UFSC
25/11/2022
Crinodendron brasiliense ou cinzeiro-pataguá é uma árvore considerada “super rara”, encontrada durante um estudo de campo numa pequena área localizada nas regiões montanhosas do Planalto Serrano Catarinense. “Estávamos fazendo a medição de árvores de um projeto de monitoramento no Parque Nacional de São Joaquim, onde acabamos encontrando 59 indivíduos da espécie, o que despertou a nossa atenção para investigá-la”, diz o ecólogo Eduardo Luís Hettwer Giehl.
Com esse objetivo em mente, Eduardo Giehl e Rafael Barbizan – pesquisadores no Departamento de Ecologia e Zoologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em Florianópolis, lideram um estudo inédito, cuja proposta de pesquisa envolve o monitoramento do cinzeiro-pataguá com o objetivo de realizar um levantamento mais abrangente dessa espécie de árvore ameaçada de extinção e restrita à região.
A extinção de populações e espécies é algo que afeta o ecossistema e a biodiversidade. Para o professor Eduardo e a equipe de pesquisadores, a dor da perda de uma única espécie é imensa, maior ainda quando pouco se sabe sobre ela. “Para nós é um abalo muito grande perder uma espécie, queremos preservar todas e o cinzeiro-pataguá está numa situação bem delicada”, explica o ecólogo.
Todo cientista é movido a entender “porquês”. Isso mobiliza o grupo de pesquisadores da UFSC a investigar por que a espécie Crinodendron brasiliense é tão rara. Além disso, por que não existe em outros locais além das regiões montanhosas do Parque Nacional de São Joaquim? Isso é o que o grupo de ecólogos da UFSC busca entender: “Pode ser um problema na germinação dela, ou depois que ela germina, um animal vem e come. Pode ser que a sobrevivência dessas mudas dependa de uma quantidade de luz específica, até mesmo mais ou menos umidade”, argumenta Rafael, ecólogo integrante do grupo de estudos. Há necessidade de realizar uma investigação aprofundada, o que significa investidas a campo, ou seja, no habitat natural desta espécie.
O que se sabia sobre a espécie?
Os estudos preliminares sobre o cinzeiro-pataguá indicaram que a planta é um arbusto de dois a três metros de altura, podendo ter estatura de arvoreta com até sete metros. No entanto, a equipe de ecólogos da UFSC já encontrou indivíduos com mais de dez metros de altura. Além disso, descobriram que a árvore perde suas folhas no inverno e que sua madeira não é tão resistente. Essas informações não estavam descritas em nenhuma publicação anterior. “Isso não está descrito nos trabalhos em que ela aparece. Então cada informação que a gente obtém é uma informação nova que nos ajuda a entender um pouco da biologia dessa espécie”, diz Eduardo.
Também existem informações relevantes sobre seu habitat: Crinodendron brasiliense é endêmica da Mata Atlântica, com área de ocorrência muito restrita, limitada ao Planalto Serrano Catarinense. Os indivíduos encontrados pelos pesquisadores estão localizados no Parque Nacional de São Joaquim. Boa parte do Parque abrange um mosaico de florestas e campos de altitude, o que é uma vantagem estratégica para o estudo, visto que as populações de cinzeiro-pataguá foram geralmente registradas em florestas localizadas a mais de 1.500 metros acima do nível do mar.
A germinação da espécie
De acordo com os pesquisadores, os poucos indivíduos encontrados tornam o cinzeiro-pataguá uma espécie rara, fato que pode estar intimamente ligado à sua dificuldade de germinação. Para compreender esse processo, a equipe plantou mais de duas mil sementes em sementeiras com alguns tratamentos, como água quente, por exemplo. Esses tratamentos normalmente são usados para simular a passagem pelo trato digestivo de algum animal. Isso porque, em certos casos, as sementes para germinar necessitam ser ativadas pelo suco digestivo de animais que comem frutos ou sementes. Como a equipe não possuía recursos para tentar a ativação com os ácidos corretos, os pesquisadores utilizaram água quente.
Eduardo Giehl apresenta outras possíveis explicações para a dificuldade germinativa. “A semente fica esperando um despertador para acordar, que pode ser o frio, pode ser o trato digestivo de algum animal, pode ser a luz, ou até mesmo o atrito para quebrar a casca da semente”, explica. Inicialmente, a equipe esperava que apenas plantando sementes as plantas iriam nascer. No entanto, já se tinha uma expectativa de que não fosse tão simples, visto que existem tão poucos indivíduos. As sementes seguem em observação a fim de se estudar quais são os fatores necessários para a germinação.
