Tábata Bergonci
17/05/2017

Quimeras de Mus musculus, o camundongo comumente usado em laboratório, e Tokudaia osimensis. [1]
Animais desenvolveram diversos mecanismos para determinar dois sexos, feminino e masculino. Em mamíferos, incluindo humanos, o sexo biológico é determinado pelos cromossomos X e Y. Herdar um cromossomo X da mãe e outro do pai faz com que o indivíduo seja do sexo feminino, ou seja, na ausência de cromossomos Y, o primórdio gonadal se desenvolve em ovário. Já herdar o cromossomo X da mãe e o Y do pai faz com que a gônada formada seja o testículo. Mas existem misteriosas exceções. Um pequeno número de espécies de roedores não têm cromossomo Y e mesmo assim são nascidos fêmeas ou machos, não hermafroditos. Agora, cientistas da Universidade de Miyazaki, no Japão, deram mais um passo para entender o funcionamento da determinação de sexo nesses peculiares roedores [2].

A espécie escolhida para o estudo foi a Tokudaia osimensis, um pequeno roedor ameaçado de extinção, encontrado na ilha japonesa Amami-Oshima. Seu cromossomo sexual é apenas X (e apenas um, escrito formalmente como XO), tanto para machos quanto para fêmeas. Sabe-se que essa espécie perdeu o cromossomo Y por volta de 7 milhões de anos atrás, perdendo também o gene que determina o sexo masculino, SRY [3]. Durante a evolução, com a perda do cromossomo Y, a espécie adquiriu outro mecanismo para determinar o sexo. Até hoje, não se encontrou na espécie nenhum indivíduo hermafrodito ou assexuado, como também nunca foram encontrados indivíduos com cromossomos sexuais XX ou OO (sem nenhum cromossomo sexual). Porém, regiões gênicas do cromossomo Y responsáveis pela formação dos espermatozoides estão, nessa espécie, localizadas em um cromossomo X compartilhado por fêmeas e machos [3].

No estudo publicado esse mês, os pesquisadores fizeram o seguinte: pegaram células derivadas de fêmeas e injetaram em embriões machos. O resultado? Essas células femininas se desenvolveram em células espermáticas nos adultos machos. O achado é surpreendente, já que foi a primeira vez que espermatozoides maduros foram gerados a partir de células femininas. Em outras espécies, a geração de espermatozoides necessita do cromossomo Y e do gene SRY. Os pesquisadores acreditam que nesses ratos, o gene SRY foi substituído por outro ligado ao cromossomo X. O estudo mostrou que as células sexuais dessa espécie de roedor têm uma surpreendente “fluidez”. Elas são capazes de detectar se estão em um ovário ou em um testículo e, então, se adaptar à função feminina ou masculina.

Com menos de 300 indivíduos existentes em todo o globo, o estudo trouxe também uma esperança para a proteção desses animais. As células-troncos desses roedores foram inseridas em embriões de camundongos de laboratório e o que se obteve foram quimeras (mistura de mais de um animal) que conseguiram chegar normalmente à idade adulta. O próximo passo é tentar que as células-troncos se desenvolvam em embriões completos, que então possam ser mantidas em “barrigas-de-aluguel” de outras espécies.

[1] Crédito da imagem: Henry Burrows / Creative Commons (CC BY-NC 4.0). URL: http://advances.sciencemag.org/content/3/5/e1602179.full.

[2] A Honda et al. Flexible adaptation of male germ cells from female iPSCs of endangered Tokudaia osimensis. Science Advances 10.1126/sciadv.1602179 (2017).

[3] A Kuroiwa et al. The process of a Y-loss event in an XO/XO mammal, the Ryukyu spiny rat. Chromosoma 119, 519 (2010).

Como citar este artigo: Tábata Bergonci. Mistério genético: como roedores sem cromossomo Y nascem machos?. Saense. URL: http://www.saense.com.br/2017/05/misterio-genetico-como-roedores-sem-cromossomo-y-nascem-machos/. Publicado em 17 de maio (2017).

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