Fiocruz
29/11/2022
O petroleiro Roberto Viegas Krappa iniciou aos 25 anos o que parecia ser uma carreira estável e de sucesso em uma das maiores empresas do Brasil. A sonhada oportunidade profissional lhe permitiria alcançar novas metas de vida, como a constituição de uma família e demais passos até a merecida aposentadoria, no futuro. Já no ano seguinte, casou-se e pouco tempo depois vieram os filhos. Seus planos, porém, foram bruscamente interrompidos por uma partida precoce, apenas 11 anos após ingressar na Petrobras, deixando esposa e um casal de filhos, na época, com 9 e 4 anos. A morte prematura foi ocasionada por uma leucemia mieloide aguda e ocorreu em 5 de outubro de 2004, oito dias depois de seu aniversário de 36 anos.
A data se tornou símbolo da luta em prol de melhores condições laborais para trabalhadores da indústria do petróleo e derivados e de siderúrgicas no país. A principal causa apontada para o surgimento da doença que levou Roberto à morte em apenas 22 dias desde os primeiros sintomas foi a exposição a um agente cancerígeno presente em sua rotina de trabalho como técnico de operações na Refinaria Presidente Bernardes (RPBC), em Cubatão (SP): o benzeno.
Uma das instâncias responsáveis pela regulação e pelo monitoramento dos setores petroquímico e siderúrgico que manipulam o agente químico era a Comissão Nacional Permanente do Benzeno (CNPBz), que foi extinta pelo governo Bolsonaro, em 22 de agosto de 2019, por meio da Portaria nº 972. Segundo especialistas ouvidos por Radis, um dos impactos da medida é a falta de fiscalização e controle sobre o nível de exposição dos trabalhadores — os riscos para a saúde das pessoas que lidam cotidianamente com este produto tornam-se ainda maiores.
A Comissão tripartite — composta por representações do governo, dos trabalhadores e dos empregadores — foi criada em 1996 como um dos desdobramentos do Acordo Nacional do Benzeno, firmado no ano anterior. Além da CNPBz, cerca de outras 70 comissões e iniciativas ligadas à vigilância, saúde e segurança no trabalho foram desarticuladas pelo mesmo ato administrativo. A proposta de compensação pela medida seria a absorção de todas as comissões extintas pela Comissão Tripartite Paritária Permanente (CTPP).
DESMONTE DA FISCALIZAÇÃO
Composto por seis átomos de carbono e outros seis de hidrogênio, o benzeno é um hidrocarboneto de aroma adocicado, encontrado em temperatura ambiente sob a forma líquida. É uma substância altamente inflamável e volátil, utilizada na cadeia processual dos derivados de petróleo — incluindo a gasolina — e na siderurgia, por meio da queima do carvão. De acordo com relatórios da Agência Internacional para Pesquisa em Câncer (International Agency for Research on Cancer — Iarc), órgão ligado à Organização Mundial da Saúde (OMS), além de estar presente na indústria do petróleo, o benzeno também é matéria-prima básica importante na indústria química para fabricação de vários produtos como plásticos, resinas, fibras, detergentes, corantes, pesticidas, entre outros. Relatórios da OMS atestam que o benzeno é altamente perigoso para a população e está entre os dez maiores problemas químicos para a saúde e o meio ambiente, classificado como agente carcinogênico para humanos.
Arline Arcuri, doutora em Química e pesquisadora da Fundação Jorge Duprat Figueiredo, de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro), participou da fundação da CNPBz e lamentou o revés sofrido em 2019. “O desmonte dessa e de tantas outras comissões representou uma perda muito grande, principalmente no controle da exposição dos trabalhadores e reconhecimento do risco de exposição ao agente”, declara. A pesquisadora explica como a decisão impacta a vigilância no trabalho: “As fiscalizações nas empresas agora ficam a cargo apenas dos fiscais do trabalho ou de profissionais relacionados aos programas de saúde do trabalhador do SUS”. Segundo ela, com o desmonte do serviço público em geral, estes profissionais estão cada vez em menor número e não teriam possibilidade de acompanhar as ações relacionadas ao benzeno.
