Jornal da USP
31/01/2025

Entre os preparativos para uma cirurgia, o mais conhecido é manter o jejum. Mas não comer ou beber por um longo período pode ser mais uma fonte de preocupação e estresse, principalmente quando o paciente é uma criança. Pensando nos impactos negativos do jejum, as especialistas em nutrição clínica materno-infantil Amanda Braga, Ane Gabriele do Carmo e Gabriela da Cunha, do Instituto da Criança e do Adolescente (ICr) do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), demonstraram que diminuir o tempo de jejum pré-operatório traz resultados positivos para a saúde física e psicológica de pacientes pediátricos.
O jejum antes das cirurgias é recomendado há bastante tempo como uma forma de evitar complicações respiratórias relacionadas a vômitos e aspiração do conteúdo do estômago. No entanto, com o avanço da ciência e das técnicas de anestesia, a opção na maior parte dos casos é abreviar o tempo de jejum com alimentos que deixam poucos resíduos no sistema digestório – estômago e intestinos, principalmente.
A abreviação de jejum pré-operatório é uma prática que consiste em oferecer líquidos claros sem resíduos e ricos em carboidratos – como gelatina, água de coco ou chás – no intuito de acelerar a recuperação após cirurgias e evitar os efeitos do jejum prolongado, como queda do açúcar no sangue e da pressão arterial, desidratação e irritabilidade. Os líquidos podem ser oferecidos mais de uma vez e até uma hora antes do procedimento cirúrgico
Além disso, a prática pode evitar que o paciente entre em um quadro de catabolismo, quando as reservas do corpo começam a ser degradadas para garantir o seu bom funcionamento, um processo comum ao organismo, mas que pode prejudicar a recuperação.
Muitas crianças submetidas a cirurgias já têm doenças crônicas, que acentuam os processos catabólicos, como o câncer. Ou seja, um jejum prolongado pode colocá-las em uma condição nutricional vulnerável, o que afeta também a recuperação. “Existe o risco de complicações na indução anestésica. O paciente pode ter uma queda de pressão durante a indução anestésica [devido ao jejum] e o procedimento é cancelado”, diz Amanda Braga, destacando os efeitos durante a cirurgia.
Apesar dos benefícios, “nos aprofundando sobre o tema, vimos que existe uma carência tanto na prática da abreviação do jejum, quanto no conhecimento dos seus benefícios ”, conta ela. Entre os obstáculos para a disseminação, está a resistência das equipes dos hospitais e da própria família.
A pesquisa foi produzida como trabalho de conclusão da especialização em nutrição materno-infantil, realizada no ICr. No artigo, publicado na Revista de Cirurgia Pediátrica, as pesquisadoras fazem uma revisão, para trazer uma visão ampla sobre a eficácia e a segurança da abreviação de jejum. “Os estudos permitem que a gente infira que a prática é tão segura quanto necessária para evitar os riscos à saúde”, diz.
Cultura do jejum prolongado
A maioria dos estudos analisados mostrou que o protocolo de abreviação de jejum ainda é aplicado predominantemente em adultos e é pouco adotado em hospitais no Brasil e no mundo. “Nós achávamos que, realmente, era uma prática mais disseminada. E não: a gente vê que estamos bem alinhados às práticas internacionais”, conta Maria Bonfim, orientadora da pesquisa e nutricionista responsável pela criação do protocolo de abreviação de jejum do ICr.
Para as pesquisadoras, o motivo da abreviação ser pouco aplicada é a existência de uma cultura do jejum prolongado. “Existe uma resistência das equipes de anestesiologia e dos cirurgiões. Então, essa é a primeira barreira que temos que enfrentar”, diz a professora. “Uma outra barreira, que eu considero extremamente importante, é a das famílias”, completa.
Gabriele do Carmo explica que “as famílias, às vezes, têm medo de perder a cirurgia, e acabam não liberando [oferecer o líquido sem resíduos]”, o que justifica a resistência na adesão.
Impactos emocionais
Além da segurança fisiológica, a abreviação do jejum ameniza o impacto emocional, principalmente no caso de crianças. Ao diminuir o tempo de jejum, e consequentemente seu impacto emocional, os cuidados antes e depois da cirurgia são mais bem aplicados, já que efeitos como irritação podem gerar resistência ao atendimento e mais estresse. “O estresse emocional é um ponto alto para a família, que fica na iminência da cirurgia e, às vezes, precisa ter o horário reagendado”, destaca Gabriele do Carmo.
Com a redução de queixas por sede e fome, e do choro, os pais também se mostram mais satisfeitos. Por isso, Amanda Braga defende “proporcionar esse conforto emocional para a criança e para a família, que já está diante de um tempo de espera”. Além disso, ao atender aos anseios dos familiares e das crianças, a equipe responsável cria uma relação de confiança.
As pesquisadoras acreditam que seguir com pesquisas na área pode ajudar na disseminação da importância dos protocolos de abreviação de jejum. “Reforça uma prática extremamente simples, que pode ser aplicada tanto em um hospital da dimensão do HC, quanto em um hospital onde os recursos são poucos”, diz Maria Bonfim.
Mais informações: a.braga@hc.fm.usp.br, com Amanda Braga; maria.bonfim@hc.fm.usp.br, com Maria Bonfim [1], [2]
[1] Texto de Gabriele Mello
[2] Publicação original: https://jornal.usp.br/ciencias/em-criancas-reducao-do-tempo-de-jejum-antes-da-cirurgia-ajuda-na-saude-e-no-bem-estar/
Como citar este texto: Jornal da USP. Em crianças, redução do tempo de jejum antes da cirurgia ajuda na saúde e no bem-estar. Texto de Gabriele Mello. Saense. https://saense.com.br/2025/01/em-criancas-reducao-do-tempo-de-jejum-antes-da-cirurgia-ajuda-na-saude-e-no-bem-estar/. Publicado em 31 de janeiro (2025).