Hendrik Macedo
06/05/2016
Sabe aquelas anotações antigas feitas em um caderninho sobre experimentos que falharam drasticamente? Certamente, um Químico as conhece aos montes. Que atitude tomar senão descarta-las sistematicamente e continuar a saga por dias melhores? Correto? Errado.
Pesquisadores em Ciência dos Materiais da Haverford College no estado da Pensilvânia, EUA, criaram um algoritmo inteligente capaz de prever se um conjunto particular de reagentes ao ser misturado em um solvente e aquecido irá sintetizar um cristal [2]. Até aí, parece mais um caso de aplicação de técnicas já bem estabelecidas de reconhecimento de padrões sobre um grande conjunto de exemplos previamente conhecidos do problema em questão (neste caso, reações químicas anteriores que levaram à criação de cristais). Com efeito, muitos pesquisadores da área vêm criando algoritmos inteligentes deste tipo para produção de novas moléculas, sustentando-se no fato de que computadores possuem maior efetividade do que seres humanos para extração de padrões de dados de reações químicas anteriores [3]. A curiosidade deste novo trabalho de pesquisa é que o algoritmo inteligente leva sobretudo em consideração os experimentos passados que não funcionaram, aqueles que falharam. Considerando que a quantidade de experimentos que falham é consideravelmente superior à dos bem sucedidos, existe aí uma quantidade enorme de informação científica pouco publicada e de padrões não extraídos e não explorados.
No trabalho, os pesquisadores consideraram apenas compostos de vanádio, selênio e oxigênio, nos quais pequenas moléculas orgânicas (como as aminas) guiam a organização dos elementos. Segundo os autores, apesar destes cristais não possuírem um uso comercial definido, a motivação para seu uso na pesquisa advém do fato de andarem sendo estudados por suas interações pouco usuais com a luz. A abordagem para aprendizado dos padrões consistiu no treinamento do algoritmo a partir de um conjunto de 4.000 tentativas de produzir os cristais sob diferentes condições para as reações químicas: temperatura, concentração, quantidade e acidez do reagente, entre outros. Ao cabo do treinamento, o computador conseguiu aprender princípios que separam experimentos bem sucedidos daqueles mal-sucedidos. Para avaliar a qualidade do algoritmo inteligente gerado, os pesquisadores selecionaram previamente combinações ainda não testadas de reagentes e compararam suas próprias previsões sobre as melhores condições de processamento para criação de cristais de selenita com as condições sugeridas pela máquina. A máquina obteve 89% de taxa de sucesso contra 78% obtidos pela equipe de pesquisadores. Sim, em mais um domínio especialista, a Inteligência Artificial superou a Natural.
Como é típico em modelos de aprendizado artificial desse tipo, não é possível observar claramente a linha de raciocínio aprendida pelo algoritmo para chegar a estes resultados. Os pesquisadores então converteram os resultados manualmente para uma representação em forma de Árvores de Decisão [4] que permite uma visualização intuitiva das regras ocultas aprendidas de modo a servir de guia definitivo para o laboratório, a partir de então.
O trabalho é importante para mostrar que experimentos malsucedidos em quaisquer áreas do conhecimento possuem potencial para descobertas de grande impacto bastando, para isso, representação e armazenamento apropriados dos dados e uma máquina inteligente devidamente treinada para processá-los. Aos humanistas de plantão, não se preocupem: ainda somos nós os únicos capazes de criar os algoritmos por sua vez capazes de gerar os algoritmos artificiais inteligentes que andam nos vencendo em determinadas tarefas.
[1] Crédito da imagem: Colin Behrens (Pixabay) / Creative Commons CC0. URL: https://pixabay.com/en/hand-molecule-chemistry-science-898232/.
[2] P Raccuglia et al. Machine-learning-assisted materials discovery using failed experiments. Nature 533, 73 (2016).
[3] M Fialkowski et al. Architecture and evolution of organic chemistry. Angewandte Chemie International Edition 44, 7263 (2005).
[4] H Buhrman and R de Wolf. Complexity measures and decision tree complexity: a survey. Theoretical Computer Science 288, 21 (2002).
Como citar este artigo: Hendrik Macedo. Química inteligente. Saense. URL: http://www.saense.com.br/2016/05/quimica-inteligente/. Publicado em 06 de maio (2016).