Matheus Macedo-Lima
06/07/2016

A ativação das áreas do prazer no cérebro reforça a resposta imunológica. [1]
A ativação das áreas do prazer no cérebro reforça a resposta imunológica. [1]
A Ciência reconhece a importância do efeito placebo há décadas. Qualquer estudo sério de teste de medicamentos deve incluir um grupo placebo como controle. Mas o que está por trás desse efeito? O que faz nosso corpo reagir positivamente simplesmente por pensar que estamos ingerindo um medicamento? Você provavelmente adivinhou! O nosso cérebro está por trás disso. O efeito placebo está associado a um aumento da ativação das “áreas do prazer” no cérebro, como a área tegmental ventral (ATV) [2]. Ou seja, pensar que estamos tomando uma droga causa aumento na liberação de dopamina pela ATV e uma certa sensação de prazer ou conforto. Ainda não tínhamos uma hipótese para a ligação entre a ativação da ATV e os benefícios do efeito placebo até que um grupo de pesquisadores israelenses descobriu que a ativação da ATV causa aumento da imunidade e melhor resposta inflamatória em camundongos [3].

Os pesquisadores empregaram uma técnica bem legal. Utilizaram camundongos transgênicos, que expressam uma enzima de restrição (Cre recombinase) apenas em neurônios produtores de dopamina. Eles injetaram na ATV um vírus que infecta apenas neurônios e os faz expressar um certo tipo de receptor apenas quando a enzima Cre está presente na célula. Ou seja, apenas neurônios na ATV expressam esse receptor. Agora o mais legal: esse tipo de receptor foi desenvolvido em laboratório e se chama DREADD (Designer Receptors Exclusively Activated by Designer Drugs; em tradução livre: receptores desenhados exclusivamente ativados por drogas desenhadas). Os DREADDs são ativados (consequentemente os neurônios são ativados) por uma droga que não causa qualquer outro efeito no organismo, o que permite uma especificidade e controle altíssimos. Portanto, após a injeção dos vírus e a injeção da droga desenhada os pesquisadores puderam avaliar os benefícios da ativação de neurônios na ATV para a resposta imunológica.

Em todos os testes realizados no trabalho os animais com DREADDs que recebiam a injeção da droga apresentaram maiores números de células de defesa no baço, maior eficiência no combate a infecções bacterianas e maior resposta inflamatória a infecções quando comparados com animais que não tinham DREADDs, mas que também receberam a droga. Restava uma questão: se a dopamina liberada pela ATV fica apenas no cérebro, como esse efeito na periferia era atingido? Os cientistas tiveram a ideia de destruir parte do sistema nervoso simpático, que inerva o baço e regula a imunidade. Com esse tratamento, animais com DREADDs que recebiam a droga desenhada não mais apresentaram melhor resposta imunológica do que os controles, mostrando que a ativação de ATV tem efeito na imunidade por meio do sistema nervoso simpático.

Com esse estudo, os autores sugerem que o efeito placebo é mais do que apenas psicológico, e que pode, de fato, aumentar a capacidade imunológica do organismo. É importante ressaltar que a ativação de ATV ocorre naturalmente com atividades prazerosas, como exercício físico, atividades sociais e, claro, chocolate. Tratar e prevenir doenças fazendo atividades prazerosas – ou comendo coisas gostosas – parece uma ideia boa para mais alguém?

[1] Crédito da imagem: FDA graphic by Michael J. Ermarth (“Miracle Cure!” Health Fraud Scams) [Public domain], via Wikimedia Commons.

[2] DJ Scott et al. Placebo and nocebo effects are defined by opposite opioid and dopaminergic responses. Arch Gen Psychiatry 65, 220 (2008).

[3] TL Ben-Shaanan et al. Activation of the reward system boosts innate and adaptive immunity. Nature Medicine 10.1038/nm.4133 (2016).

Como citar este artigo: Matheus Macedo-Lima. Enganando o cérebro para a cura: o efeito placebo não é só psicológico!. Saense. URL: http://www.saense.com.br/2016/07/enganando-o-cerebro-para-a-cura-o-efeito-placebo-nao-e-so-psicologico/. Publicado em 06 de julho (2016).

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