Antônio Murilo Macedo
15/10/2018

Medalha do Prêmio Nobel de Física de 1994 em Exibição no Canada Science and Technology Museum. [1]
O prêmio Nobel de física sempre desperta muita curiosidade pública. O prêmio deste ano não foi diferente. Os fatos que talvez despertaram a curiosidade inicial de todos foi o enorme intervalo (55 anos) desde a última vez que uma mulher foi premiada e o pequeno número de mulheres vencedoras (três). A própria vencedora do prêmio de 2018, Donna Strickland, que dividiu o prêmio com Arthur Ashkin e Gérard Mourou, mostrou-se surpresa com a informação e declarou “I thought there might have been more” [2]. Os temas do prêmio Nobel de física de 2018 foram as pinças óticas e a tecnologia de geração de pulsos de lasers ultrarrápidos de alta intensidade. A Academia Real Sueca de Ciências descreveu o prêmio como sendo “para invenções inovadoras na área de física de lasers” [3]. Mas o que realmente foram estas inovações?

Mover com precisão e alto controle organismos extremamente pequenos, como vírus e bactérias, sempre foi um grande sonho dos cientistas. A luz parecia o candidato natural para ser o instrumento de controle, ou seja, uma espécie de pinça. O problema prático é que a manipulação para ser útil teria que ser feita sem destruir ou matar o organismo manipulado. As contribuições de Arthur Ashkin para o desenvolvimento da pinça ótica começaram na década de 1970 quando ele mostrou que feixes de lasers poderiam prender em seu interior pequenas partículas dielétricas flutuantes no ar ou na água, desde que os seus índices de refração fossem maiores que o do meio. Um dielétrico é um material que por ter apenas cargas presas em seu interior não pode conduzir eletricidade, mas sente a ação de uma força externa quando submetido a um campo elétrico. É exatamente esta força, gerada pelo campo elétrico do feixe do laser, que prende a partícula no interior do feixe. Ela fica em uma espécie de poço de potencial estendido ou “fundo de um rego”. O problema prático que surge é que apesar de não poder sair do “rego” a partícula pode se mover ao longo dele e, portanto, não está realmente presa. Uma solução simples encontrada por Ashkin neste período foi usar dois feixes contra-propagantes. No entanto, foi na década de 1980 que Ashkin fez a descoberta chave ao perceber que um feixe altamente focado poderia armadilhar uma partícula em todas as direções, ou seja a partícula estaria em um poço de potencial ou no “fundo de um balde”. Esta armadilha com lasers ficou conhecida como uma “pinça ótica” e foi depois aperfeiçoada para a manipulação e estudo de pequenos organismos, como vírus, bactérias e células, assim como para medir forças envolvidas em processos biológicos.

O laser é um dispositivo que gera radiação eletromagnética, que inclui a luz visível, de forma coerente, ou seja, fenômenos de interferência tem boa visibilidade, monocromática, ou seja todos os componentes tem mesmo comprimento de onda, e colimada, ou seja os componentes se propagam paralelamente. Na prática isto significa que os feixes de um laser são ideais para explorar a natureza ondulatória da luz em sua interação com a matéria. No entanto, havia um problema tecnológico sério quando se tentava aumentar a intensidade do feixe de um laser acima de alguns gigawatts: o dispositivo poderia ser destruído por efeitos não lineares. Para evitar este efeito, o dispositivo teria que ser muito grande e, portanto, muito caro. A solução encontrada na década de 1980 pelos outros dois ganhadores do prêmio Nobel (Mourou e Strickland) foi dividir o processo em etapas. Para driblar os efeitos não-lineares que destruíam o dispositivo de amplificação, eles passaram o feixe inicial em um dispositivo auxiliar que o estica no tempo, ou seja ele demora mais tempo para passar e fica menos intenso. Este feixe é então amplificado por outro dispositivo (um cristal de titânio e safira, por exemplo) mantendo-se a potência final abaixo do limiar de destruição do meio. Depois da amplificação, o feixe passa por outro dispositivo que reverte o efeito do primeiro dispositivo, ou seja, o feixe é encurtado no tempo, consequentemente aumentando sua potência. Com esta técnica, eles conseguiram produzir pulsos com potência na região de petawatts, ou seja, um milhão de gigawatts.

A importância tecnológica das conquistas científicas dos premiados com o Nobel de física de 2018 já é bem conhecida. As pinças óticas são hoje um instrumento corriqueiro nos laboratórios de pesquisa biológica. Da mesma forma, lasers potentes ultracurtos são usados em cirurgias de correção ocular em todo o mundo. Podemos também citar algumas aplicações menos conhecidas, como o uso de pinças óticas na arquitetura de computadores quânticos ou o uso de feixes de alta potência para produzir matéria a partir do vácuo quântico. De qualquer forma, o prêmio foi muito merecido e o impacto científico e tecnológico dos trabalhos dos vencedores foi realmente muito grande e continua crescendo.

[1] Crédito da Imagem: Canada Science and Technology Museum (Flickr), CC BY-NC-ND 2.0. https://www.flickr.com/photos/cstmweb/4208910041.

[2] Tradução: “Eu pensei que tinham mais.”

[3] Divulgação oficial do prêmio Nobel de física de 2018 pela Academia Sueca de Ciências. https://www.nobelprize.org/prizes/physics/2018/press-release/.

Como citar este artigo: Antônio Murilo Macedo. E o Nobel vai para…pinças óticas e lasers ultrapotentes. Saense. http://saense.com.br/2018/10/e-o-nobel-vai-para-pincas-oticas-e-lasers-ultrapotentes/. Publicado em 15 de outubro (2018).

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