Agência FAPESP
12/03/2024
Agência FAPESP* – A presença de grandes quantidades de lixo no oceano é um tema que vem ganhando cada vez mais atenção e estudo, entretanto, são poucas as avaliações referentes ao oceano profundo (com mais de 200 metros de profundidade). Um primeiro relatório sobre a presença de lixo marinho persistente no talude continental do Sul e Sudeste do Brasil foi publicado na revista Marine Pollution Bulletin e traz dados alarmantes: foi encontrado lixo em 28 dos 31 locais amostrados em duas áreas distintas da costa Sul/Sudeste do Brasil e, em alguns deles, a quantidade de resíduos foi maior que a de peixes e invertebrados.
“Nosso projeto tem como objetivo estudar os peixes e outros animais de mar profundo, entre 200 e 1.500 metros de profundidade, e percebemos que em praticamente todas as coletas também vinha uma grande quantidade de lixo”, explica Marcelo Melo, do Laboratório de Diversidade, Ecologia e Evolução de Peixes do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo. A equipe de pesquisa decidiu, então, guardar e estudar todo o lixo coletado.
Para Flávia Masumoto, pesquisadora do grupo e primeira autora do artigo, a quantidade de lixo encontrada foi espantosa, o que levou à decisão de guardar, secar, pesar, quantificar e analisar o material encontrado. “Foi surpreendente o fato de não encontrarmos nenhum artigo analisando a presença de lixo no oceano profundo brasileiro. Encontramos sim algumas análises sobre lixo no oceano, mas apenas sobre a costa brasileira, e isso reforçou a importância do trabalho que estávamos realizando”, afirma.
A pesquisa, financiada pela FAPESP por meio de dois projetos (17/12909-4 e 19/20912-0) vinculados ao Programa BIOTA, coletou material em 16 pontos de São Paulo e 15 estações de Santa Catarina. Em apenas três locais paulistas não foi encontrado nenhum lixo. Um total de 603 itens foi obtido, com uma massa de 13,78 quilos.
“Apesar de o oceano profundo ser uma área bastante vasta, a luz solar não chega de forma eficiente para produção de fotossíntese, então não tem plantas nem algas. É, portanto, uma área com pouca biomassa. É importante ter isso em mente para analisar esses 13 quilos de lixo encontrados, pois em algumas áreas coletamos uma massa maior de lixo do que de peixes e invertebrados”, explica Melo.
Tipo e origem do lixo
O material predominante foi o plástico, presente em todos os pontos de coleta, representando 58,5% do total recolhido. Tecidos e metais também foram frequentes, correspondendo a 14% e 11% do lixo coletado, respectivamente. Tintas catalisadas para barcos, vidro e concreto também foram identificados.
“Não observamos nenhum padrão na distribuição do lixo ao longo da profundidade, porém, observamos maior quantidade de lixo em São Paulo do que em Santa Catarina”, conta Melo. De acordo com Masumoto, essa diferença pode estar relacionada com a proximidade de áreas litorâneas mais urbanizadas, do Porto de Santos e da Bacia de Santos, onde há maior tráfego de navios e a presença de plataformas de petróleo.
São duas as principais fontes de lixo marinho: o material que é descartado nas regiões costeiras e transportado pelos rios e/ou pelo vento até a costa ou despejado diretamente na praia ou o material gerado por plataformas de petróleo e gás, embarcações, navios e outras instalações que é despejado diretamente no oceano.
“É muito difícil determinar qual é a origem do lixo, mas avaliamos, pelo tipo do lixo encontrado e pela distância do continente, que a maior parte veio de embarcações ou plataformas”, aponta Masumoto, “encontramos muitas latas de milho e ervilha, por exemplo, e produtos de pelo menos oito países estrangeiros que identificamos pelo rótulo. Ou seja, nós conseguimos determinar com certeza onde o material foi produzido, mas não onde ele foi descartado, isso é um dos desafios para a análise de lixo no oceano”.
Apesar da Lei 9.966, de 28 de abril de 2000, que veda o descarte direto de lixo no mar por embarcações e plataformas, o resultado da pesquisa indica a necessidade de conscientização e fiscalização mais efetiva.
Lixo desconhecido
O oceano profundo é de difícil acesso e pouco conhecido. “A gente pensa que essas regiões estão isentas da ação do ser humano, mas lá tem atividades industriais, como exploração de petróleo e de gás, e pesca”, comenta Melo.
Os pesquisadores encontraram, por exemplo, animais crescendo associados ao lixo, como esponjas marinhas, poliquetas e cracas fixadas aos restos. A presença de resíduos de milho e soja no conteúdo estomacal de um peixe-granadeiro (família Macrouridae) indica que a fauna está consumindo os restos de alimentos que estão sendo despejados diretamente no oceano, outro tipo de impacto que ainda precisa ser mais estudado. Além disso, as pesquisas estão em uma nova fase para avaliar a presença de microplástico no conteúdo estomacal dos peixes já coletados.
“Verificamos que o lixo está chegando nessas áreas também. Isso tem um impacto muito grande nos organismos que vivem nessa região e nós ainda precisamos estudar sobre isso”, finaliza Masumoto.
O artigo First report of deep-sea litter on the Brazilian continental slope, Southwestern Atlantic pode ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0025326X23011529?via%3Dihub.
* Com informações de Érica Speglich, do boletim BIOTA Highlights.
Como citar este texto: Agência FAPESP. Pesquisadores avaliam presença de lixo no oceano profundo do Brasil. Saense. https://saense.com.br/2024/03/pesquisadores-avaliam-presenca-de-lixo-no-oceano-profundo-do-brasil/. Publicado em 12 de março (2024).