Bruno Carneiro da Cunha
05/09/2016

O conteúdo de partículas do Modelo Padrão de Partículas. Em vermelho, as partículas mediadoras da força nuclear forte, o glúon, do eletromagnetismo, o fóton, e da força nuclear fraca, os bósons Z e W. Junto com o gráviton da gravitação, elas compõem as quatro forças fundamentais da natureza conhecidas até hoje. [1]
O conteúdo de partículas do Modelo Padrão de Partículas. Em vermelho, as partículas mediadoras da força nuclear forte, o glúon, do eletromagnetismo, o fóton, e da força nuclear fraca, os bósons Z e W. Junto com o gráviton da gravitação, elas compõem as quatro forças fundamentais da natureza conhecidas até hoje. [1]
No final é, ao menos, uma boa estória.

Em 2015, um grupo de cientistas baseados na Hungria, liderados pelo dr. Krasznahorkay relataram um comportamento estranho no decaimento de um estado energético do berílio-8. Uma reação nuclear já conhecida e decantada desde Mme. Curie. O artigo, na Physical Review Letters [2], contava de uma emissão anômala a 140º, consistente com o que eles chamaram de “fóton escuro”, uma partícula com as mesmas características do fóton, mas com massa aproximadamente 34 vezes maior que a do elétron. Não era a primeira vez que o grupo descrevia algo inesperado: já, naquela época, havia uma série de artigos do mesmo grupo sobre comportamentos estranhos de outras reações nucleares. Descritos e publicados, eles eram negados por estudos posteriores. Sob o maior escrutínio, os resultados não se sustentavam. Acontece.

O berílio-8, contudo, haveria de ter um destino diferente. No ano passado, um grupo de físicos teóricos da Califórnia em Irvine liderados pelo prof. Feng [3], se debruçaram sobre os resultados dos experimentos com o intuito de “contar uma estória”: criar um modelo teórico, e assim explicar o porquê do comportamento anômalo. Nisso foram bem-sucedidos — é um adágio conhecido entre físicos que, dados parâmetros ajustáveis suficientes, pode-se montar um modelo para praticamente qualquer coisa. O tal “fóton escuro”, até então não detectado, poderia explicar os dados, desde que possuísse um acoplamento inesperado com elétrons, prótons e nêutrons. Assim, uma nova partícula “mediadora”. Uma nova força. A quinta força.

O modelo teórico proposto se baseia na teoria paradigmática da física de partículas, que tem o nome algo mundano de Modelo Padrão de Partículas. O Modelo Padrão prevê que todos os fenômenos de física de partículas podem ser explicados por meio das três forças: eletromagnética, nuclear fraca e nuclear forte. Junto com a gravitação, ademais muito fraca para ter influência em fenômenos subatômicos, elas comporiam as forças fundamentais do universo. Esta história é uma de sucesso: seus autores — primariamente o paquistanês Abdus Salam e os americanos Steven Weinberg e Sheldon Glashow — ganharam o prêmio Nobel em 1979, suas ideias nortearam a construção de três grandes aceleradores de partículas, e o modelo tem tido absoluto sucesso quantitativo na descrição de praticamente qualquer fenômeno subatômico que se tem notícia. Quatro forças, e umas tantas partículas seriam capazes de conter toda a dinâmica do universo, da composição química do universo até as músicas de Anitta no seu tocador de MP3.

Como, então, poderíamos passar batido por um efeito relativamente mundano como o decaimento do berílio-8?

Do ponto de vista teórico houve, de fato, no trabalho do prof. Feng e colaboradores, um esforço notável, que explica ao mesmo tempo o novo fenômeno descrito pelo dr. Krasznahorkay e colaboradores e o porquê do fenômeno não ter sido detectado em outros experimentos. É uma hipótese implícita da física de altas energias que fenômenos são descobertos à medida que se aumenta a escala de energia dos detectores. Assim, há uma tendência a se construírem aceleradores de partículas cada vez maiores — e mais caros — para testar o modelo padrão de partículas. Por outro lado, tal simplicidade não é compartilhada por outras áreas da física, ou do conhecimento: o adágio de física da matéria condensada é “more is different”: fenômenos novos podem aparecer do agrupamento de componentes cujas leis simples são conhecidas.

Neste caso, o próprio grupo do prof. Feng reconhece que incorporar estes resultados, caso confirmados, no Modelo Padrão não será tarefa fácil. Há centenas (!) de resultados em que o modelo atual prediz com certeza impressionante, e manter esses sucessos em uma teoria modificada pode ser uma tarefa impossível. Também não é claro que os poucos resultados fora das predições, como o momento magnético do múon, não são apenas flutuações de valores que são medidos de forma estatística. Felizmente, o que decidirá quem está certo não será a posição filosófica mas a própria natureza: vários experimentos estão sendo propostos [4] para verificar tanto o resultado experimental dos húngaros quanto as predições teóricas dos americanos. Mais que o final de um resultado, a publicação de um artigo, mesmo quando está na prestigiada Physical Review Letters, parece hoje em dia mais um convite ao debate do que propriamente um final de processo de investigação. Afora a (talvez) superexposição midiática, é difícil pensar que o fomento do debate seja uma atitude má por parte dos editores da revista.

E talvez, no final do debate, até seja também uma boa história.

[1] Crédito da imagem: MissMJ – Own work by uploader, PBS NOVA, Fermilab, Office of Science, United States Department of Energy, Particle Data Group, CC BY 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=4286964.

[2] AJ Krasznahorkay et al. Observation of Anomalous Internal Pair Creation in 8Be: A Possible Indication of a Light, Neutral Boson. Physical Review Letters 116, 042501 (2016). [Manuscrito disponível em https://arxiv.org/abs/1504.01527 (2015)].

[3] JL Feng et al. Protophobic Fifth-Force Interpretation of the Observed Anomaly in 8Be Nuclear Transitions. Physical Review Letters 117, 071803 (2016). [Manuscrito disponível em http://arxiv.org/abs/1604.07411 (2016)].

[4] E Cartlidge. Has a Hungarian physics lab found a fifth force of nature? Nature News. Publicado em 17 de agosto (2016).

Como citar este artigo: Bruno Carneiro da Cunha. A matreira quinta força, ou o debate e o método científico. Saense. URL: http://www.saense.com.br/2016/09/a-matreira-quinta-forca-ou-o-debate-e-o-metodo-cientifico/. Publicado em 05 de setembro (2016).

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