Tábata Bergonci
02/06/2016

Orcas aprendem técnicas de sobrevivência com o grupo em que vivem. [1]
Orcas aprendem técnicas de sobrevivência com o grupo em que vivem. [1]
Você pode chamar isso de um choque cultural! Sabemos que experiências culturais tiveram participação na evolução de nossa espécie. O genoma humano, ao longo de milhares de anos, tem sido selecionado de acordo com nossos comportamentos culturais: um exemplo clássico é a forma como algumas populações humanas ganharam genes de tolerância à lactose após o início da criação de gado leiteiro [2]. Simplificando bastante como a evolução ocorre: no passado, em uma população humana onde o consumo de leite passou a ser parte da dieta, algumas pessoas com genes de tolerância à lactose sobreviveram melhor (ou por mais tempo, ou com mais saúde) e, com isso, passaram com maior sucesso esses genes para os seus descendentes. Ao longo de muitos anos, e como o leite continuou na dieta, pessoas com esses genes passaram a ser maioria na população.

A coevolução do genoma e cultura em humanos é estudada há muitos anos. Porém, a comunidade científica nunca havia conseguido entender como (e se) genomas e culturas coevoluem em outras espécies. Pesquisadores suíços acabam de dar um grande passo para entender essa questão, estudando as orcas!

Orcas, também chamadas erroneamente de baleias-assassinas (não são baleias e, na verdade, pertencem a mesma família que os golfinhos!), assim como as pessoas, estão espalhadas por todo o globo terrestre, desde os polos até as regiões tropicais. Contudo, algumas populações de orcas têm técnicas de caça e dieta diferentes de outras populações. Por exemplo, algumas orcas comem peixes e caçam agrupando-os e cercando-os; outras comem mamíferos e nadam até as praias onde focas vivem, para predá-las.

A capacidade de aprender habilidades comportamentais é o que cientistas chamam de cultura.  As orcas vivem em grupos e os indivíduos jovens aprendem com os mais velhos, portanto, existe atividade cultural nos grupos populacionais de orcas. Mas, será que os diferentes grupos de orcas são também geneticamente diferentes? Será que a evolução agiu distintamente nesses grupos?

Para tentar desvendar isso, os pesquisadores analisaram genomas de 50 indivíduos, de cinco populações diferentes de orcas, com culturas diferentes. A descoberta foi incrível: os cinco grupos apresentaram cinco diferentes genomas [3]. Alguns genes responsáveis por funções de dieta, por exemplo, evoluíram distintamente nas populações. Em outras palavras, mesmo que todas as orcas compartilhem há mais de 200 mil anos a maioria dos genes, diferentes culturas estão associadas a mudanças específicas em grupos gênicos. Assim, o genoma e a cultura das orcas coevoluíram!

O estudo foi além e tentou explicar como essa evolução aconteceu: todos os cinco grupos estudados começaram com algumas dezenas de indivíduos, que invadiram um novo local e se multiplicaram. Quando uma população diminui drasticamente de tamanho, rapidamente todos os indivíduos passam a ter o que chamamos de identidade genética. Explicando melhor, porque os cruzamentos ocorrem apenas entre esses poucos indivíduos, em alguns anos todos passam a ter genomas semelhantes. A questão cultural, onde os pais ensinam os filhos, ajuda a população a colonizar o novo local mais rapidamente, e estabelece o novo grupo em alguns anos.

Podemos dizer que o trabalho é fascinante, porque agora sabemos que outro animal, além de nós, também evoluiu conforme a cultura em que vive. Ainda, o estudo abre portas para que busquemos a influência da cultura na evolução de outras espécies. Uma das mais importantes conclusões é a de que uma espécie é o resultado de interações entre a genética, o ambiente e a cultura, e não apenas um desses aspectos separadamente.

Mas é claro, a descoberta da importância da cultura em orcas, assim como em humanos, não significa que isso é comum em todo o reino animal. Orcas e humanos compartilham atributos raros no reino animal: inteligência elevada, longevidade e natureza social, que trabalham juntas para criar um ambiente ideal para a aprendizagem social que fortalece a identidade de grupo, reforçando a distinção genética.

[1] Crédito da imagem: Amila Tennakoon (Flickr) / Creative Commons (CC BY 2.0). URL: https://www.flickr.com/photos/lakpura/15354959769.

[2] KN Laland et al. How culture shaped the human genome: bringing genetics and the human sciences together. Nature Reviews Genetics 11, 137 (2010).

[3] AD Foote et al. Genome-culture coevolution promotes rapid divergence of killer whale ecotypes. Nature Communications 7, 11693 (2016).

Como citar este artigo: Tábata Bergonci. Experiências culturais dirigem a evolução das orcas! Saense. URL: http://www.saense.com.br/2016/06/experiencias-culturais-dirigem-a-evolucao-das-orcas/. Publicado em 02 de junho (2016).

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