A decisão do governo federal afetou não só a Comissão Nacional do Benzeno, mas desarticulou também as instâncias locais a ela interligadas e que acompanhavam a realidade dos trabalhadores de forma mais próxima, em colegiados regionais e estaduais. Marcelo Juvenal, coordenador do Departamento de Saúde, Segurança e Meio Ambiente no Sindicato dos Petroleiros do Litoral Paulista (Sindipetro-LP) e diretor da Secretaria de Saúde, Segurança e Meio Ambiente da Federação Nacional do Petróleo (FNP), também se ressente desse movimento de enfraquecimento na fiscalização das atividades com benzeno.
“Agora, com a extinção da Comissão Nacional, fica muito mais difícil a gente reduzir essas exposições. Pelo contrário, fica muito mais fácil para as empresas esconderem e omitirem tudo o que estão fazendo de errado, pois com a CNPBz, tínhamos as comissões estaduais e regionais também”, avalia. Marcelo ainda detalha algumas das lacunas deixadas com a decisão desfavorável aos trabalhadores: “Havia fiscalização local, troca de experiências e visitas técnicas da Comissão Nacional”.
Outro precursor das discussões do benzeno no Brasil, Alexandre Jacobina — que também integrou a CNPBz e foi coordenador de Vigilância da Saúde do Trabalhador do Estado da Bahia — também se manifestou contrário ao que classificou como retrocesso praticado pelo governo. “O desmonte da Comissão tem resultado em um descontrole dos ambientes de trabalho e no aumento da exposição dos trabalhadores, principalmente no que diz respeito ao benzeno, já que a legislação é relativamente nova e carece de fiscalização”, comentou em um podcast produzido e veiculado recentemente pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz).
CONTROLE DA EXPOSIÇÃO
O Acordo Nacional do Benzeno, assinado em dezembro de 1995, foi o documento que estabeleceu a pactuação tripartite para restrição da exposição e do uso do benzeno em diversos processos produtivos no país. O tratado norteia as ações dos setores envolvidos com a produção, manipulação e fiscalização da substância no setor industrial. Além disso, o acordo originou a própria CNPBz e o Grupo de Representação dos Trabalhadores do Benzeno (GTB) como parte integrante da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa) das empresas que utilizam benzeno em sua cadeia produtiva. “A função da Comissão era atuar como um fórum tripartite de discussão, negociação e acompanhamento deste acordo. Não tinha funções de natureza executiva e se relacionava diretamente com a Secretaria de Saúde e Segurança no Trabalho, do Ministério do Trabalho”, relata Arline.
Como desdobramento das discussões que originaram a criação da CNPBz e o amadurecimento de sua própria atuação, um dos maiores legados da Comissão foi a publicação do Anexo 13A da Norma Regulamentadora (NR) 15, instrumento que regulamenta atividades e operações insalubres no Brasil. A partir do Anexo 13A, desde janeiro de 1997 a utilização do benzeno foi proibida para qualquer emprego, exceto nas indústrias e laboratórios que o produzem, o utilizem em processos de síntese química e o empreguem em combustíveis derivados de petróleo ou em trabalhos de análise ou investigação realizados em laboratório, quando não for possível sua substituição.
Segundo Jorge Machado, médico do trabalho, pesquisador da Fiocruz Brasília e um dos ex-representantes do Ministério da Saúde na CNPBz, a criação dos GTBs foi uma conquista importante advinda desse movimento e que devem permanecer ativos. “Mesmo com a Portaria 972, o Acordo do Benzeno segue em vigor”, ressalta. Para ele, a experiência exitosa da CNPBz deveria servir de modelo de articulação ao invés de ser descontinuada pelo governo. “O caso do benzeno foi uma experiência bastante rica do ponto de vista da saúde do trabalhador no Brasil. É exemplar para outras formas de abordagem da integração entre vigilância em saúde do trabalhador, saúde ambiental e atenção básica. Isso é um modelo de ação que funciona”, afirma, destacando o protagonismo e a valorização dos trabalhadores nesse processo.
Assim como seus antigos colegas de CNPBz, o pesquisador também discorda da desarticulação implementada há três anos. “Na minha opinião, a portaria que acaba com a Comissão foi péssima. Isso é exatamente a forma de não-fazer uma ação ligada à saúde e segurança no Brasil, inclusive porque esse exemplo é bastante emblemático e vitorioso”. Embora tanto ele como Arline reconheçam entraves e pontos que poderiam ter avançado mais, a Comissão obteve êxito no que foi designada a fazer, como relata a pesquisadora. “A meu ver ela cumpriu, até sua extinção, quase todas as suas atribuições. O maior impasse era o de reconhecimento por algumas empresas da exposição dos trabalhadores a este agente”.