Benefícios científicos de conhecer e preservar árvores
O estudo para evitar a extinção de Crinodendron brasiliense é um interesse que vai muito além do apego sentimental dos pesquisadores. Preservar uma espécie significa manter o equilíbrio ecológico do bioma onde ela ocorre, principalmente quando se trata de uma árvore extremamente endêmica como o cinzeiro-pataguá. Estudar essa espécie na tentativa de preservá-la trará uma visibilidade ainda maior para a necessidade de preservar o ecossistema como um todo.
Além disso, por ser uma espécie rara e ainda pouco conhecida pela ciência, os pesquisadores não descartam a possibilidade de descobrirem nela alguma propriedade útil para o ser humano. “Isso é uma das coisas que justifica conservar e preservar uma espécie: investigar seus potenciais usos. Podemos descobrir, por exemplo, que essa espécie possui uma substância com potencial de se tornar um remédio para tratamento ou cura de doenças, talvez o tronco possa fornecer algum elemento diferente”, diz Rafael.
Pode parecer contraditório, mas buscar um potencial uso comercial de uma espécie também é uma forma de conservá-la. Esse é o conceito de “conservação pelo uso”. Se a ciência descobrir nessa planta algum uso benéfico direto, a sua exploração de forma consciente e responsável é benéfica tanto para a espécie quanto para a sociedade. Além disso, essa espécie ainda fornece alimento para a fauna, contribui no controle da erosão do solo, na porosidade do solo para a infiltração lenta das águas e na estocagem de carbono, provendo serviços ecossistêmicos importantes para a sociedade humana.
Por que estudos como este devem ser incentivados
Inúmeros estudos científicos mostram que a presença de árvores é essencial para a saúde humana, melhorando significativamente a condição física e mental das pessoas. Um exemplo bem conhecido é Ginkgo biloba, único sobrevivente de um antigo grupo de árvores, o que a torna uma das espécies mais antigas do mundo, já que é de um tempo anterior à existência de dinossauros na Terra, há mais de 150 milhões de anos. Por esse motivo, ela é reconhecida como um “fóssil vivo”. Além da beleza dessa planta milenar, o seu uso para fins medicinais, inclusive auxiliando na cognição, já foi comprovado cientificamente.
O conhecimento e a conservação dessa árvore se deram por conta do interesse e da intervenção humana – inicialmente a espécie foi descoberta em uma situação crítica, com possivelmente poucas centenas de indivíduos. Com a descoberta para uso medicinal, ela se popularizou e foi multiplicada. Esta árvore deslumbrante é uma espécie muito solitária hoje em dia, a única da família em sua ordem (Ginkgoales). “Ela é usada e conhecida no mundo inteiro e escapou da extinção, apesar do cenário dramático que estava. Então, nós podemos fazer alguma coisa pelo Crinodendron, não só pela espécie em si, mas para conscientizar a respeito da preservação da ecorregião como um todo”, diz Eduardo.
Plantas raras em perigo de extinção
Crinodendron brasiliense ocorre em um dos hotspots para conservação da biodiversidade: a Mata Atlântica. Essa ecorregião é mundialmente conhecida por seu grande número de espécies endêmicas e onde Crinodendron brasiliense é mais um exemplo. A Mata Atlântica também e reconhecida pela grande perda de habitat pela qual tem passado. Hoje restam entre 7% e 27% da floresta original dessa ecorregião.
Segundo o Centro Nacional de Conservação da Flora (CNCFlora), existem 2.953 espécies da flora brasileira ameaçadas de extinção. O órgão é nacional em geração, coordenação e difusão de informação sobre biodiversidade e conservação da flora brasileira ameaçada de extinção. Porém, o CNCFlora não menciona Crinodendron brasiliense, muito provavelmente porque a espécie não chegou a ser avaliada pelos especialistas do grupo ou em mais um exemplo das lacunas de conhecimento sobre a espécie.
Assim, em uma etapa anterior ao projeto atual, Rafael submeteu os dados de Crinodendron brasiliense à Lista Vermelha da União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN), um órgão internacional com função semelhante ao CNCFlora. A lista da IUCN possui três níveis de classificação das espécies ameaçadas: vulnerável, em perigo, e criticamente ameaçado. Com essa iniciativa, a espécie foi reconhecida como ameaçada globalmente e, atualmente, Crinodendron está no segundo grau, sendo considerado uma espécie em perigo de extinção.
Os pesquisadores estão buscando dados para saber se os indivíduos dessa espécie estão aumentando ou diminuindo, a fim de monitorar quão crítica é a sua situação. “Essa é a importância das pesquisas de longa duração. Não é só saber quantos indivíduos essa população tem. Temos que acompanhar a variação ao longo do tempo”, diz Sofia Casali, estudante de mestrado que integra a equipe de pesquisadores.
