Jornal da USP
29/09/2025

Novas imagens de rede de radiotelescópios EHT revelam fenômeno inesperado de inversão em buraco negro
Novas imagens da colaboração Event Horizon Telescope (EHT) revelaram um ambiente dinâmico, com padrões de polarização variáveis nos campos magnéticos do buraco negro supermassivo M87*. Enquanto os campos magnéticos de M87* pareciam espiralar em uma direção em 2017, se estabilizaram em 2018 e inverteram a direção em 2021. Os efeitos cumulativos dessa mudança de polarização ao longo do tempo sugerem que M87* e seu ambiente ao redor estão em constante evolução – Foto:  EHT Collaboration

Com participação de cientistas da USP, a equipe a cargo do Telescópio de Horizonte de Eventos (EHT, na sigla em inglês) divulgou novas imagens do buraco negro supermassivo no centro da galáxia M87, chamado de M87*. As figuras revelam como o campo magnético se altera ao seu redor: no horizonte de eventos – o limite do buraco negro – nem a luz é rápida o bastante para escapar da gravidade.

O grupo de cientistas identificou a extensão do jato relativístico — a matéria em estado plasmático — do buraco negro para além de sua base. Ele é ejetado do horizonte de eventos, da sua singularidade, o ponto do buraco negro onde a gravidade é tão massiva que não existe mais espaço-tempo. Essas novas observações, publicadas na revista científica Astronomy & Astrophysics, fornecem informações sobre o comportamento da matéria e da energia nos ambientes extremos que circundam o buraco negro.

Localizada a cerca de 55 milhões de anos-luz da Terra, a galáxia M87 abriga um buraco negro supermassivo com mais de 6 bilhões de vezes a massa do Sol. A equipe do EHT usa um rede global de radiotelescópios, que capturam ondas de rádio espaciais para enxergar onde os sistemas óticos convencionais não veem. O projeto, então, coordena equipamentos ao redor do globo e faz o planeta de telescópio. Em 2019, o grupo capturou a primeira imagem da “sombra” do M87*, a área escura do buraco negro onde nem a luz escapa. Agora cientistas comparam registros de 2017 a 2021 para compreender como os campos magnéticos próximos ao corpo celeste mudam ao longo do tempo.

“O que se destaca é que, embora o tamanho do anel — o eco de luz que rodeia o buraco negro — tenha permanecido constante ao longo dos anos, comprovando a teoria de Einstein, o padrão de polarização magnética mudou significativamente” disse Paul Tiede, astrônomo do Centro de Astrofísica da Universidade de Harvard em parceria com o Instituto Smithsonian e autor principal do artigo. “Isso mostra que o plasma magnetizado que gira perto do horizonte de eventos não é estático; é dinâmico e complexo, o que desafia os nossos modelos teóricos.”

“A cada ano aprimoramos o EHT — com novos telescópios, instrumentação atualizada, ideias inovadoras para exploração científica e algoritmos inéditos que extraem ainda mais informação dos dados”, acrescentou o coautor Michael Janssen, membro do conselho científico do EHT e professor assistente da Universidade Radboud de Nimega, na Holanda. “Neste estudo, todos esses fatores contribuíram para gerar novos resultados e novas perguntas, que certamente nos ocuparão por muitos anos.”

Padrão invertido

“O fato de o padrão de polarização ter invertido entre 2017 e 2021 foi totalmente inesperado”, disse Jongho Park, astrônomo da Universidade Kyunghee e colaborador do projeto. “Isso desafia nossos modelos e mostra que ainda há muito que não compreendemos perto do horizonte de eventos.”

O Departamento de Astronomia do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP passou a integrar formalmente a pesquisa em 2022, com a chegada do professor Ciriaco Goddi — participante do projeto desde seu início, em 2014. O professor Ciriaco Goddi liderou o grupo responsável pela calibração dos seus dados no EHT. Goddi também atuou no Atacama Large Millimeter Array (Alma): pilar fundamental no observatório planetário, é o maior e mais potente radiotelescópio do mundo, e se localiza a 5 mil metros de altitude no deserto do Atacama, no Chile.