SEM ESPAÇO PARA DISCUSSÃO
Uma das consequências mais lamentadas por Jorge com o desmonte da Comissão do Benzeno foi a desarticulação em relação aos órgãos de acompanhamento e a ausência de informações atualizadas e consistentes sobre os processos que envolvem a substância em todo o país. Para o diretor do Sindipetro-LP, Marcelo Juvenal, a desarticulação não é casual e tinha o claro objetivo de enfraquecer o movimento trabalhista e a atuação sindical no Brasil.
Petroleiro há 20 anos na RPBC (Petrobras) e diretor sindical há 16, Marcelo avalia que o desmonte é orquestrado. Ele lembra que um dos primeiros atos de Jair Bolsonaro foi extinguir o Ministério do Trabalho, transformando-o em Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, subordinada ao Ministério da Economia. O sindicalista afirma também que as comissões tripartites eram previstas pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e adverte que a medida prejudica o controle social. “A sociedade participava da Comissão através de suas representações. Seu fim tira a voz das organizações sociais”. A própria CTPP, que absorveu todas as comissões extintas em agosto de 2019, também havia sido extinta e precisou ser reativada para que ocorresse algum grau de interlocução técnica entre as instituições e o governo. Para Marcelo, dentro do cenário de desmonte criado, a CTPP ainda tem cumprido seu papel na medida do possível.
Segundo ele, a interrupção das visitas que a CNPBz realizava periodicamente é outra grave perda. “Com essa ausência, a menos que haja uma denúncia, a gente não sabe se os trabalhadores estão mais expostos”. Sem a Comissão, o sindicato precisa de mais atuação do setor público: “Quando a gente vê irregularidades, denunciamos para as Secretarias de Inspeção do Trabalho. Mas muitas vezes as empresas acabam omitindo informações. Infelizmente, nem todos os auditores têm familiaridade com o benzeno, como era na época da CNPBz”, argumenta.
Participante ativa das articulações e discussões sobre o benzeno, a farmacêutica e doutora em biologia celular e molecular Rita Mattos, pesquisadora do Centro de Estudos em Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh/Ensp) da Fiocruz, reforça as consequências negativas da extinção da CNPBz, que não se esgotam no ato em si. “Além do desmonte da Comissão, a gente também teve uma perda de verba para a fiscalização trabalhista significativa”, pontua. Para Alexandre, o terreno perdido precisa ser recuperado: “Com o retrocesso que é o fim da CNPBz, essa discussão da exposição ao benzeno perdeu espaço e ficou órfã. Ou seja, perdemos um espaço técnico e político e principalmente um espaço onde conseguimos reunir muitos trabalhadores e trocar experiências”.
O principal receio dos trabalhadores é que os avanços obtidos em mais de duas décadas de atuação da Comissão Nacional se percam. E que, com isso, as empresas passem a diminuir cada vez mais o rigor na busca por medidas que minimizem a exposição dos trabalhadores ao benzeno, uma vez que a interrupção de seu uso se mostra inviável a curto, médio e longo prazos. Tal descaso acarretaria prejuízos também ao meio ambiente.
A sociedade participava da comissão através de suas representações. Seu fim tira a voz das organizações sociais.
Marcelo Juvenal, Diretor do SINDIPETRO-LP
A PIOR SENTINELA
Marcelo Juvenal faz um alerta que eleva a preocupação em relação ao arrefecimento das medidas de proteção e segurança no trabalho. Para o diretor sindical, as reivindicações no campo da saúde do trabalhador comumente só tendem a ganhar força e providências à custa de danos à saúde ou até mesmo perda de vidas. “Infelizmente, a gente só consegue avançar nessa questão com registro de adoecimentos e mortes”, frisou, justificando que a epidemia de leucopenia em Cubatão, na década de 1980, só mobilizou a sociedade civil e órgãos públicos após denúncia de mais de 2 mil casos de trabalhadores com alterações hematológicas na região. Episódio esse que marca o início da investigação sobre uso industrial do benzeno no Brasil.
