Jornal da USP
17/07/2024
Por Beth Amin, fonoaudióloga, cantora, compositora e orientadora vocal do Coralusp
O professor de canto alemão Alfred Wolfson, falecido em 1962, incansável pesquisador do fenômeno vocal, dizia que ao escutar um aluno, não deveríamos nos ater à “voz que sai”, mas as muitas que estão “escondidas’. É uma declaração muito sábia.
O aparelho fonador é extremamente plástico e capaz de um sem número de configurações musculares que se combinam em diferentes resultados sonoros. Se assim não o fosse, não existiriam os imitadores. A voz é o som que nos define e é resultado de uma construção histórica complexa que nasce no nosso primeiro choro e vai se constituindo através da vida, influenciada pelas vozes daqueles com os quais convivemos na mais tenra idade, pela língua que falamos e suas diferentes manifestações nas diferentes regiões do país, pela época em que vivemos etc. até nosso último suspiro.
Como fenômeno humano complexo, é estudada em várias áreas do conhecimento: da Filosofia à Medicina, da Música à Linguística e até Matemática e Física.
Para o filósofo francês Roland Barthes, a voz antecede e sucede a palavra, dando contornos melódicos que adicionam intenções e emoções àquilo que se articula. A fala, sem a voz, é despida de sentido. A voz, como fenômeno físiológico envelhece, assim como o resto do corpo.
Músculos ficam mais fracos, articulações mais rígidas, ligamentos menos elásticos, fazendo com que não tenhamos mais a plasticidade vocal de outrora. O processo de envelhecimento pode culminar em voz fraca, de qualidade rouca e soprosa, articulação pobre, lenta e sem energia resultando muitas vezes numa fala ininteligível que dificulta a comunicação. A mesma necessidade que temos de atividades físicas para mantermos qualidade de vida e independência na velhice, é necessária para a manutenção de uma voz que nos represente no mundo.
Nos dias de hoje, a solidão é comum entre idosos e traz consigo menos momentos de uso da voz no dia a dia. Essa voz fraca causa impacto negativativo no ouvinte, que atribuindo inconscientemente fragilidade ao falante, se desisnteressa da comunicação, o que resulta em ainda mais isolamento do idoso.
Por outro lado, ouvir a própria voz débil é também impactante para o falante, que muitas vezes, mesmo estando saudável, tem a impressão de fraqueza física, de falta de energia, ou de incapacidade. Esse processo é triste, porque envolve falantes e ouvintes, sendo uma perda para os dois, uma vez que idosos tem rica experiência de vida para compartilhar com os mais jovens e a convivência com estes, por sua vez, torna a vida do idoso mais feliz, mais estimulante se mais saudável.
Sabemos que o mundo está envelhecendo e em poucas décadas seremos milhões de idosos habitando o planeta. Políticas públicas se fazem extremamente necessárias, uma vez que teremos muito mais anos da nossa vida como trabalhadores. A voz plena será ainda mais importante!
Um excelente exercício para a manutenção da voz mais clara e mais potente é o canto. É exercício cardio-respiratório e é também considerado uma “musculação” da voz, além de ajudar nas fases iniciais de processos de disfagia (dificuldade na deglutição) que acompanha o envelhecimento.
Ter voz física é ter voz política no mundo. Ter voz, é existir e resistir. Voz é vida!
Vamos cantar? [1]
[1] Publicação original: https://jornal.usp.br/artigos/canto-um-exercicio-que-previne-o-envelhecimento-da-voz/
Como citar este texto: Jornal da USP. Canto: um exercício que previne o envelhecimento da voz. Texto de Beth Amin. Saense. https://saense.com.br/2024/07/canto-um-exercicio-que-previne-o-envelhecimento-da-voz/. Publicado em 17 de julho (2024).