Jornal da USP
01/10/2025

Terras Indígenas reduzem a transmissão de doenças na Amazônia
Saberes tradicionais de comunidades indígenas podem ajudar no combate a novas pandemias – Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Novo estudo internacional realizado em parceria com pesquisadoras da USP traz evidências que sustentam a proteção de Terras Indígenas (TI) amazônicas como escudo para transmissão de doenças. As descobertas são inéditas e destacam a importância da proteção legal dessas regiões e o seu papel na saúde humana. Os resultados foram publicados em artigo na revista científica Communications Earth & Environment, do grupo Nature.

A equipe reuniu esforços de instituições de oito países amazônicos para a coleta de 20 anos de dados – de 2000 a 2019. Foram estudadas 27 doenças: 21 respiratórias ou cardiovasculares e seis zoonóticas ou transmitidas por vetores. As análises mostram que quanto menor a fragmentação da reserva maior a proteção contra essas doenças. 

“A incidência de doenças cai à medida que os territórios são conservados e protegidos,” afirma Júlia Barreto, primeira autora do artigo. A pesquisadora explica que a continuidade das TI consegue inverter os malefícios associados às queimadas e à transmissão de doenças como a malária e a febre maculosa. “Os povos indígenas nos mostram caminhos mais saudáveis”, diz.

Júlia destaca a territorialidade da metodologia. Ela conta que o resultado é um esforço colaborativo entre países e que diferentes perspectivas dentro dos territórios amazônicos puderam participar do debate. A bióloga defende que são essas reuniões de cientistas de diferentes origens que podem ter real impacto sobre o mundo. “A Amazônia é um bioma transfronteiriço. Essa discussão precisa envolver a todos.”

Ferro e fogo

Os resultados apresentados no artigo apontam que 80,3% das doenças reportadas no território amazônico estavam associadas às queimadas que assolam o bioma. O valor corresponde a quase 23 milhões de casos, entre os cerca de 30 milhões registrados de 2000 a 2019; 19,7% são doenças zoonóticas ou transmitidas por vetores.

“Um incêndio pode adoecer pessoas a 500 quilômetros de distância,” afirma Paula Prist, coautora do estudo e coordenadora do programa de pesquisa Florestas e Campos da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN). Ela explica que as partículas poluidoras geradas pelas queimadas são tão pequenas (cerca de 2,5 micrômetros) que conseguem viajar com o vento e afetar populações muito além dos focos. Paula destaca que os casos de problemas respiratórios crescem em conjunto com a taxa de queimadas na Amazônia. 

Entre as doenças respiratórias estudadas estão a pneumonia inespecífica (quando não foi encontrada causa bacteriana ou fúngica), inflamações das vias aéreas e embolia pulmonar. Os problemas cardiovasculares, Júlia conta, foram contabilizados na pesquisa como forma de se observar os efeitos dos incêndios na saúde humana a longo prazo. Foram estudadas arritmias, infartos e inflamações do coração. 

Os poluentes estão diretamente relacionados ao adoecimento da população, mas Paula explica que a cobertura florestal é um remédio: “Quanto mais íntegra a floresta e quanto mais verde a folhagem, maior a capacidade de absorção dos poluentes.” Efeitos benéficos são observados, também, na propagação de zoonoses, como a hantavirose transmitida por roedores, e doenças vetoriais, como a malária.

“Quando se fragmenta a floresta, animais silvestres se aproximam das populações humanas. O contato com vetores aumenta e ficamos mais expostos a surtos zoonóticos,” diz Paula. A pesquisadora conta que as Terras Indígenas atuam como uma barreira sanitária, uma vez que áreas conservadas mantêm uma diversidade de hospedeiros que dilui a transmissão de doenças.

