Ana Maia
17/10/2016
As duas únicas armas nucleares já utilizadas em guerras são as que foram detonadas, em 1945, nas cidades de Hiroshima, em 6 de agosto, denominada de Little Boy, e de Nagasaki, em 9 de agosto, denominada de Fat Man. O número de mortos nos primeiros dias foi gigantesco, devido tanto à explosão quanta a intensa exposição à radiação. Mas, além destas vítimas, milhares de pessoas sobreviveram à explosão e foram expostas a doses variadas de radiação, dependendo da distância em que estavam do local das detonações.
A percepção pública geral é que há entre os sobreviventes uma séria diminuição da expectativa de vida, além de uma incidência muito grande de cânceres induzidos pela radiação e de efeitos genéticos nos seus descendentes. Esta percepção, contudo, destoa dos achados científicos recém sumarizados no artigo de Bertrand Jordan [2].
Nesse artigo [2], são apresentados dados do acompanhamento de um grande número de sobreviventes das explosões nucleares, aproximadamente 100.000 sobreviventes, 77.000 descendentes e 20.000 pessoas em um grupo de controle, que iniciou em 1947 e desde 1975 vem sendo conduzido pela Radiation Effects Research Foundation (RERF).
No caso dos cânceres sólidos, os resultados encontrados apontam um aumento médio de 10,7% no risco de desenvolvimento destes tumores. O total de cânceres sólidos no grupo de estudo de sobreviventes, durante o acompanhamento, foi de 7.851, sendo estimado, devido a comparações com o grupo de controle, que 848 casos surgiram devido à exposição às explosões nucleares. O aumento do risco, contudo, é muito mais acentuado nos grupos de maior dose (44,2% para doses entre 1 e 2 Gy e 61% para doses acima de 2 Gy) e é muito menos expressivo no grupo mais populosos (27.788 pessoas), que recebeu doses estimadas em menos de 0,1 Gy e cujo aumento de risco é estimado em 1,8%.
Os dados que mais destoam, contudo, entre realidade e percepção pública são os de longevidade e de efeitos hereditários. Em relação a expectativa de vida, o observado foi que há uma redução limitada da longevidade: diminuição de 1,3 anos para o grupo de dose a partir de 1 Gy e de 0,12 anos para o grupo mais populoso de doses de 0,1 Gy. Em relação aos descendentes, não foi detectado aumento da incidência de patologias induzidas por radiação e o número de malformações fetais não foi maior do que no grupo de controle, nem quando ambos os pais foram sobreviventes das explosões nucleares. É claro que estudos genéticos mais detalhados podem encontrar mutações ainda não detectadas, mas o fato é que não foram detectadas diferenças estatisticamente relevantes entre o grupo exposto e o grupo de controle no que se refere a patologias esperadas nos descendentes.
Os dados sumarizados no artigo, frutos de uma detalhada pesquisa, permitem melhor compreensão dos efeitos danosos da radiação. Embora tenha ficado comprovado que há uma percepção de risco exagerada, os resultados não diminuem a importância de um controle efetivo do uso da radiação. E certamente o homem é capaz de se beneficiar muito das potencialidades das atividades que fazem uso de radiação com um compromisso efetivo de segurança, como já foi abordado no artigo “Radiologista não tem maior risco de morte!” [3].
[1] Crédito da imagem: geralt (Pixabay) / Creative Commons CC0. URL: https://pixabay.com/pt/bomba-atômica-nuvem-de-cogumelo-1011738/.
[2] BR Jordan. The Hiroshima/Nagasaki Survivor Studies: Discrepancies Between Results and General Perception. Genetics 203, 1505 (2016).
[3] Ana Maia. Radiologista não tem maior risco de morte! Saense. URL: http://www.saense.com.br/2016/09/radiologista-nao-tem-maior-risco-de-morte/. Publicado em 19 de setembro (2016).
Como citar este artigo: Ana Maia. A distância entre a percepção pública e a realidade nos efeitos pós bombas atômicas. Saense. URL: http://www.saense.com.br/2016/10/a-distancia-entre-a-percepcao-publica-e-a-realidade-nos-efeitos-pos-bombas-atomicas/. Publicado em 17 de outubro (2016).