“As mortes sempre aconteceram, mas como a gente não tinha legislação específica sobre o assunto, não existia estudo e a gente não conseguia [estabelecer] nexo causal. Então, só depois de 10 anos as mortes começaram a ser reconhecidas, como foi o caso do Roberto Krappa”, afirma Marcelo. Conforme relato do sindicalista, posteriormente novos casos foram reportados. “Aqui em Cubatão, em 2017, ao perceber os primeiros sintomas de agravo, o petroleiro Marcelo do Couto Santos procurou o Sindicato para pedir ajuda. Ele foi afastado das atividades, mas já apresentava alterações na medula. Seu médico particular pediu aposentadoria por invalidez e pouco depois ele faleceu. Como o óbito ocorreu já na aposentadoria, a empresa quis negar o nexo. Mas a gente sabe que o adoecimento é decorrente da exposição de anos, até porque a exposição é algo contínuo”, narra.
Pesquisadores e trabalhadores que atuam com a substância afirmam que não há limite de segurança para exposição ocupacional ao benzeno, ou seja, qualquer contato pode ser nocivo. A contaminação pode ocorrer principalmente via absorção pela pele, em sua forma líquida, ou por vias respiratórias, quando o benzeno é inalado na evaporação de gases. Segundo os pesquisadores, as empresas devem se comprometer a aperfeiçoar técnicas e mecanismos que diminuam a exposição e garantir equipamentos de proteção que evitem o contato direto.
Ainda em relação à exposição dos petroleiros a agentes cancerígenos, como o benzeno, Marcelo relata que, em 2019, realizou um levantamento de associados do Sindipetro Litoral Paulista que teriam falecido no ano anterior. A listagem era de 49 pessoas. Ao excluir as que não trabalhavam com a indústria do petróleo/benzeno diretamente, a listagem final para análise ficou em 45. Desse montante, 17 morreram em decorrência de câncer. Ao comparar com a incidência de letalidade pela mesma causa na região, Marcelo percebeu a discrepância. Enquanto na Baixada Santista o índice de morte por câncer no mesmo ano foi de 16% na população geral, entre os petroleiros a contagem resultou em 38% dos óbitos, portanto, mais do que o dobro.
Embora estivesse ciente quanto à probabilidade de maior exposição a agentes químicos por parte da categoria, Marcelo chama atenção para a elevação do grau desse risco, que já entender ser presente, inclusive, para quem vive no local. “A gente mora na mesma região, bebe da mesma água, que pode conter alguns elementos radioativos, o ar pode estar mais contaminado por poluição, e daí, mesmo considerando também os hábitos de vida individuais, como tabagismo, dentro dessa mesma localidade você ter mais que o dobro mortes por câncer, não é estranho?”, reflete a partir de sua hipótese.
“Entendo que as empresas que não eliminam o benzeno de sua cadeia produtiva, especialmente as do porte da Petrobras, precisam no mínimo reduzir a exposição”, considera. Ele também defende o custeio integral do plano de saúde, sem repasse aos trabalhadores, incluindo os aposentados, “que é quando iremos precisar ainda mais tratar os problemas decorrentes da exposição”, completa.
POSTOS DE COMBUSTÍVEL E PREOCUPAÇÃO AMBIENTAL
Nos polos petroquímicos e siderúrgicos, o cuidado ambiental também é requerido junto à população local. “Os entornos de refinarias e siderúrgicas são expostos em maior ou menor grau, porém, com sua atuação, a Comissão também reduziu drasticamente a exposição nesse âmbito”, afirma Jorge.
Outra importante fonte de preocupação em relação à emissão de benzeno são os postos de revenda de combustível. O segmento foi o último a ser incorporado nas discussões da CNPBz, especialmente por resistência do setor patronal devido à sua ausência no Acordo do Benzeno. Dessa forma, nos postos de combustível, a preocupação vai além do aspecto ocupacional, em que os frentistas são os mais expostos, mas leva em conta o impacto no meio ambiente, devido especialmente à evaporação dos gases provenientes da gasolina no abastecimento de reservatórios e dos próprios veículos.
Jorge relembra um caso de contaminação ambiental que repercutiu inclusive na imprensa, no início dos anos 2000, que foi o vazamento nos dutos e tanques subterrâneos de combustíveis do posto Brazuca, na região administrativa de Sobradinho (DF). O acidente contaminou o lençol freático da localidade, alterando cheiro, coloração e aspecto da água consumida pela população local em poços artesianos. Na época, entre 2001 e 2002, moradores da região sentiram-se mal e tiveram a presença de benzeno detectada na corrente sanguínea. O pesquisador da Fiocruz cita que a ocorrência contribuiu para ampliar a discussão ambiental em relação aos postos de combustível.