“Conservar ecossistemas e reconhecer territórios indígenas é uma forma direta de diminuir a chance de uma próxima pandemia” – Paula Prist

“Para diversas doenças, vemos o benefício da demarcação das Terras Indígenas e da proteção dessas terras, porque eles estão sabendo cuidar da saúde da Amazônia melhor do que a gente,” conclui Júlia. A bióloga destaca que os efeitos positivos não são vistos apenas nas Terras Indígenas, os resultados são observáveis em toda a extensão de municípios amazônicos com ao menos 40% de cobertura florestal.

Proteção legal

As pesquisadoras defendem que assegurar o direito indígena à terra é a melhor estratégia para manter as florestas de pé e seus benefícios sanitários intactos. “Os resultados mostram que o manejo sustentável indígena em áreas demarcadas promove serviços positivos para a saúde. Se não há o reconhecimento da terra, é possível que não se consiga promover os serviços,” afirma Paula.

A condição da floresta é um fator-chave para entender como a presença de Terras Indígenas afeta a forma com que a transmissão acontece. Quando uma área não está regularizada, segundo a pesquisadora, é difícil saber como se dá seu manejo ou, ainda, se está sendo atacada. De forma geral, só são observados efeitos benéficos quando a TI é regularizada e são mantidos altos níveis de cobertura vegetal.

“Estamos falando de um saber ancestral que tem consequências benéficas sobre a saúde,” afirma Júlia. A pesquisadora diz que já eram conhecidos os efeitos positivos das comunidades tradicionais na conservação da biodiversidade, na preservação da floresta e na contenção das queimadas, mas “agora temos mais um caminho possível para buscar direitos indígenas e ecossistemas saudáveis”.

“Os indígenas mostram pra gente caminhos mais sustentáveis. São cruciais para a preservação da biodiversidade” – Júlia Barreto

“Durante muito tempo, estudamos só as causas, como o desmatamento, a perda de biodiversidade, as mudanças climáticas, mas chega uma hora que você pensa: e agora? Como mitigar?”, comenta Paula. De acordo com as pesquisadoras, a ciência de base pavimentou o caminho para a integração da sustentabilidade indígena na produção científica e, possivelmente, na gestão pública.

“É a primeira base de dados que possibilita pensar no gerenciamento de toda a região amazônica,” afirma Júlia. Ela afirma que é a primeira sistematização de informações aberta capaz de promover impactos na saúde para toda a região. No ano em que a Amazônia sedia a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP30), as pesquisadoras têm esperanças de que seus resultados promovam efeitos sobre a gestão pública. Para isso, foram disponibilizados os dados levantados sobre as doenças em cada região, que podem ser publicamente acessados.

A malária se destaca. “Ela tem a maior carga sobre a população, é o maior problema,” diz Paula. Estudar a doença era obrigatório, em função de seu impacto na região. A lacuna, elas apontam, é a falta de um programa panamazônico de monitoramento: Os países não reportam as mesmas doenças nem possuem leis indígenas semelhantes, e os dados contemplam períodos diferentes. No Suriname, apesar da vasta arborização, as Terras Indígenas não são demarcadas. Na Venezuela, os dados para malária se encerram em 2017 – apenas o Brasil e a Guiana Francesa têm dados recentes.

“A Amazônia está nos debates internacionais,” lembra Júlia. Segundo ela, a preocupação acerca da gestão da região amazônica deve ser global, porque os impactos serão vistos no mundo inteiro. “Se as evidências sobre o papel indígena na conservação não foram suficientes para a sua proteção, trouxemos mais uma – sobre saúde.”

O artigo Indigenous Territories can safeguard human health depending on the landscape structure and legal status pode ser lido aqui.

Mais informações: e-mail barretojuliar@gmail.com, com Júlia Barreto, e paula.prist@iucn.org, com Paula Prist [1], [2]

Como citar este texto: Jornal da USP. Terras Indígenas reduzem a transmissão de doenças na Amazônia. Texto de Theo Schwan. Saense. https://saense.com.br/2025/10/terras-indigenas-reduzem-a-transmissao-de-doencas-na-amazonia/. Publicado em 01 de outubro (2025).

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