No IAG, o professor orienta o doutorando Douglas Carlos na investigação da polarização do M87*. “As observações do Alma, realizadas em conjunto com o EHT, nos permitem investigar campos magnéticos em escalas espaciais muito maiores que o anel do buraco negro. Isso é crucial para estudar o jato relativístico do buraco negro, um feixe estreito de partículas energéticas lançado a quase a velocidade da luz”, explicou Carlos. “Ao combinar observações de múltiplos anos do Alma e do EHT conseguimos acompanhar a evolução conjunta do buraco negro e do seu jato, fornecendo informações fundamentais para os modelos de evolução de jatos.”

As observações do EHT em 2021 incluíram dois novos telescópios — Kitt Peak, no Arizona, Estados Unidos, e Noema, na França — que aumentaram a sensibilidade da rede e a clareza das imagens. Isso permitiu aos cientistas determinar, pela primeira vez no EHT, a direção da emissão na base do jato relativístico do buraco negro M87*. Melhorias nos telescópios da Groenlândia e James Clerk Maxwell, no Havaí, também contribuíram para elevar a qualidade dos dados em 2021.

“O aprimoramento da calibração resultou em um evidente ganho de qualidade e organização dos dados, o que possibilitou identificar as primeiras características na base do jato — onde se requer maior sensibilidade”, afirmou Sebastiano von Fellenberg, pós-doutorando do Instituto de Astrofísica Teórica da Universidade de Toronto (Cita) e do Instituto Max Planck de Radioastronomia (MPIfR), responsável pela calibração do projeto. “Esse salto tecnológico também aumenta nossa capacidade de detectar sinais sutis de polarização.”

Astronomia brasileira na Argentina

Olhando para o futuro, a USP desempenha um papel central no projeto LLAMA, um novo radiotelescópio de 12 metros em construção no deserto da Puna de Atacama, na Argentina. Resultado de uma parceria entre o Estado de São Paulo via Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), IAG e Ministério de Ciência e Tecnologia da Argentina, o novo telescópio integrará o EHT em breve. “Junto ao Alma, a adição fornecerá dados importantes para a calibração do EHT”, observa Goddi, “informações cruciais, também, para caracterizar a emissão difusa de matéria e energia entre o horizonte e a base do jato — o que permitirá a geração de imagens da região de lançamento do jato.”

Jatos como o do buraco negro M87* desempenham um papel essencial na evolução das galáxias ao regular a formação de estrelas e distribuir energia no Universo em grandes escalas. Ao emitir matéria e energia em todo o espectro eletromagnético — incluindo raios gama e neutrinos —, o jato relativístico caracterizado se apresenta como um laboratório único para investigar como esses fenômenos se formam e são lançados a partir do horizonte de eventos. Esta nova detecção traz uma peça fundamental do quebra-cabeça.

“Esses resultados mostram como o EHT está se consolidando como um observatório científico completo, capaz não apenas de fornecer imagens inéditas, mas de construir conhecimento acerca da física dos buracos negros de forma progressiva e coerente”, disse Mariafelicia De Laurentis, professora da Universidade de Nápoles Federico II, na Itália, e cientista do projeto EHT. “Cada nova investigação amplia a nossa perspectiva — desde a dinâmica do plasma e dos campos magnéticos até o papel dos buracos negros na evolução cósmica. É uma demonstração concreta do extraordinário potencial científico desse instrumento.”

À medida que a colaboração EHT continua a expandir suas capacidades observacionais, esses novos resultados vão iluminar a dinâmica que circunda o M87* e aprofundar a compreensão científica sobre a física dos buracos negros.

O artigo Horizon-scale variability of from 2017–2021 EHT observations está disponível on-line e pode ser lido aqui. [1]

[1] Publicação original: https://jornal.usp.br/ciencias/novas-imagens-de-rede-de-radiolestcopios-eht-revelam-fenomeno-inesperado-de-inversao-em-buraco-negro/

Como citar este texto: Jornal da USP. Novas imagens de rede de radiotelescópios EHT revelam fenômeno inesperado de inversão em buraco negro. Saense.https://saense.com.br/2025/09/novas-imagens-de-rede-de-radiotelescopios-eht-revelam-fenomeno-inesperado-de-inversao-em-buraco-negro/ . Publicado em 29 de setembro (2025).

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