quantum Newton’s cradle. Physical Review X 8, 021030 (2018).
Como citar este artigo: Antônio Murilo Macedo. O pêndulo de Newton quântico. Saense. http://saense.com.br/2018/08/o-pendulo-de-newton-quantico/. Publicado em 12 de agosto (2018).