O desafio de desenvolver pesquisas no Brasil
Ser pesquisador no Brasil é um desafio e este caso específico ilustra bem a realidade que bate à porta destes e de outros pesquisadores. A equipe de ecólogos conta que esse projeto está sendo realizado com materiais improvisados. As bandejas onde estão plantadas as sementes foram reutilizadas de outro experimento. O viveiro também foi construído com o que estava à disposição. Rafael conta que “o ideal seria ter um viveiro grande, com vários níveis de luz, controlar a luz e a irrigação, e ter um freezer para fazer o tratamento das sementes com o frio, entre outras coisas”, argumenta o ecólogo.
Outro problema que o grupo enfrenta é o custo do deslocamento até o Parque Nacional de São Joaquim. “Seria bom que esse viveiro tivesse um sistema de irrigação, porque a gente não está lá o tempo todo, no caso de alguns dias sem chuva, temos que ligar para o vigilante do parque dar uma olhada para ver se a terra está úmida”, complementa o ecólogo.
Além das faltas estruturais nos materiais de pesquisa e deslocamentos, a casa no Parque Nacional de São Joaquim, local de alojamento para grupos que realizam estudos de campo, não é totalmente adequada. “A gente não consegue dormir direito, pois os colchões são velhos, a casa não tem estrutura, chove dentro, e nós mesmos tivemos que instalar tomadas e um chuveiro, além de consertar a fiação em alguns pontos”, comenta Rafael. “Ainda assim, além de pesquisas, disciplinas de diferentes universidades são desenvolvidas ali, e dependem do alojamento.
O entorno do alojamento também é muito bonito, existem trilhas que são visitadas por turistas diariamente. Ou seja, há um grande potencial para o local se tornar um centro de pesquisa e de educação ambiental que poderia também servir para sediar eventos e aproximar a ciência da sociedade”, complementa.
Os pesquisadores, além de realizar o trabalho de investigação, têm de se responsabilizar pela manutenção do alojamento. “O pesquisador que coleta dados é o mesmo que sobe no teto e no forro para arrumar um fio de luz ou consertar uma telha”, conta Rafael. A equipe diz que se recebessem mais recursos, iriam usar para melhorar as condições da casa. Sofia comenta que: “para alguém que quer saber como é ser pesquisador no Brasil é só ir lá no alojamento”, enfatiza.
Todo esse contexto vivido pelo grupo de ecólogos da UFSC, reflete, de alguma maneira, o baixo nível de investimento em ciência e tecnologia no Brasil. Dados do Banco Mundial e do próprio Ministério de Ciência e Tecnologia revelam que o país investe somente 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB) em ciência e tecnologia. “Embora o pontapé inicial do projeto com Crinodendron tenha vindo de financiamento do CNPq e da FAPESC, que financiam o projeto do programa de pesquisas ecológicas de longa duração, que descreve e monitora a biodiversidade catarinense (o PELD-BISC), os recursos são limitados, além de distribuídos entre praticamente 40 pesquisadores e mais de uma dezena de subprojetos. Logo, não restaram recursos diretos do PELD-BISC para trabalhar com Crinodendron”, explica Eduardo.
Assim, no caso das pesquisas em torno desta espécie restrita ao estado de Santa Catarina, ainda não há nenhum tipo de financiamento direto. Na descrição do projeto constam alguns possíveis setores que se beneficiariam com o estudo, como por exemplo, empresas de produção de madeira, fabricação de papel, provedoras de água, construtoras rodoviárias e exploradoras de recursos naturais.
Conforme o grupo de pesquisadores da UFSC, a crise climática e a perda de biodiversidade são pautas urgentes e de interesse comum, envolvendo aspectos econômicos, de desenvolvimento, de segurança, sociais, morais e éticos. “Por isso, é inaceitável para nós, pesquisadores, observar o desaparecimento de uma espécie”, finaliza Rafael Barbizan. [1]
[1] Texto de Maria Magnabosco e Rafaela Souza (Núcleo de Apoio à Divulgação Científica / UFSC).
Como citar este texto: UFSC. Ecólogos da UFSC dizem que o Crinodendron brasiliense é uma espécie em perigo de extinção. Texto de Maria Magnabosco e Rafaela Souza. Saense. https://saense.com.br/2022/11/ecologos-da-ufsc-dizem-que-o-crinodendron-brasiliense-e-uma-especie-em-perigo-de-extincao/. Publicado em 25 de novembro (2022).