Em 2006, Curitiba sediou o Seminário do Benzeno em Postos de Revenda de Combustíveis, atividade embrionária para a criação de uma subcomissão de postos de combustíveis vinculada à CNPBz anos depois. Alexandre Jacobina explica os frutos da atuação. “Importante falar de alguns avanços obtidos com muita luta no que diz respeito à legislação trabalhista e legislação específica do benzeno [nos postos]”, ressalta. “Em 2007, essa questão emerge via saúde do trabalhador, pelo SUS, e em agosto de 2011 é instituída a subcomissão de postos de combustíveis, com o objetivo de propor requisitos mínimos de segurança e saúde para os trabalhadores dos postos”, relata.
Em 2016, a primeira norma legal específica para postos de combustíveis foi publicada, sendo modificada em 2019, quando passou a compor a NR -20 (segurança e saúde no trabalho com inflamáveis e combustíveis). Para Alexandre, com isso, ainda ficaram lacunas como a falta de controle de vapores no descarregamento de combustíveis, segundo ele, “uma atividade de alto risco para os trabalhadores de postos e do entorno”. A mudança na norma também ampliou os prazos para instalação de um sistema de recuperação de vapores nas bombas dos postos. Segundo a legislação, as adequações deverão ser iniciadas até 31 de dezembro de 2024 e concluídas até o fim de 2033, levando em conta o ano de fabricação das bombas.
PROTEÇÃO PARA OS FRENTISTAS
Para os frentistas, um dos momentos de maior risco de contato com o benzeno presente na gasolina ocorre durante o abastecimento dos veículos. Para minimizar esse dano, um grupo de pesquisadores liderado pela Ensp/Fiocruz, em parceria com o Sindicato dos Empregados em Postos de Serviços de Combustíveis e Derivados de Petróleo do Estado do Rio de Janeiro (Sinpospetro-RJ), realizou uma série de ações de sensibilização junto à sociedade. Um dos desdobramentos foi a aprovação da Lei estadual nº 6.964/2015, no Rio de Janeiro, que proíbe abastecimentos além da trava automática, protegendo os trabalhadores do contato direto com a gasolina.
Também foi criada uma cartilha informativa e um personagem chamado Zé do Click para orientação dos frentistas — em agosto de 2016, a Radis 167 abordou os riscos do benzeno em postos de combustíveis e já alertava para o tema. Rita Mattos, à frente do projeto pela Ensp, enfatizou a preocupação em expandir o cuidado com a exposição para além do espaço físico dos postos e do âmbito da saúde do trabalhador. “O trabalho que a gente fez sensibilizou outras áreas. É um problema ocupacional enorme, mas também é uma questão ambiental que precisa ser acompanhada. Ao minimizar a exposição dos trabalhadores, essas ações refletem-se no meio ambiente”, analisa.
Sobre um eventual retorno da Comissão Nacional do Benzeno, Arline Arcuri sugere o fortalecimento da Comissão a partir da incorporação de novos setores, como ONGs e universidades. Jorge Machado ressalta a necessidade de uma rápida retomada: “A CNPBz precisa ser reconduzida. Não sei se pelo Ministério do Trabalho, como foi, mas talvez até na Casa Civil, mais próxima de uma localização interministerial. Tem força latente para ser reativada, experiência e um lastro que ficou. Muitos estados continuam com ações nos postos de gasolina pelo SUS, por exemplo”, avalia.
FIOCRUZ PREPARA REPOSITÓRIO VIRTUAL DO BENZENO
O Cesteh vem trabalhando juntamente com a Coordenação de Comunicação Institucional da Ensp e a Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção de Saúde (VPAAPS) da Fiocruz na criação de um espaço virtual e interativo que funcione como um repositório específico para o benzeno, que se chamará Vigilância do Benzeno. Rita Mattos tem conduzido o projeto, cuja expectativa é ser lançado ainda em 2022. A ferramenta possibilitará a localização de produções acadêmicas e documentos históricos da CNPBz, como fotos, atas e pautas de reuniões. “Um local que possa contar a história e armazenar notícias e produções acadêmicas sobre o benzeno”, explica Rita. A ideia do repositório surgiu durante o 4º Encontro Nacional de Vigilância em Saúde do Trabalhador, com a participação de acadêmicos e técnicos da Fiocruz e de diversas outras instituições de pesquisa e vigilância em saúde do trabalhador. A pesquisadora do Cesteh afirma ainda que a ideia do repositório é também fortalecer o controle social e a atuação dos sindicatos e estimular a participação dos trabalhadores.
