Jornal UFG
16/04/2021

(Imagem: Fossum derivative work: DavoO (talk) – Map-Romance_Latin_America.png, Wikimedia Commons, Public Domain)

Heloisa Sousa*

Quando a Abya Yala ainda se via livre da invasão européia, as nações que habitavam essa região, posteriormente também chamada de América Latina, conheciam e viviam em seus próprios territórios. Mas nesse período, enquanto esses povos existiam sob suas próprias cosmovisões, na diversidade de cada etnia, eles foram atravessados pelas fronteiras coloniais criadas pelos exploradores e, desde então, passam por um processo de desterritorialização e não reconhecimento do Estado.

Os vários projetos chamados de desenvolvimento – exploração mineral, construção de hidrelétricas, desmatamento pelo agronegócio – empurram cada vez mais os verdadeiros herdeiros da terra para um não lugar em troca da aniquilação que visa lucro. Dessa forma, as populações tradicionais que sobreviveram ao genocídio e resistem todos os dias às diversas violências institucionais se tornam refugiados dentro de suas próprias terras.

As novas linhas territoriais e as constantes invasões, que nunca cessaram desde o “descobrimento”, são responsáveis pela contaminação de solos, dos rios, por atingir a fauna e por desabrigar milhares de comunidades indígenas. Segundo o último relatório da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), feito em março de 2020, foram registrados cinco mil refugiados e migrantes indígenas no Brasil vindos da Venezuela. Destes, 65% são solicitantes da condição de refugiados.

Como resultado da crise vivida pela Venezuela, que obriga povos das etnias Warao, Pemon, Eñepa e Kariña a cruzar a fronteira para o Brasil, nasceu em 2016 o projeto Arco da Mineração, que ocupa pelo menos 112 mil km² ao sul do rio Orinoco para a extração de minérios como ouro, coltan, cobre e diamante. Enquanto isso, as disputas de poder na região envolvendo grupos armados e mineração ilegal atinge pelo menos 198 comunidades indígenas, ameça áreas protegidas, contamina essas populações com mercúrio e não lhes dá outra opção além de trabalhar para a exploração mineral ou se deslocar de seus territórios.

Situação não muito diferente do Brasil, como é o caso do povo Krenak que não pode mais realizar muitos de seus rituais, pois o Rio Doce, um de seus principais caminhos de subsistência e espiritualidade, foi contaminado com resíduos de mineração pela barragem de Fundão, em Mariana (MG). Quase seis anos depois do rompimento, a Vale, uma das maiores empresas de mineração do mundo e responsável pelo desastre de Mariana, continua lucrando às custas da destruição.

Não podemos nos esquecer ainda de que a demarcação de terra para a população indígena, não é consenso no governo federal. E, além disso, os territórios já demarcados são constantemente invadidos por quem comete crimes ambientais e contra a vida dos povos originários sob a proteção de quem deveria intervir.

*Heloisa Sousa é estudante de jornalismo na UFG, estagiária da Cátedra Sérgio Vieira de Mello e membro do Laboratório e Coletivo Magnífica Mundi.

Como citar este artigo: Jornal UFG. As fronteiras que nos atravessam.  Texto de Heloisa Sousa. Saense. https://saense.com.br/2021/04/as-fronteiras-que-nos-atravessam/. Publicado em 16 de abril (2021).

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