Matheus Macedo-Lima
27/04/2016
Esta tortura tem nome científico: efeito da primeira noite. Por décadas, cientistas têm se dedicado a tentar explicar por que e como o cérebro nos deixa alerta nessas condições. Utilizando técnicas modernas de imagem cerebral combinadas com polissonografia, pesquisadores finalmente identificaram o que acontece no cérebro durante o efeito da primeira noite [2].
Cientistas convidaram (leia-se, pagaram) participantes para dormir em duas noites (separadas por uma semana) em um laboratório, com a cabeça dentro de uma máquina de magnetoencefalografia e ligados a fios para leitura de polissonografia (quem conseguiria dormir assim?!). Um magnetoencefalógrafo mede a atividade eletromagnética do cérebro em tempo real e permite identificar intensidade de ativação e sincronização entre áreas cerebrais, por exemplo. A polissonografia mede padrões de atividade elétrica do cérebro, músculos dos olhos e coração para identificar os estágios do ciclo do sono. Os resultados foram surpreendentes.
Na primeira noite de sono, quando os participantes (finalmente) adormeceram, suas atividades cerebrais se mostraram assimétricas, ou seja, o hemisfério esquerdo ficou mais ativo que o direito. Quanto mais assimétrica a atividade, mais tempo demorou para os participantes pegarem no sono. Em um grupo diferente de participantes, os pesquisadores tocaram tons em fones de ouvido quando os participantes adormeciam. Quando os tons eram tocados no ouvido esquerdo, os participantes acordavam com menos frequência e demoravam mais tempo para acordar, mas quando eram tocados no ouvido direito os participantes acordavam mais rapidamente e com mais frequência! O mais legal é que todos esses efeitos desapareceram na segunda noite de sono no laboratório.
Esse fenômeno de sono uni-hemisférico não é novidade no reino animal. Golfinhos e pássaros são conhecidos por dormirem com um hemisfério em alerta [3,4], e a explicação evolutiva é simples: vigilância noturna contra predadores. Os autores do estudo acreditam que essa também é a explicação para o fenômeno observado em humanos.
Agora que sabemos desse fenômeno, será interessante identificar se esse tipo de atividade cerebral existe em pessoas com doenças do sono, como apneia do sono ou insônia, e em patologias que afetam a qualidade do sono, como estresse ou depressão. Corrigir a assimetria inter-hemisférica (por exemplo, com estimulação magnética transcraniana) pode ajudar pessoas com esses tipos de problemas. Quem sabe até, no futuro, todo quarto de hotel poderia ter um estimulador cerebral…
[1] Crédito da imagem: Norm Smith (Flickr) / Creative Commons (CC BY-NC-ND 2.0). URL: https://www.flickr.com/photos/kinekt/12665776844/in/album-72157620573643160/.
[2] M Tamaki et al. Night Watch in One Brain Hemisphere during Sleep Associated with the First-Night Effect in Humans. Current Biology 26, 1190 (2016).
[3] NC Rattenborg et al. Half-awake to the risk of predation. Nature 397, 397 (1999).
[4] LM Mukhametov. Unihemispheric slow-wave sleep in the Amazonian dolphin, Inia geoffrensis. Neuroscience Letters 79, 128 (1987).
Como citar este artigo: Matheus Macedo-Lima. Por que é tão difícil adormecer num local estranho? Saense. URL: http://www.saense.com.br/2016/04/por-que-e-tao-dificil-adormecer-num-local-estranho/. Publicado em 27 de abril (2016).