UFMG
06/08/2019

Soluções arquitetônicas interferem no bem-estar e na saúde das pessoas (foto: Yannick McCabe | Pixabay)

Neste século, o número de prédios com 200 metros de altura cresceu quase 500%, coincidindo com a elevação dos registros de doenças mentais. Desde 1948, a OMS publica estudos sobre a relação entre habitação e saúde física, mas ainda são poucas as pesquisas sobre a influência que os aspectos relacionados à moradia exercem sobre o bem-estar social e a saúde mental.

Com o propósito de mapear o conhecimento acumulado até o momento sobre essas relações, uma revisão sistemática de pesquisas empíricas foi realizada com participação da professora Paula Barros, da Escola de Arquitetura da UFMG. Divulgado no periódico Cities, o trabalho foi realizado com outros sete pesquisadores das áreas de arquitetura, urbanismo, desenho urbano, planejamento, epidemiologia e saúde pública de seis instituições brasileiras e estrangeiras.

Em geral, as evidências sugerem que os espaços de uso semipúblico, o pavimento, o tipo e a paisagem urbana conformada por certos tipos de habitação interferem no bem-estar, afetando aspectos como senso de pertencimento e coesão social, e na saúde mental dos moradores, gerando estresse, depressão, neuroses e fobias.

“É preciso dar atenção à qualidade das soluções arquitetônicas dos espaços de uso comum das habitações verticalizadas para que eles atraiam e retenham os moradores por mais tempo, facilitando encontros e conversas”, defende Paula Barros.

Segundo a professora, os resultados das pesquisas analisadas revelam que habitar pavimentos mais altos tende a ser melhor que morar no térreo, o que é frequentemente associado à falta de controle e privacidade e à sensação de insegurança.

Ela ressalta que os estudos analisados demonstram que morar em uma habitação verticalizada não é necessariamente ruim do ponto de vista social ou da saúde mental, mas as configurações físico-espaciais intrínsecas às unidades não verticalizadas tendem a favorecer mais encontros casuais e, por conseguinte, a formação de um senso de pertencimento, com impacto positivo na saúde mental dos moradores.

Limitações e lacunas

Os pesquisadores, que travaram contato durante workshop realizado em 2016 – organizado pela UFMG e pela University College London, com recursos do British Council –, focaram em estudos empíricos de seis bases de dados (Medline, Scielo, Scopus, Web of Science, Embase e PsycInfo). Encontraram 4.100 artigos e selecionaram 23, publicados de 1971 a 2016 – quase metade deles a partir de 2010. Os estudos foram realizados no Reino Unido, nos Estados Unidos, no Japão, na Coreia do Sul, na Holanda, em Singapura, na Albânia e no Canadá. No Brasil, o programa Minha Casa, Minha Vida foi o objeto da análise.

De acordo com Paula Barros, um dos resultados mais relevantes da revisão que resultou no artigo da Cities foi justamente a detecção de limitações e inconsistências nos estudos selecionados e lacunas no conhecimento sobre o tema. Os problemas envolvem diferença de conceitos e nomenclaturas e até, segundo ela, falta de definições mais claras, que ajudariam muito, uma vez que padronizar conceitos pode ser mesmo difícil.

A professora acrescenta que os estudos têm como objetos prédios residenciais genéricos e muitas vezes não levam em conta as suas características arquitetônicas. “A qualidade das soluções arquitetônicas das habitações verticalizadas deve ser considerada nas pesquisas futuras, uma vez que a permeabilidade e a articulação das fachadas são atributos que tornam um espaço mais ou menos atrativo para permanência e socialização”, diz Paula Barros.

Evidências e prática

As considerações críticas contidas no artigo, observa a pesquisadora, podem ajudar a fundamentar novos estudos sobre os efeitos de se morar em prédios. “É preciso produzir mais evidências e colocá-las em prática. As políticas públicas devem ser municiadas pelos resultados de estudos empíricos, com atenção especial para grupos mais vulneráveis como idosos, crianças, mulheres e os mais pobres”, afirma Paula Barros.

“Na elaboração e execução de um programa como o Minha Casa, Minha Vida, por exemplo, é fundamental levar em conta não apenas os aspectos construtivos básicos, mas a forma como as soluções físico-espaciais podem facilitar ou inibir interações sociais”, continua a pesquisadora, para quem a questão é complexa e exige a aplicação de fundamentos transdisciplinares e novas perspectivas, como as que podem ser trazidas pela psicologia, geografia, sociologia, filosofia, artes e ecologia. 

A TV UFMG também conversou com a autora do estudo. Assista ao vídeo:

Artigo: Social consequences and mental health outcomes of living in high-rise residential buildings and the influence of planning, urban design and architectural decisions: a systematic review
Autores: Paula Barros (UFMG), Ling Ng Fat (University College London), Leandro M.T. Garcia (Fiocruz), Anne Dorothée Slovic (USP), Nicholas Thomopoulos (Glaux), Thiago Herick de Sá (USP), Pedro Morais (UNI-BH), Jennifer S. Mindell (University College London)
Publicação: Cities (nº 93, 2019). [1]

[1] Esta notícia científica foi escrita por Itamar Rigueira Jr.

Como citar esta notícia científica: UFMG. Viver no arranha-céu. Texto de Itamar Rigueira Jr. Saense. https://saense.com.br/2019/08/viver-no-arranha-ceu/. Publicado em 06 de agosto (2019).

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