Matheus Macedo-Lima
09/12/2015
Os números preocupam: em 2015, até 17 de novembro, 399 casos de microcefalia foram notificados em 7 estados brasileiros. Isso é mais que o dobro da média de casos brasileiros nos últimos 5 anos, e quatro vezes mais que a média de casos considerando somente esses 7 estados durante o mesmo período (ver gráfico). A probabilidade de isso ter acontecido ao acaso (modelado por distribuição de Poisson) é de 1 em 1 trilhão [1]! Isso levou pesquisadores do Ministério da Saúde brasileiro a buscarem alguma relação entre o nascimento desses bebês e a emergência de doenças nesses estados nos meses anteriores. Notou-se que a incidência de casos de zika vírus por volta de maio de 2015 era compatível no tempo com esses nascimentos 6 meses depois, sugerindo infecções durante a gestação. Embora o vírus tenha sido encontrado no líquido amniótico de um bebê microcéfalo, a certeza de que a zika (a doença) em gestantes é a causa da microcefalia ainda não existe.
Mas e se a zika realmente for a causa? O vírus é transmitido pelo mosquito Aedes aegypti, mas o Brasil ainda parece encontrar dificuldades em educar a população para prevenir a proliferação dos mosquitos – há quantos anos (décadas!) tenta-se, sem sucesso, reduzir os casos de dengue [2]? Se essa zika não diminuir, será que devemos investir numa cura?
Microcefalias podem ser causadas por diversos fatores, como genes defeituosos ou outros vírus (herpes, rubéola). Acredita-se que esses fatores levam ao aumento da proliferação de células-tronco no início do desenvolvimento do cérebro, e consequentemente, à depleção do estoque dessas células. Isso faz com que o cérebro não tenha células-tronco suficientes para crescer nos momentos finais de desenvolvimento. Baseando-se nessas hipóteses, um grupo de pesquisadores conseguiu reverter a microcefalia com causa genética em camundongos [3]. Eles induziram a microcefalia gerando animais mutantes do gene PQBP1 – o mesmo que também causa microcefalia em humanos – e caracterizaram o desenvolvimento da doença. A cura foi feita injetando-se no abdome de animais grávidas um vírus que aumenta a expressão desse gene. Os pesquisadores mostraram que esse tratamento possibilitou o melhor desenvolvimento dos cérebros dos filhotes, que, caso contrário, nasceriam microcéfalos.
Portanto, pesquisas para identificar como (e se) o zika vírus causa a microcefalia são fundamentais. É possível que a zika em gestantes interfira na expressão de algum gene crucial durante o desenvolvimento cerebral dos fetos. Caso isso seja comprovado poderemos buscar uma cura, o que pode até ser mais fácil de alcançar do que a conscientização da população sobre os riscos da água parada…
[1] European Centre for Disease Prevention and Control. Rapid risk assessment: Microcephaly in Brazil potentially linked to the Zika virus epidemic – 24 November 2015. Stockholm: ECDC (2015).
[2] ML Barreto e MG Teixeira. Dengue no Brasil: situação epidemiológica e contribuições para uma agenda de pesquisa. Estudos Avançados 22, 53 (2008).
[3] H Ito et al. In utero gene therapy rescues microcephaly caused by Pqbp1-hypofunction in neural stem progenitor cells. Mol Psychiatry 20, 459 (2015).
Como citar este artigo: Matheus Macedo-Lima. E se a “zika” continuar? Há cura para a microcefalia? Saense. URL: http://www.saense.com.br/2015/12/e-se-a-zika-continuar-ha-cura-para-a-microcefalia/. Publicado em 09 de dezembro (2015).
Muito bom.
Obrigado, Marcelo!
Texto muito interessante.
Concordo que as pesquisas devem avançar fortemente na busca de comprovar a ligação do vírus com a microcefalia.
Obrigado pelo comentário, Max!
É aquela coisa: EM TEORIA seria mais econômico e rápido educar a população para reduzir a população de mosquitos, mas a prática não corresponde…
Concordo que educar a população é um passo imprescindível para que casos como esse, onde a situação só começa a ser compreendida quando já temos muitos danos, ocorram com menos frequência. Mas também acredito que esses surtos epidêmicos podem impulsionar a pesquisa em determinadas áreas, e a ciência no Brasil ainda precisa desses “incentivos” para existir… Pensando apenas na zika, podemos ter como ganho pesquisas que determinem a relação entre o vírus e a microcefalia, estudos mais aprofundados sobre o Aedes e, até esperançosamente , investimento em pesquisas como a citada aqui no artigo, buscando a melhor compreensão das causas genéticas e bioquímicas que levam ao desenvolvimento de um feto micro encéfalo!
Concordo, Tábata!
O artigo foi uma provocação ao insucesso do combate ao Aedes no Brasil, sugerindo uma abordagem alternativa (que raramente é levada em consideração). Porém, não é a única opção. Como exemplo, há iniciativas de disseminação de mosquitos transgênicos e inférteis (http://www.moscamed.org.br/2012/), que já estão em andamento no Brasil. Espero que a eficiência delas seja alcançada logo.
Obrigado pelo comentário!