DATA DE LUTA
A morte do petroleiro da RPBC-Petrobrás Roberto Krappa, por leucemia mieloide aguda, em 2004, foi emblemática na história da CNPBz, que estabeleceu a data de 5 de outubro como o Dia Nacional de Luta contra a Exposição ao Benzeno. Desde 2005, primeiro ano após o óbito, diversas iniciativas de conscientização e de formação de trabalhadores em relação aos riscos do benzeno são promovidas pelos sindicatos de petroleiros e representantes da bancada de trabalhadores. Os atos relembram o caso em homenagem ao trabalhador e visam melhorias nas condições de trabalho, além de despertar a atenção das empresas para a causa. Até hoje, mesmo com o nexo causal estabelecido pelo INSS e após vencer vários processos judiciais contra a empresa, a viúva de Roberto, Júlia Krappa, afirma ainda lutar na justiça para que a Petrobrás arque com todas as indenizações devidas.
DADOS DE CÂNCER NO TRABALHO
A página do Inca no portal Gov.br informa que de 4 a 17% dos casos de câncer no mundo estão atribuídos ao trabalho. O texto diz que em 2018, segundo a OMS, 472.124 mortes foram atribuídas ao câncer relacionado ao trabalho. Isso corresponderia a 53% do total de mortes de todas as doenças crônicas relacionadas ao trabalho. Existem hoje 79 agentes cancerígenos conhecidos nos ambientes laborais e 38 tipos de câncer relacionados ao trabalho. Os dez carcinógenos mais importantes presentes nesses ambientes representam cerca de 85% de todas as mortes relacionadas às atividades ocupacionais. A redação adverte que mesmo em situações de troca de função, emprego ou aposentadoria, o trabalhador pode desenvolver câncer relacionado à sua atividade laborativa e apresentar sinais e sintomas da doença muito tempo depois. Saiba mais em: https://bit.ly/3TmkHFP.
CRIAÇÃO DA CNPBZ
A CNPBz foi criada na esteira do processo de redemocratização no Brasil, como afirma Arline Arcuri. A pesquisadora da Fundacentro ressalta a reorganização dos sindicatos, na década de 1980, como aspecto fundamental para que as denúncias sobre exposição e contaminação por agentes químicos fossem aprofundadas. “Em 1983, o Sindicato dos Metalúrgicos de Santos denuncia a existência de centenas de casos de leucopenia entre trabalhadores da coqueria da Cosipa [atualmente Usiminas], em Cubatão (SP). Em 1984, foram diagnosticados casos de leucopenia entre trabalhadores da manutenção e montagem industrial, denunciados pelo Sindicato da Construção Civil de Santos”. Lia Giraldo, uma das médicas responsáveis pela identificação desses casos em Cubatão, concedeu uma entrevista ao canal da Ensp no YouTube destacando as ações pioneiras que resultaram no surgimento da CNPBz e ressaltou a valorização sindical à saúde do trabalhador como aspecto chave para esse desdobramento. “A partir do início da década de 1980, os sindicatos começam a valorizar a luta sindical pela saúde. Então, nos polos petroquímicos e siderúrgicos os sindicatos mais fortes e organizados começam também a pautar o tema da saúde. Daí a questão do benzeno surgiu, inicialmente com denúncias em Cubatão. Começa com os trabalhadores metalúrgicos da Cosipa, seguidos pelos petroleiros, e depois os outros estados do Brasil mostraram que o problema não se restringia a Cubatão”, afirmou a médica. A íntegra da entrevista pode ser acessada em: https://bit.ly/liagiraldobenzenoensp. [2]
[1] Design sobre foto: Felipe Plauska.
[2] Texto de Glauber Tiburtino
Como citar esta notícia: Fiocruz. Benzeno sem controle. Texto de Glauber Tiburtino. Saense. https://saense.com.br/2022/11/benzeno-sem-controle/. Publicado em 29 de novembro (2022).